51% das mulheres na política já sofreram preconceito ou discriminação
Levantamento feito pelo Instituto Política de Saia, em parceria com o Projeto Justiceiras, fez um mapeamento da violência política contra mulheres
“Um apoiador tentou me violentar sexualmente e me extorquir. Mas fiz um registro e ele parou. Me roubou o planejamento de campanha. ”
“Eu era atacada severamente por exercer uma chefia num mandato do meu partido na minha cidade, mesmo não sendo filiada ao partido. Estive em muitas situações constrangedoras, fui bombardeada com injúrias e calúnias, perseguida e vigiada incessantemente”.
“Ataques no Facebook, nos grupos de WhatsApp e no corpo-a-corpo contra minha moral. O pior foi associar a morte do meu marido (fiquei viúva um pouco antes do processo eleitoral) ao fato de ele ser ‘corno’. Minha intenção de voto subiu muito durante a campanha e passei a ser a candidata atacada por 5 dos 6 outros candidatos. Não ganhei eleição, mas me consolidei como uma das mais fortes lideranças políticas atuais da cidade”.
“Envenenaram meu cachorro e falaram que para eu ter cuidado senão vou acabar igual a Marielle”.
Esses relatos em anônimo são alguns de muitos que o Instituto Política de Saia, em parceria com o Projeto Justiceiras, recebeu ao longo da sua pesquisa Políticas de Saia: Mapeando a Violência Política Contra Mulheres, o estudo observou que mais da metade das mais de 1.190 mulheres entrevistadas (51%) passaram por situações de violência e/ou discriminação sendo eleitoras ou mulheres no exercício de seu mandato.
Já o número de mulheres que sofreram algum tipo de violência e denunciaram é de 9% das entrevistadas. Esse menor número se justifica pela maior parte das mulheres não acreditar na justiça e achar que no final a reclamação não daria em nada, não sabendo onde denunciar ou sentindo medo ou vergonha de contar o que aconteceu.
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89% não se sentem representadas por homens na política, mas continuam elegendo figuras masculinas. Gabriela Mansur, fundadora do Instituto Justiça de Saia e idealizadora do projeto Justiceiras, explica porque isso acontece.
“Eles são eleitos devido às dificuldades impostas para as mulheres durante todo o processo político. A pesquisa mostra que, além da violência política, que está presente já nas experiências políticas familiares, em suas comunidades, universidades, empresas etc, a falta de informação também é determinante para a participação feminina na política”, enfatiza. ”A maioria das mulheres não sabe como candidatar-se a algum cargo público e como realizar a prestação de contas em uma candidatura, e não tem informações básicas para a participação eleitoral”, aponta.
Mulher vota em mulher?
O levantamento também mostrou que apesar das participantes acreditarem que lugar de mulher é na política e falarem que não se sentem representadas por homens, ainda falta apoio entre mulheres para romper as lacunas de gênero, pois 66% das participantes acreditam que não existe ajuda entre mulheres na política e 53% também dizem que mulher não vota em mulher.
Mansur acredita que o cenário pouco representativo para mulheres na política justifica os dados da pesquisa. “Essa percepção feminina de que mulher não vota em mulher é resultado de um cenário onde temos pouca representatividade desse gênero. As mulheres representam 52% do eleitorado brasileiro, mas o percentual das que ocupam cargos eletivos é muito baixo – no Senado, por exemplo, atuam 13 Senadoras, na Câmara dos Deputados, elas representam 15% dos parlamentares”, quantifica.
Falta de informação política
A pesquisa também revelou que há assuntos que a maioria das participantes entendem e outros que ainda faltam conhecimento, como: 54% das mulheres sabem se filiar a um partido político, mas em contrapartida 58% não sabem como se candidatar para algum cargo.
Das 155 das mulheres que foram candidatas, 145 informaram que seu partido não ofereceu preparação, capacitação ou orientação durante a sua candidatura e campanha e 125 disseram que não receberam apoio partidário e orientação para realizar a prestação de contas. 121 não tiveram as promessas de campanha cumpridas pelo partido.
Para a idealizadora da pesquisa, é importante que os partidos se abram para o novo conceito de representatividade feminina, para assim acontecer mudanças. “É importante que os partidos políticos apresentem um plano de gestão que se adeque ao novo conceito de representatividade feminina efetiva e não só com quantitativos de mulheres candidatas”, salienta. “As mulheres podem e devem participar ativamente do processo de candidatura, do processo eleitoral e do exercício de seus mandatos, com o apoio e o investimento dos partidos. Inclusive, o Ministério Público Federal já determinou que os partidos se adequem às novas regras eleitorais, uma vez que são eles os responsáveis por filiar, candidatar e eleger”, informa.
Instituto Justiça de Saia e projeto Justiceiras
O Instituto Justiça de Saia, juntamente com o projeto Justiceiras, surgiu com o objetivo de aumentar os canais e sistemas alternativos de acesso ao sistema de justiça para combater e prevenir a violência contra as mulheres. O projeto Justiceiras oferece acolhimento e orientação jurídica, psicológica, socioassistencial, médica e rede de apoio por intermédio de atendimento online no site da ação (Clique aqui).
Desse trabalho surgiu o projeto Políticas de Saia, que fala sobre violência política contra a mulher, com compartilhamento de experiências com o objetivo de mudar a perspectiva sociocultural sobre o ambiente político ocupado predominantemente por homens.
A pesquisa Políticas de Saia: Mapeando a Violência Política Contra Mulheres vem para apoiar políticas públicas, privadas e ações de organizações da sociedade para que aconteça a mudança neste cenário de falta de representatividade das mulheres na política. O levantamento continua até outubro de 2022, podem participar todas as mulheres, eleitoras, candidatas e eleitas pelo site do Justiceiras ou Instituto Política de Saia.
Gabriela pede participação de todas as mulheres na pesquisa para aumentar o número de mulheres liderando cargos políticos. “O país já avançou muito com a aprovação da Lei 14.192 de Violência Política, mas é necessário colocar a lei em prática e, para isso, serão necessárias, inclusive, ações de democratização dentro dos partidos. Precisamos do apoio de homens e mulheres para que consigamos consolidar as políticas públicas e tenhamos mais mulheres nos cargos de liderança, porque a representatividade importa”, declara.
Os meios para tirar dúvidas sobre a pesquisa – que terá sempre novos resultados mensalmente – são pelo WhatsApp: 11 99639-1212 ou Instagram no direct do @justiceirasoficial.