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Flavia Viana

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Bailarina e jornalista, ou jornalista e bailarina. Tanto faz. A coluna fala sobre métodos, histórias, entrevista pessoas, mostra tendências, espetáculos, entre outros assuntos relacionados, mas colocando em tudo isso o mais importante: seu grande amor pela dança
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A ressignificação da dança no Mato Grosso do Sul

No estado afetado por terríveis queimadas, os principais nomes da dança contam um pouco de suas trajetórias, dificuldades e desafios perante a pandemia

Por Da Redação
18 dez 2020, 13h00
Neide, Chico, Beatriz, Marcia - Ricardo Valêncio
 (Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)
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O estado do Mato Grosso do Sul teve este ano um grande destaque na mídia, infelizmente, devido aos incêndios devastadores na região do Pantanal. Bastante conhecido por sua fauna e flora encantadoras, são muitas as regiões do estado visitadas por turistas do mundo inteiro, entre elas a belíssima Bonito. Porém, há mais de 50 anos, Mato Grosso do Sul  constrói uma outra história, trilha caminhos que vão além do turismo e que são muito importantes para o nosso país quando falamos sobre a arte da dança.

Nomes como Neide Garrido, Chico Neller, Marcia Rolon e Beatriz de Almeida fortalecem e contam a história da dança do Mato Grosso do Sul através de suas trajetórias, pela formação de grandes profissionais, premiações, cursos e técnicas importantes que eles trouxeram para a cena local, além de festivais que agregam experiências e inspirações para os bailarinos e profissionais de todo o estado. Todos são referência no segmento da dança e se reuniram para fazer um ensaio exclusivo para essa coluna com o fotógrafo, também sul-mato grossense, Ricardo Valêncio e beauty assinada pela carioca Raquel Galhardo.

Em conversa com eles, perguntei sobre a pandemia, que mexeu com a vida e a cabeça de todos, e os efeitos dela no planejamento de 2020, afinal foi um ano de reflexão, reinvenção e muita coragem.

“A pandemia está sendo uma fase de reflexão e ressignificação do nosso trabalho na dança. O momento é de reorganizar e refazer a nossa caminhada, focando e respeitando a dança, não só como arte e cultura, mas como educação e transformação do ser humano para uma vida consciente melhor. A dança sempre teve significado de trabalho, hoje já revisito esse conceito. Trabalho gera sobrevivência, significa valor material. A pandemia nos abalou muito, sofremos uma desestruturação. Os artistas e a cultura ficaram à deriva, no entanto nos restou a oportunidade de repensar tudo, qualificar e dimensionar nossas lideranças, principalmente as políticas. Que sejamos fortes e perseverantes nas nossas atitudes, escolhas e decisões daqui para frente”, explica Neide Garrido, 67 anos, arte-educadora, coreógrafa e diretora da escola Isadora Duncan, pioneira na dança no estado.

Neide Garrido
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

Para Márcia Rolon, 50 anos, diretora executiva do Instituto Moinho Cultural Sul-Americano, em Corumbá, foi a partir das dificuldades que ela decidiu virar o jogo. “Quando nos vimos diante do abismo que nos obrigou separar sorrisos e abraços da arte do fazer artístico, receamos não conseguir mais retomar os sons e os movimentos diários que nos alimentam no Moinho Cultural. Durante 15 dias ficamos distantes de todos com o Moinho fechado e em silêncio assustador. Até que decidimos virar o jogo e encontrar uma ponte entre nós e a casa de cada participante. Esse novo fazer artístico nos colocou dentro da casa de cada um. Nos deparamos com muitas dificuldades sociais que vão além da falta de recurso financeiro. Percebemos que o Moinho Cultural é um LUGAR onde eles se sentem acolhidos e protegidos, e que, neste momento, acabam se vendo em um vazio tremendo. E, infelizmente, não conseguem sair de dentro de um ambiente familiar que por muitas vezes se torna inóspito e irritante. Aos poucos nos aproximamos, conversamos e praticamos a escuta principalmente com os jovens. Abrimos um espaço virtual onde os sorrisos e os abraços podem ser trocados, e a música continua sendo soada e a dança nos ajuda a continuar em movimento até que o “novo normal” principie”, relata Márcia, emocionada.

