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Bailarina e jornalista, ou jornalista e bailarina. Tanto faz. A coluna fala sobre métodos, histórias, entrevista pessoas, mostra tendências, espetáculos, entre outros assuntos relacionados, mas colocando em tudo isso o mais importante: seu grande amor pela dança
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Dia da Dança: bailarinos contam como foi deixar a Rússia na guerra

Dia 29 de abril é celebrado o Dia Internacional da Dança, em homenagem ao dançarino Jean-Georges Noverre

Por Flávia Viana e Ana Claudia Paixão
Atualizado em 29 abr 2022, 13h49 - Publicado em 29 abr 2022, 09h35

Dia 29 de abril é celebrado o Dia Internacional da Dança. A escolha da data não é aleatória, é a data de aniversário de Jean-Georges Noverre, que em 2022 completaria 295 anos. Noverre é creditado como o “inventor do ballet”. 

Filho de um soldado suíço ao serviço da Coroa Francesa, Jean-Georges nasceu em Paris e estudou dança com Louis Dupré, estreando nos palcos em 1743, na Opéra-Comique de Paris. Como o Rei Louis XIV, o rei sol, era louco por dança, não demorou a se tornar mestre de balé, em Versalhes. Afinal, foi lá que surgiu a primeira escola de dança, porque o Rei não apenas era um exímio dançarino, como queria que todos os nobres dançassem bem. 

O casal na Rússia, antes de saírem do país.
O casal na Rússia, antes de saírem do país. (Acervo pessoal/Divulgação)

 Jean-Georges rejeitou as convenções e surpreendeu o público trazendo drama, realismo, e gestos naturais para a dança. Abandonou as máscaras que os dançarinos sempre usavam para esconder expressões faciais, e adotou tecidos leves para a movimentação. Ao unir música, figurino, cenário e coreografia, com balés narrativos com enredos cativantes e personagens poderosos, inovou o mercado.  Seu maior orgulho foi ter simplificado as alegorias na vestimenta e exigir ação, movimentações na cena e expressão à dança. Até hoje chamamos o ballet de “ação” como ballet-pantomima, termo dado por Noverre.

Bruna no palco
Bruna em uma de suas apresentações no Ballet Bolshoi. (Divulgação/Divulgação)

Ironicamente, foi na Rússia que a arte do Ballet clássico deixou suas raízes mais profundas, com uma tradição de virtuoses, grandes compositores e companhias, como o Bolshoi Ballet, onde o casal de brasileiros (eles são de fato um casal na vida real, não só nos palcos) Erick Swolkin e Bruna Gaglianone conseguiu entrar e onde dançavam até poucos meses, quando o país entrou em guerra com a Ucrânia. O sonho que parecia um filme romântico de serem uns dos poucos estrangeiros aceitos na companhia passou para um drama épico e assustador, com os bailarinos fugindo pela fronteira da Estônia até chegarem em segurança na Alemanha. Depois de 10 anos em Moscou, agora Berlim é sua casa, tendo sido convidados para dançar na Staats Ballett de Berlim. Em meio à tantas mudanças, Erick e Brun, que são naturais de São Paulo e Joinville, e formados pela Escola do Teatro Bolshoi do Brasil, conversaram com as colunistas Ana Claudia Paixão e Flavia Viana sobre dança, guerra, paz e futuro. 

Bruna e Erick juntos em Don Quixote.
Bruna e Erick juntos em Don Quixote. (Divulgação/Divulgação)

Como foi todo o processo de saírem de Joinville e irem para a Rússia?

Em 2011, o Teatro Bolshoi em Moscou abriu audição para estrangeiros pela primeira vez, enviamos nosso material e fomos convidados a fazer uma seletiva lá em Moscou. Passamos e fomos contratos em 2012. 

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A adaptação em Moscou como foi? Como vocês estavam na Cia todos esses anos?

Foram anos de muito aprendizado….Amadurecemos, crescemos na carreira, conhecemos vários lugares do mundo em turnês, tivemos oportunidade de trabalhar com muitos coreógrafos e professores de renome no mundo da dança. Aprendizado que levaremos para o resto da vida.

Repertórios inesquecíveis?

No Teatro Bolshoi tínhamos um repertório super diversificado, chegamos a dançar três ballets diferentes na mesma semana. Os ballets que mais nos marcaram foram: Spartacus, Lenda do Amor, Filha do Faraó, Joias de Balanchine e Nureyev.

Já saíram em turnê como Bolshoi? Para onde e como foi?

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Sim, as turnês eram parte da nossa rotina nas temporadas do teatro. Viajamos muito, cerca de três turnês grandes por temporada. Estivemos em diversos países: Japão, Austrália, Taiwan, China, Inglaterra, Brasil e EUA. Era incrível fazer parte do seleto grupo que realizava as turnês do Teatro Bolshoi, que sempre foi de muito prestígio e reconhecimento. 

Vocês estiveram no Brasil com a Cia em 2015, como foi? 

Foi um momento de muita realização, sem dúvida! Ter amigos e familiares na plateia com toda certeza tornou essa turnê a mais especial de todas nesses anos todos. 

Bruna em Berlim
Bruna em Berlim. (Acervo pessoal/Divulgação)

Como foi para vocês entrar para o Bolshoi em Moscou, a sensação?

