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Restaurante Preto Cozinha, um tributo à saudade

Em seu primeiro restaurante, o chef Rodrigo Freire logrou um feito: quem prova seus sabores nostálgicos, leituras da culinária baiana, logo quer revivê-los

Por Marina Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 nov 2022, 11h30 - Publicado em 11 nov 2022, 07h12
Em seu primeirorestaurante, Preto Cozinha, o chef Rodrigo Freire conquistou um feito: quem prova seus sabores nostálgicos, logo quer revivê-los.
Em seu primeiro restaurante, Preto Cozinha, o chef Rodrigo Freire conquistou um feito: quem prova seus sabores nostálgicos, logo quer revivê-los. (Pan Alves/CLAUDIA)
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Carisma é um daqueles atributos inerentes, não se aprende e não é possível treinar para conquistá-lo: ou se tem ou não se tem. Rodrigo Freire é uma dessas pessoas que parece ter nascido com um brilho próprio, que cativam antes mesmo de proferir qualquer palavra. Basta uma visita ao Preto Cozinha para flagrá-lo distribuindo sorrisos pelo salão. Essa vivacidade é facilmente observada no modo de operação de seu restaurante, inaugurado em maio deste ano no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

Quem o vê tão à vontade na cozinha não imagina que a preparação para inaugurar o negócio gastronômico veio da advocacia. Nascido em Salvador, o chef de 36 anos exerceu por um longo período a carreira na área de compliance. “Sou de uma das primeiras gerações da minha família que chegou ao nível superior. À época, as escolhas eram formações clássicas, como médico ou advogado. Abrir um negócio não era uma opção”, conta.

Com caldo de leite de coco, azeite doce e um mix de pimentas, o mexilhão do Preto Cozinha tem inspiração no litoral baiano.
Com caldo de leite de coco, azeite doce e um mix de pimentas, o mexilhão do Preto Cozinha tem inspiração no litoral baiano. (Pan Alves/CLAUDIA)

Vindo de uma criação rodeada por grandes figuras femininas, Rodrigo cresceu observando a maneira com que sua mãe, tias e avó enfrentavam as dificuldades, e também como tudo se resumia a encontros, discussões acaloradas e celebrações sempre à mesa. “Eu cresci nesse ambiente em volta da comida. Mas isso se destacou mais quando vim para São Paulo. Essa falta fermentou dentro de mim e, a partir disso, o Preto nasceu, dessa saudade. Eu queria reviver esses sabores”, comenta.

Mesmo quando mudou-se para a capital paulista para trabalhar em um fundo de investimento, em 2010, essas importantes figuras permaneceram influenciando seu caminho. Com a perda da avó, há cinco anos, Rodrigo foi tomado por uma necessidade intensa de resgatar sua essência para tranquilizar o sentimento de ausência. A culinária, então, se tornou espaço para essa homenagem crescer, e ele voltou a cozinhar com assiduidade.

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“Quando comecei a estudar os pratos que iria oferecer, percebi que muitas das receitas da minha avó utilizavam a técnica de terreiro. Foi aí que descobri que ela, que era extremamente devota de Santa Bárbara, era filha de santo. E eu só soube disso muitos anos depois, porque ela utilizava essas comidas num contexto sincrético, naquela coisa baiana de misturar catolicismo, candomblé… Porque não há uma ruptura, como aqui. Por isso, minha cozinha é um caminhar desse entendimento, é pegar a receita de caldo de sururu de minha tia e fazer algo novo. Pegar o xinxim de galinha de minha avó e transformar num arroz [veja aqui a receita]”, revela.

Releitura com raízes

Com um cardápio autoral, o soteropolitano vê no Preto Cozinha uma forma de expressar sua visão da gastronomia. Para isso, reuniu as receitas de família e os clássicos da
culinária baiana, o que inclui as influências africanas e portuguesas, tudo executado à sua própria maneira. “Como ninguém me conhece nessa área, quis trafegar num local de tranquilidade. Porém, fazer o que todo mundo faz também não me interessa. Aqui, a atmosfera é simples, mas a arte, às vezes, é fazer o simples primeiro.”

Apesar das técnicas aprimoradas acrescentadas, algumas mudanças são impensáveis. Uma das farofas servidas na casa, por exemplo, deve ser dourada, para ser oferecida ao Orixá Oyá: “Eu não tenho a opção de diminuir o dendê, tem que haver respeito”. Toda releitura é feita a partir da permanência das raízes dessa culinária, que, na visão do chef, ainda se encontra numa dependência do que é contado através das gerações, difícil de ser acessado pela literatura.

Há alguns anos, quando decidiu pesquisar a história dessas receitas, ele se deu conta de que não seria tão simples quanto esmiuçar a culinária francesa, para a qual dezenas de prateleiras nas bibliotecas são dedicadas. “Senti que tudo era fruto de um conhecimento acadêmico não-culinário, de alguém que fez uma pesquisa sobre ancestralidade e apareceu ali no meio.”

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Foi então que encontrou a publicação A Arte Culinária na Bahia, de Manuel Querino — um inventário em que o autor faz considerações sobre as receitas africanas e afro-baianas. “Em uma das obras, me deparei com o termo ‘culinária afrodescendente’ e foi daí que pensei no meu apelido de infância, que é ‘preto’. Resisti em colocá-lo na porta do restaurante, porque parecia presunçoso, mas quando falei ‘preto’ em voz alta, tive certeza que o nome era esse, assim como tive certeza que o cardápio era esse, o mobiliário era esse”, diz.

No menu, praticamente tudo se resume à cebola, camarão e leite de coco. O que muda é o jeito de preparar cada prato. “É uma técnica que não se ensina, porque durante muito tempo ficou relegada a um lugar de não acesso. Ou você é baiano e come aquilo na sua casa ou você não come”, afirma o chef.

Com suas criações, Rodrigo tem buscado exteriorizar essa gastronomia que sempre foi comum aos lares baianos. “Eu brinco que o xinxim é o prato mais injustiçado, porque não é usual sair para comê-lo em Salvador, é uma opção de todo dia. É preciso conversar sobre essas receitas, para que não se percam no tempo e virem coisa de livro de história”, exemplifica sobre seu carro-chefe.

Da mistura dessa vontade de fazer acontecer algo novo, sem abrir mão do essencial, o espaço ganha merecido reconhecimento na cena gastronômica.

“Isso aqui era um sonho muito antigo que em algum momento morreu. Mas estou aqui para falar que a comida baiana não é menos comida do que a de ninguém. Entrei nessa para fazer o meu melhor diante dessa perspectiva. Eu fico até sem graça, porque parece presunção você falar bem de si mesmo, e até tempos atrás eu era um ‘zé ninguém’. Hoje, já posso dizer que a minha voz em algum momento vai ser ouvida, e essa é a parte mais louca.” Loucura mesmo, porém, seria fechar a audição, o paladar e os outros sentidos para a potência do Preto Cozinha. Quem prova uma vez, há de querer provar de novo, temos certeza.

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