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Patrícia Zaidan

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Coluna da jornalista e psicóloga Patrícia Zaidan: atualidades, feminismo, direitos humanos

Justiça livra mulher que fez aborto e foi denunciada por médica

TJ paulista tranca ação movida contra H.S, de 21 anos; prova colhida contra ela foi considerada ilegal e mulher ainda pode processar a profissional

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 mar 2018, 00h00 - Publicado em 13 mar 2018, 19h43
Ricardo Toscani
Ricardo Toscani (Ricardo Toscani/CLAUDIA)
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 O Tribunal de Justiça de São Paulo acaba de tirar uma mulher da boca do leão. H.S., 21 anos, estava sendo processada por praticar autoaborto e corria o risco de ser presa a qualquer momento. Dois desembargadores do TJ decidiram trancar a ação e o acórdão será publicado nos próximos dias. Em setembro passado, revelei aqui em CLAUDIA que a Defensoria Pública estava impetrando habeas corpus em favor de 30 paulistas. Em quase todos os casos, os delatores haviam sido os médicos ou enfermeiros do serviço público que, no lugar de amparar e manter o drama em sigilo, foram entregá-las a um delegado de polícia.

Eles se prestaram a colher provas frágeis ou duvidosas contra as acusadas e a dar depoimentos moralistas, crivados de hipocrisia, que as levariam à cadeia, onde, se condenadas, apodreceriam por até três anos. Como se fossem bandidas perigosas, merecedoras do castigo de minguar à margem da sociedade. Algumas das rés tiveram as ações suspensas por falta de provas. Outras aguardam julgamento. O ineditismo no caso H.S. se dá porque a relatora, a desembargadora Kenarik Boujikian, considerou ilegal a prova apresentada, como vou contar no correr do texto.

A HISTÓRIA DE H.S.

A vida se desgraçou quando ela entrou em um pronto-socorro público. A médica foi quem produziu as provas contra H.S., jovem desempregada, que se via sem condição emocional e financeira para ter um filho. Desesperada, H.S. comprou comprimidos de Cytotec na Praça da Sé, na capital paulista, tomou dois e colocou na vagina outros dois. As coisas estavam duras para ela, que se descobriu grávida no segundo mês sem menstruação. Morava na casa da mãe, que enfrentava uma gravidez de risco e a quem H.S. nada revelou.

Kenarik, seguida pelo desembargador Willian Campos, decidiu que a prova apresentada à polícia pela médica além de ilegal, fere o princípio constitucional da tutela à intimidade. O despacho cristalino como água diz: “Não fosse a médica efetuar o registro dessa informação no documento, que recebeu sob sigilo médico, e encaminhá-la para a delegacia, não haveria prova alguma contra a acusada e a persecução criminal não teria sido instaurada”.  Kenarik escreve ainda que a médica cometeu o crime de revelação de segredo, previsto no artigo 154 do Código Penal.

PUNIÇÃO PARA A DELATORA

H.S. pode começar a respirar aliviada, embora ainda tenha que reconstruir sua vida, sua reputação. Imaginem o tamanho e o peso da sentença que ela já cumpriu depois que seu segredo foi espalhado ao vento. Ter que contar a sua versão ao escrivão, ao delegado, ao promotor funcionou como pena imposta a ela. Enfrentar a família, os vizinhos e os amigos equivaleu a um castigo. Já sofrera muitíssimo antes, porque ninguém –muito menos H.S.– faz um aborto por esporte ou prazer.

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Ligamos hoje (12/03) para o Conselho Regional de Medicina. Não acontecerá nada com a médica que denunciou injustamente a paulista H.S.? A resposta do CRM: Sim, pode acontecer uma punição. “No momento em que o médico, deste caso em questão, revelou que uma paciente fez o aborto, ele infringiu o Código Civil, o Código Penal e o Código de Ética Médica e cabe à pessoa prejudicada mover ação civil de reparação de danos, ação criminal frente ao crime que foi cometido e denúncia ao conselho por infração ao Código de Ética Médica.”

Ufa!

H.S., você tem o nosso apoio. Leve à Justiça a médica que demandou contra você. Só a vítima pode fazer isso. Já a defensora pública Ana Rita Prata, à frente da iniciativa que chegou ao TJ, contou que 25 profissionais foram denunciados pela Defensoria aos seus conselhos. “São médicos, enfermeiros e assistentes sociais. Entre eles, há 14 mulheres (que tristeza!) e onze homens”, enumerou ela.

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MUITAS VEZES ESTUPRADA

Naquele setembro, quando conversei com Ana Rita, e soube detalhes sobre os 30 casos – eu me lembro – um deles carregava ainda uma dose extra de sadismo. Uma jovem mulher, estuprada na rodoviária, voltou para casa desolada. Não contou o ocorrido para o marido porque ele era um homem violento, vingativo e certamente não acreditaria na versão dela. Um tempo depois, ao tentar abortar sozinha, no banheiro, foi descoberta por ele, que a conduziu ao hospital sem entender direito o que se passava. O profissional que socorreu essa mulher, movido pelo prazer de ver o sofrimento alheio, saiu do consultório e voou para denunciá-la ao marido violento, que aguardava no corredor. Quantos estupros ela sofreu de uma só vez! Ana Rita me conta que a vítima da rodoviária enfrentou mais um no TJ. O pedido de habeas corpus impetrado em favor dela foi denegado. Ou seja, essa pobre brasileira continua respondendo como ré.  Quem responsabilizará o Estado por tudo isso? Ela não contou com segurança no lugar público por onde andou, quase morreu por praticar um aborto solitário e desassistido, não recebeu atendimento digno no hospital, não contou com a compaixão e a humanidade dos que a julgaram.

No texto publicado há seis meses chamamos a atenção do Tribunal de Justiça para o cumprimento do seu papel de reparar injustiças como essas. Dissemos que os desembargadores paulistas passariam vergonha jurídica se não decidissem pelo trancamento das ações penais contra TODAS ESSAS RÉS. Elas jamais deveriam ter suas histórias circulando na crônica policial, na página forense. Só o TJ poderia tirá-las da boca do leão.

 

 

 

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