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Ana Claudia Paixão

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A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood

Uma visão feminina na nova versão de ‘O Amante de Lady Chatterley’

Netflix traz Emma Corrin no papel título em uma adaptação do clássico da literatura inglesa dirigido por uma mulher

Por Ana Claudia Paixão
9 dez 2022, 08h56
O amante de Lady Chatterley
'O amante de Lady Chatterley' é um bom filme, e o que permanece atemporal é como os preconceitos sociais da sociedade britânica esbarram nos mesmos problemas ainda hoje. (Divulgação/Netflix)
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Quando D.H. Lawrence lançou seu livro O Amante de Lady Chatterley, no final dos anos 1920, foi um escândalo. A história de uma mulher nobre descobrindo os prazeres do sexo com um homem da classe operária era algo tão chocante quanto os palavrões e descrições de orgasmos e relações sexuais inseridas na obra. O resultado? Censura. O livro foi proibido no Reino Unido até os anos 1960 por “questões de decência” e só chegou ao mercado inglês depois de um longo processo judicial contra obscenidade. Considerado a obra-prima do autor, ainda é hoje, em pleno século 21, um best-seller, com milhões de cópias vendidas no mundo todo.

Outro motivo que gerou polêmica na Inglaterra é porque a história é inspirada em fatos reais. E, sem muita surpresa, logo virou conteúdo de interesse para o cinema e TV. A mais recente é a de 2022, pela Netflix, com Emma Corrin no papel de Lady Chatterley. Antes dela houve várias adaptações – mais castas ou não – com a primeira sendo uma versão francesa, de 1955, que chegou a ser banida nos Estados Unidos por “encorajar adultério” e só foi liberada quatro anos depois, com a Suprema Corte americana revertendo a decisão. 

Em 1981, outra versão francesa fez sucesso, essa explorando mais o lado “pornográfico” da história e com Sylvia Kristel no papel de Constance Reid, a Lady Chatterley e Nicholas Clay como Oliver Mellors. Em outros doze anos, Ken Russell fez uma versão para BBC, com Joely Richardson e Sean Bean como os amantes. Depois dessa, apenas em 2015 houve uma nova tentativa, mas foi considerada casta demais, estrelada por Holliday GraingerRichard Madden (na época recém-saído de Game of Thrones) e James Norton no elenco.

Exatamente por conta dessas últimas críticas é que havia uma grande expectativa quando a Netflix anunciou sua versão. Não está casta: há sexo e nudismo, mas nada exatamente erótico como se esperava. Emma Corrin, que por muito tempo será lembrada por sua interpretação precisa da Princesa Diana em The Crown, tem a idade e docilidade que se espera de Constante, e Jack O’Donnell tem carisma para interpretar Oliver, mas não há muita química entre os dois. Pelo menos não vi nada que fosse “chocante”.  Curiosamente, a mesma Joely Richardson, que foi a Lady Chatterley no início dos anos 1990, está no elenco como a apoiadora Sra. Bolton.

Para quem não conhece a história, ainda na 1ª Guerra Mundial, a jovem Constance Reid se casa com Sir Clifford Chatterley, baronete de classe alta que, como ela, tem pensamentos liberais. O casal apaixonado encara um grave desafio: Clifford retorna da Guerra paralisado da cintura para baixo e com isso a vida sexual dos dois, já morna, passa a ser inexistente. Isolados no campo, Constance acaba tendo um caso com o guarda-caça, Oliver Mellors, descobrindo prazeres que não imaginava possível. Em uma sociedade de castas como a Monarquia britânica, a diferença social dos dois é ao mesmo tempo afrodisíaca e um escândalo, com consequências que impactam a vida de todos. 

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Pela primeira vez dirigido por uma mulher, a diretora Laure de Clermont-Tonnerre, a versão da Netflix tem mudanças do texto original, incluindo o final.

Atenção para SPOILERS abaixo

Por exemplo, se no livro Connie era uma mulher frustrada e sem conhecimento do prazer físico, na versão atual ela já era mais aberta e ciente de como ter orgasmos, tanto que se masturba após ver Oliver nu – se lavando – enquanto no livro ela chora até dormir. Outra alteração é ressaltar que Connie já tinha vivido um romance proibido antes do casamento, com alguém de classe inferior, mostrando sua postura liberal como genuína.

Outra mudança: no livro ela chega a ter um encontro casual com um escritor que frequenta sua casa (mas não tem o prazer esperado) antes de se arriscar mais. Na versão da Netflix isso não acontece, fica no flerte. Também embora a gravidez da heroína – assim como no livro – seria aceita por Clifford se fosse com alguém de classe social compatível com a deles, o que difere é o quanto Lady Chatterley é clara sobre as origens de sua gravidez e menos esnobe que a personagem pensada pelo escritor. O que é ainda mais diferente é o final feliz do filme. Na versão original, o destino dos amantes fica em aberto. Depois que Oliver é demitido, Connie permanece com sua irmã, recebendo uma carta do amante sem definir se haverá um reencontro dos dois.

Todas essas ressalvas não interferem. O Amante de Lady Chatterley é um bom filme, e o que permanece atemporal não é a ousadia de associar sexo à prazer, mas como os preconceitos sociais da sociedade britânica esbarram nos mesmos problemas ainda hoje. Ainda bem que dão uma mensagem de esperança.

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