Marcia Rolon
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

Para o diretor e coreógrafo do Ginga Cia de Dança e Cia do Mato Dança Contemporânea, Francisco de Assis Souza Silva, conhecido como Chico Neller, 56 anos, a pandemia veio para acentuar uma crise já instalada. “Ela veio de certa forma somente para acentuar uma crise já existente em nosso país, principalmente quando falamos de indivíduos que batalham para sobreviver de sua arte. Dessa forma posso dizer que não está sendo fácil passar por esse momento, mas como fácil nunca foi, precisamos continuar e encarar o que ainda está por vir e trabalhar”, resume ele. Para todos que vivem da arte da dança as dificuldades são incalculáveis e para as escolas, inegavelmente, está sendo um grande processo para que as portas não se fechem. “É solitário e muito triste não poder estar nas salas de aula e nos palcos. Para bailarinos e professores, as aulas online são manutenção, mas não substituem as aulas, ensaios e espetáculos, presenciais. A interação entre artistas e plateia é fundamental na criação e desenvolvimento da arte, um espetáculo é sempre um acontecimento único”, completa Chico.

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Chico Neller
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

Aulas e coreografar à distância requerem muita paciência e dedicação, tanto do coreógrafo como dos bailarinos. Fiz parte de festivais como Passo de Arte e também do Tempo de Dançar, no Rio de Janeiro, como jurada e professora, tudo online. É difícil mas vale a pena o esforço. A dança merece isso, é a nossa homenagem, que requer coragem”, explica Maria Beatriz Albuquerque de Almeida, sócia-diretora do Estúdio Beatriz de Almeida há mais de 25 anos.

As limitações e dificuldades que a atual situação nos apresenta desde o início de 2020 nos faz pensar e traçar novos horizontes. Fazer arte em nosso país para alguns sempre foi muito difícil, para outros não é bem assim, mas o amor e o prazer em realizar fazem com que tudo se movimente, e, quando menos esperamos, tudo acontece mesmo que em meio as dificuldades.

“Nunca achei difícil trabalhar com a dança no Brasil. É uma profissão como qualquer outra, que exige empenho, estudo, aprimoramento constante, competência, sacrifício e determinação. Nós, artistas do segmento, precisamos urgentemente desmistificar o rótulo que temos de não “pensar”.

Beatriz de Almeida

Somos trabalhadores brasileiros e, como tal, temos deveres e direitos que devemos entender, questionar e usufruir. Em plena pandemia conseguimos a sanção e benefícios da Lei Aldir Blanc. Discutir sua aplicação é um assunto de extrema delicadeza e polêmica. Cabe a nós melhorar a dança no Brasil, cobrando dos gestores culturais com voz e atitudes, demonstrando sobretudo competência. Temos organizações da sociedade civil que muito bem nos representam e que precisam ser mais reconhecidas e fortalecidas”, defende a pioneira Neide Garrido.

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Para Chico Neller, fazer dança no Brasil exige coragem. “É uma empreitada desafiadora, somente para os fortes, pois sabemos que nem mesmo a população em geral enxerga o ensino ou propagação da arte/cultura como algo essencial. E esse fato se torna mais evidente quando vemos a negligência política diante da saúde, educação e segurança. Isso já virou utopia. Porém, a mudança desse cenário somente se dará quando todas as demandas caminharem juntas, funcionando como uma cadeia produtiva”, expõe o diretor e vencedor do Festival de Dança de Joinville, o maior do país e um dos maiores do mundo. Em 2020, todos os festivais foram cancelados devido à Covid-19, alguns poucos foram realizados online, mas a maioria infelizmente não aconteceu.

