Mulher denuncia falta de socorro após ser atacada por homem em Paraty
A moradora foi agredida, enquanto acampava na Praia dos Antigos. O caso gerou um protesto em Paraty, que foi interrompido por tiros contra as manifestantes
“Ele pegou um pedaço de pau, que estava próximo, e foi se aproximando da gente, enquanto nos perguntava o que estávamos fazendo ali e se estávamos sozinhas. Minha prima, para despistá-lo, falou que estávamos com um conhecido. Ele pegou o pau e me puxou pelos cabelos, enquanto dava ordens para minha prima sair de lá”, descreve Alana* a CLAUDIA sobre o início do ataque que sofreu na Praia dos Antigos, em Paraty, no Rio de Janeiro.
A moradora foi uma das vítimas dos episódios de agressão e assédio a mulheres em Paraty, que culminaram em uma manifestação realizada nesta segunda-feira (10) na cidade.
Na companhia da prima, ela decidiu acampar na praia no início de maio. “Nós chegamos lá quase de noite, então armamos a barraca, arrumamos nossas coisas e vimos o homem, aparentemente fazendo uma corrida. Até então, estava tudo bem. Ele olhou para nós e continuou”, relembra de algumas horas antes de ser agredida.
“Eu lutei com ele, até que a madeira caiu no chão, fazendo-o sair para pegar outro pau. Nesta hora, fomos para a barraca rapidamente para pegar o celular com a lanterna e saímos correndo para a ponta da praia. Lá, a gente se escondeu, enquanto ele vinha atrás de nós”, diz a vítima, que notou que o agressor estava sob efeito de drogas no momento. “Era visível o pó branco perto de seu nariz.”
O homem encontrou as mulheres na pedra e, dessa vez, agrediu a prima de Alana.”Nós gritamos muito para ele parar e nos deixar em paz e isso o deixou paralisado de certa forma, pelo menos por alguns segundos, mas drogado do jeito que ele estava, era como se ele tivesse mil poderes e nenhuma sensibilidade.”
As duas conseguiram fugir e chegar até a Praia do Sono para pedir ajuda. “Em uma das casas, uma senhora saiu e nos orientou a procurar o Presidente da Associação de Moradores, o Edu, que ele iria nos ajudar. No entanto, chegando lá ele saiu e falou: ‘Olha, na verdade vocês nem poderiam estar lá. Está proibido acampar e eu não posso fazer nada agora, pois eu estou com meu filho”, comenta Alana.
“Estávamos muito paranoicas. Olhando a todo momento para ver se o homem que nos atacou estava vindo, mas, por sorte, ele nunca passou.”
As vítimas tentaram realizar a denúncia contra o agressor tanto na delegacia como no hospital, porém não tiveram suporte em nenhum dos lugares. O auxílio só foi oferecido na Secretaria da Mulher da cidade.
O protesto
A manifestação pacífica organizada por mulheres na região central de Paraty (RJ) por conta desses casos de violência e abuso contra mulheres do município e turistas foi alvo de repressão.
As manifestantes também pediam a criação de um Observatório de Feminicídio na região, que foi votada pela Câmara Municipal naquele dia, e melhor assistência às mulheres vítimas de violência e abuso, além do pedido de implementação de uma Delegacia da Mulher e de profissionais da segurança mulheres para tratar desses assuntos.
O protesto, que ocorria em frente à delegacia da Polícia Civil da cidade, foi interrompido após um policial, armado com um fuzil, disparar dois tiros contra o chão. Nenhuma das manifestantes se feriu. Veja o vídeo:
O policial responsável pelos tiros foi afastado dos seus deveres de escrivão, conforme o anunciado pelo delegado Marcelo Haddad, nesta terça-feira (11).
Atualmente, a cidade de Paraty não conta com uma delegacia da mulher e todos os casos relacionados à violação dos direitos das mulheres devem ser tratados em Angra dos Reis, localizada a 95 km do município.
“Na quarta-feira (5), a gente se reuniu pela primeira vez. Era um grupo de cerca de 15 mulheres, que são todas conhecidas umas das outras. Então comentamos de fazer uma manifestação na segunda-feira, porque a Câmara Municipal ia votar uma lei para a criação de um Observatório de Feminicídio. Era um ótimo momento para poder apoiar outras mulheres”, conta Malia*, uma das mulheres presentes na manifestação, que testemunhou o abuso da posse de arma de fogo por parte do policial.
“Quando estávamos lá, pregando cartazes na porta da delegacia, veio esse homem querendo atirar sobre nós. Foi muito violento. Ele estava descontrolado”, expõe a testemunha.
“Com cerca de 30 minutos, chegou o secretário de segurança e Flora Salles, que é a única vereadora mulher da cidade, que nos disse: ‘Gente, eu tenho medo de entrar na delegacia. Eles não usam máscaras e são muito agressivos, principalmente com as mulheres'”, relembra a manifestante.
Malia ainda conta que, após o ocorrido, a coordenadora da Secretaria da Mulher e o secretário de segurança orientaram o grupo a fazer um Boletim de Ocorrência online, colocando o nome do policial armado. No entanto, a delegacia não quis fornecer o nome do escrivão.
“Nós estamos com medo. Eu não me sinto segura, e isso é geral, sobretudo nas comunidades caiçaras, porque os homens dessas comunidades há muito tempo que abusam das mulheres de suas próprias famílias”, relatou.
O posicionamento da segurança local
De acordo com a Ponte, durante uma conversa informal, os policiais civis informaram que os disparos foram feitos em defesa do patrimônio público e apontaram o esgotamento emocional, decorrente do número reduzido de servidores prestando serviço à população, como motivação para a ação do escrivão.
Em nota, a prefeitura de Paraty divulgou nesta terça-feira (11) que lamenta o episódio, mas enfatizou que, em decorrência da pandemia da Covid-19, manifestações públicas e aglomerações estão proibidas.
*Nomes alterados para proteção das entrevistadas.