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Livro “Depois do Fim” traz perspectivas socioambientais urgentes

Organizado por Fabiane Secches, título reúne ensaios de pensadores brasileiros que costuram a literatura e as transformações sociais em textos reflexivos

Por Paula Jacob
Atualizado em 21 jun 2022, 09h44 - Publicado em 21 jun 2022, 09h38
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 (|Foto: Divulgação/Divulgação)
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Faz um tanto de tempo que acompanho e admiro o trabalho de Fabiane Secches, enquanto leitora e aluna de literatura. Depois de fazer sucesso com o seu primeiro livro, feito a partir de sua tese de mestrado, Elena Ferrante: Uma Longa Experiência de Ausência, a escritora e crítica literária mergulhou profundo nas águas que banham as temáticas do meio ambiente na atualidade. Provocada pela leitura de Sobre os Ossos dos Mortos, de Olga Tokarczuk, ela decidiu estudar, agora em seu doutorado, os diversos cruzamentos entre a literatura e as perspectivas socioambientais para além do óbvio – quem leu Olga sabe do que estou falando. 

Não seria diferente, portanto, que, ao ser convidada pela editora Instante para escrever outro livro, essa temática voltasse à tona. “Sugeri que a gente organizasse uma antologia de ensaios relacionando a literatura com algumas tensões socioambientais urgentes. A editora gostou da proposta e assim fomos adiante”, conta ela à CLAUDIA. Desse encontro de encontros, nasceu o ótimo Depois do Fim: Conversas sobre Literatura e Antropoceno (R$ 64,90), organizado e escrito por ela, ao lado de nomes como Natalia Timerman, Giovana Madalosso, Christian Dunker, Tulio Custódio, Itamar Vieira Junior e mais. Do coro polifônico, a mensagem importante “da diversidade de vozes [que] contribui também para a criatividade, para que possamos pensar em perspectivas para depois do fim ou em como construir um novo começo”. 

Fabiane Secches
A autora e organizadora, Fabiane Secches (Fabio Audi/Divulgação)

Ao longo da publicação, somos tomados por olhares atentos ao que nos cerca enquanto sociedade, seja lendo uma notícia no jornal ou durante um almoço de família. E é justamente aí que mora a beleza (e a riqueza) de conteúdo de Depois do Fim: somos tomados por mentes que pensam e repensam a linguagem para além de sua utilidade estética. Em um dos textos, Daniel Munduruku, inclusive, ressalta a criatividade linguística como força potencial para lutar contra “o fim do mundo”. “Sabemos que a literatura não deve ser pensada de forma utilitária, mas o seu potencial de sensibilização e transformação, como expressão de arte, é inegável. Em Ideias para Adiar o Fim do Mundo, Ailton Krenak diz que se pudermos contar mais uma história, talvez estejamos adiando o fim. Gosto muito dessa ideia. Existem muitas formas de contar histórias. A literatura é uma delas”, comenta Fabiane, que é também psicanalista.

Outros dois textos, um de sua autoria analisando a obra da vencedora do Nobel de Literatura e outro de Ana Rüsche sobre gênero nas obras de ficção científica de Ursula K. Le Guin, também chamam a atenção por incitar (pelo menos a mim) uma reflexão interessante sobre a política da natureza e a política dos corpos, num contexto em que a expressão do feminino estaria também no meio ambiente. “Como diz tão bem Ailton Krenak, não consigo conceber nada que esteja fora da natureza. Tudo é natureza”, assim me diz Fabiane. Num país que mata sistematicamente pessoas de fato preocupadas com a proteção do meio ambiente, da cultura e de tantas outras riquezas naturais, Depois do Fim é leitura essencial para repensarmos a vida em sociedade. A seguir, mais porquês:

Você é uma pesquisadora dos impactos sociais no meio ambiente pelo viés da literatura. Esse encontro surgiu de qual provocação? O que te instigou a mergulhar nessa temática?

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Na verdade, o meu interesse de pesquisa na academia é a literatura, mais especificamente a teoria e a crítica literária. Mas também me interesso pela articulação da literatura com outras artes e com outros saberes. Antonio Candido é um crítico que fez isso muito bem, um ideal que nos ilumina. É uma aproximação delicada de manejar, mas que pode render caminhos muito ricos também para a interpretação e para a análise literária.

Quanto ao que me instigou, acho que toda pesquisa precisa de um certo grau de obsessão. E nossas escolhas de temas e de teorias, por mais racionais que pareçam, também são atravessadas pela nossa subjetividade e pela nossa afetividade. Cada pessoa faz e refaz o seu recorte a partir daí. Quando li Sobre os ossos dos mortos, romance de Olga Tokarczuk, fiquei encantada e senti muita vontade de passar mais tempo com o livro, relendo, contextualizando, analisando, interpretando. Talvez porque a obra consiga condensar tantas questões urgentes de uma forma literária, e faz isso misturando drama, suspense e humor. O resultado é tão interessante que me fisgou.

É engraçado que, mesmo em 2022, muitas pessoas ainda deslocam os movimentos sociais (ex: a luta antirracista) da pauta da proteção do meio ambiente. Gostei que no livro alguns pensadores trazem esse viés, tanto na questão de povos afrodescendentes quanto dos povos originários do Brasil. Você sempre quis que essa intersecção de temáticas estivesse presente?

Quis, sim. Fico contente de você ter percebido esse esforço de intersecção, porque é um dos pontos mais delicados desse debate. Gosto de algo muito simples que o ISA (Instituto Socioambiental) diz: socioambiental se escreve junto. Tomando como metáfora, o argumento reforça algo fundamental: não é possível separar essas pautas. Elas estão essencialmente entrelaçadas.

