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Busca excessiva por autocuidado: quando ultrapassa o saudável?

Você já colocou suas técnicas de autocuidado na balança? Chegou a hora de analisar se isso se tornou mais um propulsor da ansiedade

Por Adriana Marruffo
13 ago 2023, 08h16
O que acontece quando não podemos equilibrar nossas técnicas de autocuidado?
O que acontece quando não podemos equilibrar nossas técnicas de autocuidado? (cottonbro studio/Pexels)
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O termo autocuidado tem se tornado responsável por ressignificar escolhas de lifestyle, saúde mental e amor próprio, e é sempre associado às garotas que compartilham sua rotina que parece perfeita para quem tem um dia com 30 horas ou mais. Acordar cedo, meditar, fazer ioga e exercícios físicos, ter uma boa alimentação, trabalhar (mas não demais), fazer skincare, dormir mais de oito horas por dia e conviver com os amigos – tudo isso é visto como uma necessidade para o seu bem-estar, e quando não conseguimos cumprir as 100 metas diárias, passamos a nos autodepreciar. 

A indústria do autocuidado cresceu exponencialmente nos últimos anos, desde sucos detox até ácidos que prometem te dar a pele perfeita. Estamos as 24 horas por dia pensando em como nos cuidar mais e como nos tornarmos melhores. O seu cabelo precisa de brilho? Óleos essenciais são a solução. Sono precário? Um gummie de melatonina. Estresse? Um banho com sais naturais. Todos os nossos problemas sempre precisam ter uma solução no mundo do autocuidado. Mas se o bem-estar exige equilíbrio, quando a multiplicidade ultrapassa os limites e se torna mais um elemento de fadiga? 

Para isso, conversamos com Marihá Lopes, psicóloga e especialista em terapia cognitiva comportamental. Confira:

O excesso do autocuidado

Você com certeza já deve ter passado pelos clássicos vídeos de “Como ser aquela garota?”, que se refere à versão perfeita de si mesma que tem tudo em ordem e tem os melhores produtos a sua disposição. Os vídeos mostram diversas técnicas, rotinas inalcançáveis que nos levariam à exaustão em um mês e produtos seguidos de mais produtos. Quando assistimos a estes vídeos é impossível não pensar em querer ser aquela garota, querer ter o autocuidado como maior prioridade e cumprir todas as metas do dia. 

“As técnicas podem se tornar negativas quando falamos de excessos. Rede social e excesso são palavras que quase andam juntas. A maior questão é a quantidade exagerada de informações que a pessoa recebe após visualizar um vídeo ou até mesmo a imagem de um produto. Nestes vídeos, as quantidades de informações são tantas que a pessoa fica com dificuldade em discernir o que é verdadeiro e o que é falso, gerando uma sensação de que todos os processos funcionam e ela precisa ter ou viver aquilo”, comenta Marihá sobre a viralização da “It girl”. 

Contudo, o problema não está em propagar o autocuidado como uma ferramenta de amor e bem-estar, mas em criar a ideia de que são necessários tantos passos e elementos na nossa rotina. “Essa quantidade infinita de informações proporciona um aumento da ansiedade e uma crescente distorção de imagem corporal, principalmente nas mulheres, que são cobradas de forma direta e indireta em estarem sempre com a aparência de jovem e bem cuidada”, reflete a psicóloga. 

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O que o exagero no autocuidado pode ocasionar?

Todos nós já sentimos a pressão de precisar estar a par de todas as tendências. Strawberry makeup? Vamos colocar mais blush. Hot yoga? Agendamos uma sessão, e assim seguimos com tudo que a sociedade estabelece como trending. Passamos a tomar parte em todas as microtendências, compramos os produtos que são a febre do momento, mas o que acontece quando ultrapassamos os limites? O que acontece quando nosso momento de autocuidado se torna mais uma das obrigações do dia?

“Não é incomum termos notícias de mulheres, em sua grande maioria jovens, morrendo após procedimentos estéticos feitos em lugares indevidos. A busca por essa imagem ‘sempre jovem’ faz com que as mulheres acabem se mutilando e modificando seus corpos, se colocando em risco, apenas para se encaixarem dentro de novos padrões de belezas que são expostos sazonalmente”, conta Marihá. 

A psicóloga ainda expõe um segundo ponto de vista em relação a esses excessos: os endividamentos decorrentes da necessidade de fazer procedimentos estéticos. Em 2020, segundo pesquisa feita pela Picodi, a mulher brasileira gastava cerca de R$1530,00 ao longo de todo o ano com produtos de beleza. Portanto, a especialista coloca em questão o fato de muitos produtos – e procedimentos – comercializados para o público feminino possuírem um preço superior.

