O mês das mulheres termina com conquistas e muitos desafios
Ainda falta muito para a equidade de gêneros, mas novas iniciativas e, principalmente, a união feminina apontam para um futuro promissor.
No dia 08 de março de 2017, as mulheres não quiseram flores, chocolates ou palavras vazias. Pelo contrário, no Dia Internacional da Mulher, elas se organizaram e foram às ruas vestidas de roxo contra o machismo, o fim da cultura do estupro, pela liberdade sexual e, principalmente, para lutar pela igualdade salarial e de direitos entre os gêneros, entre outras pautas feministas. O movimento, de caráter planetário, promoveu uma greve geral e ao menos 46 países participaram.
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Para entender como isso ganhou força é preciso olhar para o fim de 2016, quando, na Argentina, a organização Ni Una Menos puxou um protesto para denunciar sete feminicídios que aconteceram naquele país em uma mesma semana. Quatro dias depois, em solidariedade, foi a vez da Polônia realizar manifestações contra a indiferença do Estado às violências de gênero. Logo, mulheres da Coréia do Sul, Israel, Itália, Irlanda e Rússia fizeram o mesmo. Em 21 de janeiro, mais 500 mil norte-americanas seguiram o exemplo e, na Marcha das Mulheres, gritaram “Fora, Trump”.
Pronto, ficou claro: a desigualdade de direitos é um problema global e de todas. Os dados não mentem e justificam, sim, a criação desse novo movimento feminista internacional. Algo precisa ser feito – e urgentemente.
No Brasil, por exemplo, as mulheres trabalham, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana devido à dupla jornada, como informou o Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
E quando falamos de remuneração, as estatísticas ainda são piores, já que mulheres ganham, em média, cerca de de 27% menos que os homens nas mesmas posições. Se a mulher for negra, então, recebe 40% menos do que um homem branco. Além disso, só 37% dos cargos em níveis de gerência são ocupados por elas. Equidade salarial? Somente daqui 170 anos, em 2186, como mostrou o Relatório Anual de Desigualdade Global de Gênero 2016.
Por isso, discursos como os de Michel Temer no último dia 8 são perigosos e inadmissíveis. Entre diversos absurdos, o atual presidente do Brasil atribuiu apenas às mães a responsabilidade de educação dos filhos e, segundo ele, a participação feminina na economia é restrita ao ambiente do supermercado. Além disso, ele citou a grande presença feminina no Congresso Nacional – uma mentira, já que dos 513 deputados, apenas 55 são mulheres e no Senado, dos 81 senadores, 12 são mulheres. Vale também lembrar que inicialmente NENHUMA mulher foi indicada para compor a equipe ministerial do Governo. Atualmente Grace Maria Fernandes Mendonça, na Advocacia Geral da União (AGU), é a única ministra em atividade.
Triste é constatar como a linha de pensamento dele sequer está alinhada com a da opinião pública. Uma pesquisa do Ibope e da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, divulgada neste mês, mostrou que 75% dos brasileiros consideram de grande ou extrema importância que gestores e legisladores desenvolvam políticas de promoção da igualdade entre mulheres e homens.
Na contramão da fala do presidente, Justin Trudeau, o primeiro-ministro do Canadá, no Dia Internacional da Mulher, se mostrou muito mais conectado com o tempo e empático. “Mulheres ao redor do mundo recebem pagamentos menores, menos promoções e é negado a elas o controle do próprio corpo e reprodutivo. E enfrentam taxas muito altas de violência, assédios verbais, físicos e sexuais. Todos esses problemas são ainda maiores para indígenas, negras e mulheres trans”, disse ele. O canadense também prometeu doar 650 milhões de dólares canadenses para iniciativas que promovam a saúde reprodutiva feminina e os direitos delas ao redor do mundo.
Algumas mudanças
Neste mês, o Canadá também saiu na frente e estuda colocar um fim no uso de salto alto obrigatório, exigência absurda de alguns locais de trabalho. Outra boa notícia, desta vez no Brasil, é que, pela primeira vez, o Supremo Tribunal Federal irá analisar se a lei que proíbe o aborto está realmente de acordo com a constituição brasileira.
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Importante destacar também que mulheres produzem metade da ciência no Brasil. Segundo o relatório “Gender in the Global Research Landscape”, divulgado pela Elsevier, maior editora científica do mundo, a porcentagem de brasileiras que publicam artigos científicos cresceu 11% nos últimos 20 anos, chegando a 49% do total. Ao lado de Portugal, nosso país é o que mais possui publicações feitas por mulheres.
Em março, a lei que torna obrigatório o ensino de noções básicas sobre a Lei Maria da Penha, que visa coibir a violência doméstica, para alunos de escolas públicas do Rio de Janeiro, também saiu do papel e, em breve, estará em todas as salas de aula do estado. O objetivo é promover noções de igualdade de gênero, desincentivando atos de violência contra a mulher.
Nesse sentido, de que a mudança só ocorre por meio da educação, a iniciativa da revista CLAUDIA ao lado da Uber e com apoio da ONU Mulheres é excelente. Foi desenvolvida uma campanha de informação e prevenção de situações de assédio. Todos os motoristas parceiros da plataforma receberam uma cartilha digital e um vídeo que retratam situações do dia a dia de trabalho dos motoristas e os cuidados que devem ser tomados em cada uma delas. Sessão informativas presenciais, em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, também estão no pacote. Nelas, de forma descomplicada, serão apresentados conceitos como machismo, feminismo e o espaço que a mulher ocupa na sociedade.
A TV também sinaliza mudanças de paradigma. Recentemente, por exemplo, a apresentadora do canal Multishow Titi Muller, durante o festival Lollapalooza, resolveu se posicionar em uma transmissão ao vivo contra a exibição do show de um artista conhecido pelas letras machistas e misóginas. “Eu gostaria de falar ‘machistas não passarão’, mas vai passar nesse canal agora”, disse ela.
Os exemplos acima provam: ainda faltam muitas conquistas, claro, mas é irreversível: as mulheres não serão silenciadas, elas tomaram as ruas e prometem não sair de lá até as mudanças acontecerem.