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(|Foto: Divulgação/Divulgação)

No geral, senti que o livro trouxe essa sensação de coletividade e individualidade, e o poder da criatividade como ferramenta de transformação. Porém, hoje, vivemos um momento de muita apatia, descrentes com o futuro incerto – principalmente de nosso país. O que você acha que poderia reverter essa chave? 

Concordo com você sobre a apatia que nos acomete. Estamos expostos a uma quantidade de informação impossível de ser processada e assistindo a tragédias diárias, o que se agravou muito com a pandemia. Então compreendo que, como mecanismo de defesa, a gente vá se dessensibilizando diante da “banalização do mal” – tomando aqui emprestada a expressão de Hannah Arendt. O paradoxo é que enquanto precisamos encontrar uma forma de sobreviver em meio ao horror, também precisamos despertar desse torpor e nos insurgir contra ele. Difícil de administrar. Mas um instrumento valioso é o nosso voto. As eleições de outubro se aproximam e a responsabilidade pelas escolhas que fazemos é cada vez maior. Vivendo esses quatro anos sob o governo Bolsonaro, podemos testemunhar uma destruição em massa do valor e do respeito à vida. Precisamos escolher melhor dessa vez, e isso inclui nossos votos para senadores e deputados.

Como conseguir propor que as pessoas pensem com profundidade a respeito de suas ações indo o tempo todo contra uma força social que cada vez mais preza pela mercantilização de discursos e números em redes sociais?

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Essa é outra cilada difícil de administrar. Estamos cada vez mais dependentes, inclusive profissionalmente, das redes sociais. Poucas pessoas podem se dar ao luxo de estar ausentes. E essas redes são desenhadas para nos aprisionar num esquema de recompensa e de interações imediatas, enquanto precisaríamos de mais tempo para checar dados e processar afetos, para que não tenhamos que agir sempre por impulso, a partir de nossas fragilidades, de forma reativa. 

Do ponto de vista individual, podemos tentar resistir a isso o quanto for possível. Ponderar mais, agir e reagir de forma mais cuidadosa, mais crítica, mais responsável. Mas digo isso sabendo que esse é um trabalho árduo. Se não estivermos alertas, vamos dançando conforme a música, somos engolidos pela dinâmica do contexto. 

Do ponto de vista coletivo, precisamos de legislação, de fiscalização, de ferramentas verdadeiramente eficazes. As fake news circulam com tanta celeridade que mesmo que depois haja alguma espécie de retratação, o estrago já foi feito. Enquanto isso, as plataformas nos transformam em produtos e lucram em cima de nossas vulnerabilidades pessoais.

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Permanecendo nessa lógica de “ir contra a corrente”, quem acaba agindo no Brasil efetivamente, para além das manifestações em redes sociais, é perseguido e, muitas vezes, morto, como o caso de Dom Phillips e Bruno Pereira – e tantos outros, como mostram os dados. Quem deveria proteger os ativistas socioambientais? Como conseguir resistir quando o cenário termina em violência e morte?

São perdas irreparáveis. As mortes de Bruno Pereira e de Dom Phillips chamam atenção para um problema  que infelizmente é muito antigo – começou com a colonização  – e que só se agravou com o desmonte de órgãos como a Funai e o Ibama, e do próprio Ministério do Meio Ambiente, que passaram a agir justamente contra os interesses que deveriam defender. Nos últimos anos, a mineração e outras atividades econômicas ligadas à exploração e à destruição da Amazônia e de outras áreas que deveriam ser preservadas no Brasil só ganharam espaço. 

O nosso país está no ranking dos países que mais matam ambientalistas. Nenhum governo cuidou dessas pautas como deveria, mas estamos assistindo a algo de proporções inéditas, que podemos classificar como projeto — isso tomando apenas dados objetivos como evidências. 

Diante de tudo isso, é difícil que não sejamos tomados pelo desalento, mas volto a lembrar: estamos num ano de eleições, temos um instrumento valioso com potencial de transformação: o nosso voto. 

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Quero guardar as imagens bonitas de Dom Phillips e Bruno Pereira na Amazônia e junto dos povos indígenas, o lindo som de Bruno cantando na floresta, e pensar na responsabilidade que temos de continuar a luta tão importante que ambos abraçaram com inteireza. Que possamos agradecer e honrar a bela trajetória deles, interrompida violentamente.

No texto que você assina, existe uma passagem interessante que reflete sobre “o outro”, seja ele animal (Maria Esther Maciel) ou humano (Toni Morrison). Considerando o contexto atual cada vez mais individual, que preza pela autopromoção em detrimento de tanta coisa, teríamos que, primeiro, melhorar a nossa relação uns com os outros (humanos) para depois pensarmos em aprofundar na natureza ou isso deveria acontecer tudo ao mesmo tempo? Você consegue enxergar alguma saída para esse comportamento individualista/narcicista?

É difícil, porque se ainda existe tanta dificuldade de respeitar a sua própria espécie, o que dirá em relação às demais? Mas, infelizmente, não temos mais tempo de agir por etapas.  A conscientização e a transformação precisam acontecer o quanto antes, e em todas as esferas. Gostaria de dizer que cada pequena ação importa, e em certa medida isso é verdade, mas estamos caminhando para um colapso sem precedentes, que pede medidas radicais, sobretudo do ponto de vista coletivo. Admiro os movimentos dos estudantes ativistas, que cobram essa urgência e integram as pautas. Precisamos falar mais de políticas públicas do que de ações individuais.

 

O primeiro evento de lançamento será na Livraria da Travessa de Pinheiros, em São Paulo, no dia 05/07, às 19:30h, com presença de Fabiane Secches, Natalia Timerman e Giovana Madalosso.

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