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Após 90 anos de direito ao voto, mulheres ainda são minoria na política

Mais de 77 milhões de brasileiras votarão nas eleições de outubro, mas apenas 15% delas ocupam cadeiras no Congresso Nacional

Por Joana Oliveira
24 fev 2022, 08h09
Almerinda Farias Gama vota, em julho de 1933, na eleição de representantes classistas para a Assembléia Nacional Constituinte de 1934
Almerinda Farias Gama vota, em julho de 1933, na eleição de representantes classistas para a Assembléia Nacional Constituinte de 1934. (Agência Câmara/Divulgação)
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Mais de 77 milhões de brasileiras estão inscritas para votar nas eleições que acontecerão em outubro deste ano, de acordo com a Justiça Eleitoral. Rita Gonçalves, estudante paulistana de 17 anos, o fará pela primeira vez. “É uma alegria, mas também uma responsabilidade. Quero me informar bem sobre o panorama de candidatos e propostas antes de chegar na cabine de votação”, diz ela, que acompanha grupos e debates sobre direitos e igualdade de gênero nas redes sociais. Foi justamente o trabalho organizado de coletivos feministas que permitiu, há 90 anos, que Rita e outras cidadãs conquistassem o direito de participar na escolha dos rumos políticos do país. No dia 24 de fevereiro de 1932, foi publicado no Código Eleitoral: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”. Essa foi a primeira determinação na legislação nacional brasileira de que as mulheres têm direito ao sufrágio, considerada a maior inovação desse documento, que também completa nove décadas, tendo estabelecido o voto secreto e criado a Justiça Eleitoral. 

Depois de uma luta de pelo menos 100 anos -já em 1831, ainda no Império, a proposta de permitir o voto de mulheres em eleições locais foi recusada pela Assembleia Geral Legislativa, formada só por homens-  figuras como a professora Maria Lacerda de Moura e a bióloga Bertha Lutz, que fundaram, na década de 1920, a Liga para a Emancipação Internacional da Mulher, foram fundamentais para a conquista do sufrágio feminino no Brasil. O texto inicial tornado público em 1931 previa que só votariam mulheres viúvas e solteiras com renda própria, enquanto as casadas (mesmo que tivessem seu próprio dinheiro) necessitariam autorização dos maridos, o que gerou críticas e reações de grupos feministas como a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino contra o Governo de Getúlio Vargas, que mudou a decisão. É importante ressaltar que, apesar desse marco histórico, grande parte da população negra e pobre (constituída majoritariamente de mulheres) ficou excluída desse direito, que só foi ampliado aos analfabetos em 1985. 

A conquista do voto serviu não apenas para que as mulheres participassem na eleição dos que ditariam os rumos do país, mas também para que elas próprias pudessem concorrer a cargos na administração pública. A primeira a fazê-lo foi Almerinda Farias Gama, advogada negra e única a se candidatar para a Assembleia Constituinte de 1933 nas eleições dos deputados da classe trabalhadora. Ela também foi a primeira mulher a depositar um voto numa cabine eleitoral no Brasil: “Minhas impressões? Sinto-me muito bem aqui. Que culpa tenho eu de estar sozinha?”, disse Almerinda a uma jornalista na ocasião, minutos antes de eternizar o momento numa foto em preto e branco na qual aparece colocando sua cédula com um amplo sorriso no rosto. Ela não foi eleita. A paulista Carlota de Queirós foi a única mulher a formar parte da Assembleia Constituinte em 1933, com Bertha Lutz na suplência.

Quase um século depois, a representação feminina em cargos políticos continua sendo um desafio no Brasil. Um exemplo disso é o fato de que, até o momento, há apenas uma pré-candidata para as eleições presidenciais de outubro: a senadora Simone Tebet, do MDB, que também foi a primeira mulher a se candidatar à presidência do Senado em 130 anos de história da Casa do Povo no Brasil, e isso só aconteceu em 2021. 

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Integrantes do movimento sufragista do Rio Grande do Norte.
Integrantes do movimento sufragista do Rio Grande do Norte.
Fonte: Agência Câmara de Notícias. (Arquivo Nacional/Reprodução)

Representação política

O Brasil ocupa o 152º lugar no ranking internacional da Inter-Parliamentary Union sobre a presença feminina nos parlamentos, ficando atrás não só dos vizinhos México e Argentina, como também de países como a Somália e até o Afeganistão, antes da volta dos talibãs ao poder. As mulheres representam 54% do eleitorado nacional, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, mas ocupam apenas 15% das cadeiras do Congresso Nacional. No Senado, elas são 1% e, em âmbito municipal, 900 municípios não tiveram sequer uma vereadora eleita no pleito de 2020. 

Para a cientista política Carolina Botelho, esse cenário é reflexo da desigualdade de gênero estrutural no país. “É um panorama que só vai mudar quando mais mulheres ocuparem postos de liderança em mais organizações públicas e privadas, quando passemos a ganhar o mesmo que os homens. Por consequência, isso fomentaria maior participação política”, avalia ela, que ainda vê “pouco interesse dos partidos em inflar candidaturas femininas”. 

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Há algumas propostas em tramitação no Congresso para tentar mudar esse quadro. Uma delas, o Projeto de Lei 1951/21, determina uma porcentagem mínima de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas dos estados, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as câmaras municipais (com convocação de suplentes caso não haja eleitas em número suficiente para alcançar o percentual mínimo). Se aprovada, a regra deve valer já este ano, de forma gradual,  para atingir 18% das vagas proporcionais nas diferentes instâncias do Poder Legislativo em 2022 e 2024. Daí em diante, serão 20% nos pleitos de 2026 e 2028; 22% em 2030 e 2032; 26% em 2034 e 2036; e 30% em 2038 e 2040.

Carolina considera que tais políticas são importantes, mas não se sustentam sozinhas e devem ser acompanhadas por políticas públicas em todas as esferas sociais e culturais para fomentar a igualdade de gênero. A cientista política cita como exemplo a profusão das chamadas “candidaturas laranja”, nas quais mulheres são usadas por alguns partidos para preencher a cota mínima de 30% de candidaturas femininas prevista na Lei 9.504/97. O que acontece é que elas se candidatam formalmente, mas não fazem campanha nem se lançam ao conhecimento público, uma prática considerada fraude ao pleito eleitoral. “Deve-se investir mais na formação política das mulheres, os partidos devem olhar para aquelas que estão liderando movimentos sociais importantes… Só assim avançamos. Essa é uma mudança que não se faz na caneta”, conclui. 

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