Beatriz, Chico, Neide, Marcia - Ricardo Valêncio
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

Os festivais são palcos de oportunidades para profissionais e bailarinos apresentarem seus trabalhos, ganharem premiações, bolsas de estudos, vagas em grandes companhias, além de ser uma porta para traçarem suas carreiras fora do Brasil. “Participo de vários festivais, no Brasil e no exterior, eles são uma oportunidade para os jovens talentos de se apresentarem no palco, um encorajamento para que sigam estudando e se aprimorando. O convívio entre os bailarinos, a troca de experiências, as amizades que se formam, tudo isso estreita um laço de amizade e cumplicidade, uma competição saudável de respeito e admiração mútuas. Oferecem também a possibilidade de bolsas de estudos em escolas estrangeiras de alta competência, aumentando significativamente as chances de se tornarem profissionais da dança. Mas não devem ser vistos como um fim e sim como um veículo através do qual os sonhos de carreira possam se tornar realidade dentro ou fora do país”, finaliza Beatriz de Almeida, que por meio de tais oportunidades se tornou primeira-bailarina do Stuttgart Ballet, na Alemanha.

Neide, Chico, Beatriz, Marcia - Ricardo Valêncio
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

“Temos grandes festivais de dança no país e com excelente qualidade técnica. Tenho uma história bem gratificante em festivais. Vejo como um espaço voltado para a formação e revelação de talentos, oportunizando para estes grandes oportunidades no mercado da dança”, explica Chico que já percorreu grandes festivais sendo vencedor em inúmeros.

O que todos eles têm em comum?

A história e o encontro com a arte da dança desde sempre. Eles lutam por essa arte e vivem dela. Além do amor pelo estado do Mato Grosso do Sul, onde suas trajetórias são sólidas e servem de exemplo, a vontade de realizar sonhos que ainda não se concretizaram ou agradecer por eles. Veja a visão de cada um deles:

Márcia Rolon

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“Sou fundadora da Cia de Dança do Pantanal, uma das companhias do estado. Nós somos todos muito corajosos e atrevidos, e realizamos uma dança única e singular, pois estamos em um bioma que nos faz diferentes. Acredito que iremos romper muitas barreiras. Um grande sonho? Manter a Cia de Dança do Pantanal e transformá-la em uma companhia estadual”.

Marcia Rolon - Ricardo Valêncio
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

Beatriz de Almeida

“Somos um país extremamente talentoso e vários desses talentos se encontram aqui no Mato Grosso do Sul. Precisamos de mais oportunidades e incentivo, que acreditem em nosso estado. Não tenho exatamente sonhos, mas minha gratidão eterna à Márcia Haydeée que foi a minha “fada-madrinha” e que possibilitou que meus sonhos se concretizassem ao longo de minha carreira”.

Beatriz de Almeida
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

Chico Neller

A dança no Mato Grosso do Sul tem muita potencialidade em material humano. Contamos com uma grande quantidade de pessoas fazendo e pensando a dança, e ganhando cada vez mais destaque no cenário cultural local e nacional. Hoje, contamos com o curso de Arte Cênicas e Dança na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), o que contribuiu muito com os diálogos proporcionados com a produção em dança. A busca por um lugar de estabilidade para nós artistas brasileiros é um grande sonho”.

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Chico Neller
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

Neide Garrido

“Tenho orgulho de ser uma artista sul-mato-grossense da dança. Acompanho a dança aqui no estado há mais de quatro gerações e está muito clara a evolução e progressão dos nossos artistas. Há quase 50 anos, vivendo e dançando aqui, acalento o sonho de um teatro construído e presenteado aos artistas sul-mato-grossense com os “nossos” recursos públicos e a criação de uma Escola de Dança Municipal atrelada a uma Cia Municipal de Dança”.

Neide Garrido
(Foto: Ricardo Valêncio/CLAUDIA)

A dança é amor, superação e vem da alma, assim como a vida desses artistas que se dedicam a ela incansavelmente há décadas. Que a dança do Mato Grosso do Sul possa ganhar ainda mais espaço no Brasil e também fora dele.

Gostaria de dedicar essa matéria não só aos entrevistados para que ela pudesse acontecer, mas também a todos os artistas do estado que de forma corajosa vivem de sua arte e o principal, acreditam nela.

Muito obrigada!

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