“Um remédio para cólica, ao ser colocado em uma caixa rosa e uma propaganda voltada para mulher, custa quase o dobro do mesmo tipo de remédio, com a mesma fórmula e colocada para público geral. Se as mulheres ganham aproximadamente 30% a menos do que os homens e gastam mais, é uma conta que tende a ficar no negativo”, explica a psicóloga. 

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E a nossa saúde mental?

Todos já ouvimos que o autocuidado é sinônimo de saúde mental, mas é sempre assim? “Pelo lado da saúde mental, temos uma crescente de pessoas apresentando sintomas ansiosos e compulsivos devido a essa falsa necessidade constante de que precisam cuidar de si mesmas como maneira de fazer parte de um grupo, mesmo que seja online. Muitas utilizam produtos que em sua grande maioria não seria nem ideal para elas, mas acabam fazendo a aquisição por indicação de conhecidos e propagandas online”, expõe Marihá.

Além disso, com a necessidade de pertencer a todas as tendências do momento, acabamos comprando produtos, desde roupas até cosméticos, que não se adequam ao nosso corpo ou estilo. “Como para muitas aqueles produtos não são o ideal, o resultado é bem diferente do que a pessoa estava esperando, gerando ainda mais frustração e entrando com mais força no ciclo da compulsão, uma vez que ela precisa de um outro tipo de produto que dessa vez trará a solução para seus problemas. É uma falácia e, muitas vezes, a pessoa tem uma real dificuldade em perceber que está nesse ciclo vicioso de compras e acumulações”, reflete Lopes. 

A influência das redes sociais

“A obsessão pode ser traduzida pela quantidade exagerada de produtos que a pessoa possui. Nas redes sociais é comum ver mulheres mostrando gavetas cheias de produtos, batons, pincéis, etc. Quase como se fosse inadmissível não ter o novo produto, da nova coleção, da marca tal. Isso é reforçado com ar de ser feminina, quase como se fosse uma premissa: ser feminina é ter muitos produtos de beleza. Muitos cremes para retardar o envelhecimento, maquiagens para cobrir as imperfeições, terapias faciais e corporais para parecerem cada vez mais jovens, gerando a sensação de que estamos sempre tendo que correr atrás do prejuízo do envelhecimento, enquanto para os homens esse mesmo envelhecimento é ainda visto como charme, conhecimento e maturidade”, relembra Marihá sobre o efeitos das redes sociais.

Além disso, a profissional também expõe que as redes sociais tendem a impulsionar marcas e produtos específicos, bombardeando seus usuários com informações que os instigam a adquirirem esses produtos. “Algo parecido com isso ocorreu há pouquíssimo tempo, no qual um protetor labial viralizou, o preço subiu de forma estrondosa e, hoje, como em todo processo desse novo mundo online, já quase não se vê falar mais sobre ele. Na verdade o que tem aparecido é um hate do produto, com ele sendo destruído e os vídeos colocados na mesma rede que o levou ao ápice”, exemplifica.

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Vale se perguntar, o que ganho com o uso desses artifícios? Como posso aprender a lidar com a maneira que o algoritmo funciona? Porque minhas “falhas” precisam ser corrigidas instantaneamente com os produtos milagrosos?”, questiona Lopes. 

Como lidar com esse excesso?

Não há solução simples para lidar com o excesso e, mesmo quando alcançamos algum bem-estar ou acreditamos ter chegado ao ponto de equilíbrio, mais cedo ou mais tarde, novas tendências chegarão e com elas novas dúvidas e inquietações surgirão. “Uma das possibilidades de lidar com esse consumo excessivo de autocuidado é deixar de seguir aquelas páginas que estão sempre estimulando que você compre. Passe a seguir pessoas que façam sentido para você e para o consumo mais pé no chão, no qual mostram que nem sempre é necessário ter mil óleos faciais para se ter uma pele bonita”, recomenda a psicóloga.

“Às vezes, é importante também excluir alguns aplicativos de compra, isso ajuda a lidar com o processo de compulsão. Tente se perguntar se de fato você precisa daquele novo item, não é possível esperar o que você pode terminar para adquirir outro? O que tanto há de falta em sua vida que precisa ser preenchido com essa falsa sensação de bem-estar?”, continua. 

Reflita sobre isso: “O que te falta? O que acontece em sua vida hoje que deixa esse buraco para ser preenchido? Só há essa maneira de preencher esse vazio? Podemos pensar em formas mais funcionais para lidar com essas faltas? O melhor autocuidado já é falado há décadas: o equilíbrio. É um conjunto de alimentação saudável, atividade física, trabalho, estudo, vida social e acompanhamento psicológico. Precisamos aprender que nada é mágico e tudo que dá certo envolve um esforço e dedicação”, finaliza Marihá Lopes. 

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