Luxo nacional: marcas conquistam mercado acostumado com moda gringa
Jovens nomes atrelam alta qualidade a processos criativos para atrair consumidores apaixonados pelo luxo internacional
Quando Marcella Franklin criou a Haight, em 2017, não pensava em fazer beachwear de luxo. Antes mesmo da marca existir, as primeiras peças foram desenhadas a partir do que a própria estilista gostaria de ter, mas não encontrava no mercado brasileiro. Cores sóbrias e atemporais, modelagens minimalistas, com cortes precisos, tecidos improváveis para o universo da praia e misturas de matérias-primas são registros inconfundíveis de suas coleções. Tudo isso com campanhas que retratam não só a elegância das roupas, mas os imponentes ambientes naturais do Brasil. “A Haight sempre teve como premissa fazer produtos de alta qualidade e durabilidade, além de uma produção ética, feita nacionalmente, prezando por condições dignas de trabalho e remuneração justa”, conta a estilista.
A marca faz parte de um movimento que atrela alta qualidade a processos criativos elaborados num nicho considerado de luxo no Brasil, um país que, historicamente, associa esse conceito apenas àquilo que vem de fora. “É uma herança cultural. No início do século XX, por exemplo, as pessoas daqui reverenciavam a Belle Époque europeia e usavam roupas pesadíssimas, de várias camadas de lã e cashmere, totalmente inapropriadas para nossa realidade e clima”, comenta Maria Alice Ximenes, consultora de imagem. Felizmente, isso vem mudando. Atrizes globais, cantoras e até a primeira-dama do país, Janja da Silva, são exemplos: elas priorizam o luxo nacional no guarda-roupa, principalmente em aparições públicas. “É uma mensagem de investimento no país.”
Os criadores de moda esperam que isso se materialize com políticas concretas no setor. “No Brasil, tudo se exige criatividade. Temos que lidar com diversos obstáculos, além da falta de incentivo para cultura, arte e moda. Por isso, criar luxo aqui significa tecer uma rede de apoio de pessoas que acreditem nesse mesmo produto. Isso é muito único e especial”, dizem Rafaella Caniello e Laura Cerqueira Leite, sócias da Neriage. A marca explora a textura e os detalhes de diferentes materiais para elaborar peças com alta informação de moda e sofisticação, também priorizando insumos nacionais.
“Luxo é o compromisso de uma cadeia produtiva sustentável, são as matérias-primas, o design e a qualidade de acabamento dos produtos. Além, é claro, da experiência de marca que é oferecida para o cliente”, definem.
“Para mim, trata-se de qualidade e originalidade, o que envolve um processo criativo para uma roupa que não é a que todo mundo está usando”, acrescenta Ana Luisa Fernandes, criadora da Aluf. Ela questiona, no entanto, o uso da palavra. “O que hoje chamamos assim só passou a ser luxo porque o padrão virou o fast fashion.”
Ana Luisa conta que, ao criar a primeira coleção da Aluf, que elabora um extenso processo criativo, com matérias-primas 100% nacionais e uma cadeia de produção ética, precificou as peças de forma totalmente equivocada. “Fiz tudo isso e queria que minha roupa custasse R$ 400. Na segunda coleção, entendi que teria que mudar a forma como fazia moda ou mudaria o público-alvo.” Optou pela segunda alternativa.
A consultora Maria Alice explica que, para quem está acostumada a consumir luxo, a marca, seus códigos, linhagem e tradição são quase tão importantes quanto a qualidade do produto em si. “No Brasil, os nomes que despontam no segmento já têm nos seus códigos as tendências de futuro, tal qual a sustentabilidade. Mas, por serem jovens, muitas pessoas ainda têm desconfiança. É preciso investimento cultural para valorizar criadores e suas propostas da moda de luxo nacional e mudar o arquivo mental do consumidor, acostumado apenas com Chanel, Dior ou Prada”, diz.
É o que Airon Martin faz com a Misci. Desde 2018, ele celebra que suas roupas e acessórios tenham entrado no guarda-roupa de mulheres que só consumiam marcas gringas. “A única bolsa nacional da Sasha, por exemplo, é nossa”, ri. Seu maior orgulho, no entanto, é fazer isso falando de política. Mato-grossense de raízes nordestinas e criado por mulheres, Airon reflete sua história nas peças que cria. Na última campanha, “Agro é pop”, ele critica com refinada ironia a indústria que mais recebe investimentos e mais desmata no país. “Não quero só fazer roupa bonita. A Misci é uma plataforma do que tem de melhor no Brasil, desde a plantação de onde sai a fibra têxtil até sua gente.” Para valorizar o made in Brasil, que venham muitas plataformas mais.