Foi um mix de alegria, realização e muito medo do que encontraríamos pela frente. O Teatro Bolshoi é uma cia muito grande, com mais de 200 bailarinos, então sabíamos da concorrência. Além disso, tínhamos a língua que criava uma barreira grande entre nós e outros colegas de trabalho e tornou o processo de adaptação um pouco mais longo. Mas nada que passamos ofuscou os momentos incríveis que tivemos dançando naquele palco. 

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Como era a rotina de vocês no teatro?

Trabalhávamos de terça a domingo, segunda de folga, uma média de seis espetáculos por semana. Começávamos com aulas pela manhã, e seguíamos com ensaios durante todo o dia. Os espetáculos acontecem a noite durante a semana, aos sábados, um no meio do dia e outro à noite, e domingos pode variar em matinê ou a noite. 

Bruna e Erick
Erick e Bruna decidiram partir da Rússia depois do início da guerra com a Ucrânia. (Divulgação/Divulgação)

Como foi que acompanharam a crise política e decidiram sair?

Eu acredito que não só nós, mas a maioria dos russos não acreditaram quando teve o comunicado que a Rússia havia invadido a Ucrânia, me lembro de ter conversas com meus amigos dizendo que isso era impossível, que eram nações irmãs, e que se uma existe é pelo fato da outra existir. 

Na verdade, até o dia da invasão, nós realmente não acreditávamos que isso poderia acontecer. A primeira sensação é a negação e a dúvida se as notícias eram verdadeiras ou não. Pois as notícias que recebíamos lá não condiziam com as que nossos amigos e familiares no Brasil nos passavam. Decidimos sair no momento em que começou uma escalada continua dos conflitos, e informações que a Rússia poderia fechar as fronteiras com os outros países. 

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Como foi deixar tudo para trás e sair da Rússia?

Foi muito difícil, afinal foram 10 anos morando lá, já sentíamos que ali era a nossa casa. Temos pessoas e amigos que consideramos família e que fazem muita falta todos os dias. 

Vocês ficaram com medo?

Sim, porque é sempre muito complicado você ser um estrangeiro em um país que está em guerra. O nacionalismo impera e somos vistos com outros olhos. 

Como estão as coisas lá agora?

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O teatro continua funcionando normalmente, foram tirados do repertório a maioria dos espetáculos de coreógrafos estrangeiros, e foi dada uma ênfase nos coreógrafos nacionais. Por enquanto em Moscou, segundo meus amigos, apenas uma grande alta nos preços dos produtos, mas de resto a vida continua normal. 

Tudo bem ter deixado o teatro?

Ainda não deixamos o teatro oficialmente, foi nos dado a opção de assinar uma licença não remunerada. Mas o que mais dói, é deixar o teatro Bolshoi no melhor momento de nossas carreiras. 

Como foram recebidos na Alemanha? Como é estar em Berlim?

Fomos recebidos super bem, tivemos amigos que nos apoiaram e ajudaram para que pudéssemos nos estabelecer ali. Berlim é uma cidade incrível e o Ballet Estatal de Berlim é uma cia que já admirávamos há muito tempo. 

Há muita diferença no repertório?

Sim! O Ballet Estatal de Berlim além do repertório clássico, tem repertório neoclássico e contemporâneo super rico, e que com certeza nos agregará ainda mais. 

Vocês voltariam para a Rússia ou pensam em voltar?

Com certeza, a Rússia é um país maravilhoso. Um país que nos acolheu e nos ensinou tudo o que sabemos hoje. Um país de alta cultura e de pessoas maravilhosas. Lá cultivamos grandes amigos que vamos levar conosco a vida inteira. Sei que hoje o mundo está passando por um momento complicado e tudo que é oriundo da Rússia é visto com desconfiança, mas nós sabemos, estivemos lá, e jamais poderíamos esquecer o que vivemos.

Como vocês vêem a dança clássica no contexto das mudanças culturais mundiais, para ter maior representatividade e inclusão?

A dança clássica, é extremamente conservadora, e como tudo que é conservador, está vinculado ao presente, mas olha para o passado como um sábio conselheiro. Assim, considerando o passado um sábio conselheiro, acreditamos que será aprimorado e filtrado o que deu certo (e passou pelo teste de tempo), e aquilo que não é positivo, mas que também sobreviveu ao teste do tempo, será eliminado ou mudado para que se encaixe no atual contexto cultural e social. 

Como se imaginam na nova companhia e como entraram lá?

Trabalharemos com dedicação e amor como sempre fizemos. Estamos ansiosos para dividir o palco com novos bailarinos nesta nova casa. Com certeza será uma troca incrível. 

Estávamos fazendo aulas em Berlim (no Ballet Estatal mesmo) para manter a forma física e logo depois que deixamos Moscou. Nessas aulas fomos observados pelos professores e diretor que nos indagou sobre o nosso interesse de fazer parte da cia. Depois de algum tempo, tivemos o convite de fazer parte do Ballet Estatal de Berlim. 

Quais os planos daqui para frente?

Os planos agora são de aproveitar todas as oportunidades que teremos no Ballet Estatal de Berlim, absorver todo conhecimento que teremos ali, conhecer esse novo lugar, aprender mais uma língua e criar novos amigos. 

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