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Sidarta Ribeiro: “Sonhar é tão natural quanto respirar”

O neurocientista defende que os sonhos têm papel fundamental para a humanidade — além de ser uma forma de revelar pistas sobre acontecimentos coletivos

Por Beatriz Lourenço
20 jun 2025, 06h00
O neurocientista Sidarta Ribeiro defende que os sonhos têm papel fundamental para a humanidade — além de ser uma forma de criar empatia e revelar pistas sobre acontecimentos coletivos
O neurocientista, que se interessou pelo tema do sono ainda no doutorado, é o líder do Instituto do Cérebro, unidade acadêmica voltada ao estudo da mente humana (Colagem: Mika Nanba/CLAUDIA)
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A velocidade de leitura de uma criança em fase de alfabetização pode dobrar quando o aprendizado é aliado a uma soneca durante o período escolar. Essa é uma das descobertas lideradas por Sidarta Ribeiro na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O neurocientista, que se interessou pelo tema do sono ainda no doutorado, é o líder do Instituto do Cérebro, unidade acadêmica voltada ao estudo da mente humana.

Embora o método científico esteja no centro de suas pesquisas, ele não deixa de lado os saberes ancestrais e filosóficos, transcendendo o tradicional eurocentrismo acadêmico. Para o professor, unir o conhecimento espiritual e o empírico nos ajuda a encontrar soluções para desafios globais, como o avanço do conservadorismo, a destruição ambiental e o individualismo. Essa abordagem ganha forma no documentário Criaturas da Mente, dirigido por Marcelo Gomes, que o acompanha em uma jornada pelo universo dos sonhos, unindo descobertas científicas a depoimentos potentes de líderes indígenas e espirituais. O resultado é uma reflexão provocativa sobre o papel do inconsciente na construção de novas formas de existência e no resgate de tradições há tempos silenciadas. A seguir, Sidarta fala sobre a produção recém-lançada:

CLAUDIA: O filme mostra diferentes olhares para os sonhos: o da ancestralidade, da psicanálise e da pesquisa científica. Mas você escolhe juntar todos esses conceitos.

No século 20, a ciência acadêmica cresceu e se estruturou em campos diferentes, mas quase sempre com um discurso unilateral em relação aos outros saberes. Não me identifico com isso, acredito que ela é potente, mas um tanto perigosa. Gosto do método científico, mas não me passa pela cabeça que o mundo possa se reduzir a ele. 

CLAUDIA: A sociedade atual tende a ocupar todo o tempo do dia com a produção de algo. Quando paramos, sentimos culpa e, por vezes, perdemos o sono. Como você percebe esse movimento?

A insônia é a preocupação excessiva com algum problema. Você não consegue dormir porque ela fica ruminando na cabeça e você imagina cenários possíveis. Mas a falta de sono nos deixa menos aptos a resolver algo. Acontece que o sistema capitalista quer todo o nosso tempo. Se ele pudesse, não dormiríamos. E quando não estamos atendendo a demanda de trabalho, estamos imersos em uma tela que dificulta a vida onírica. É um ciclo vicioso que nos faz dormir cada vez pior, nos lembrar cada vez menos dos sonhos e compartilhá-los menos.

Aliás, a falta de sono causa desagregação social porque a distância interpessoal que as pessoas consideram confortável aumenta muito na privação do sono. Então, uma pessoa que dormiu mal e chega no seu ambiente acadêmico ou laboral pela manhã com essa noite mal dormida está promovendo um efeito social coletivo negativo. E estamos muito longe de prestar atenção nisso.

O filme o acompanha em uma jornada pelo universo dos sonhos, unindo descobertas científicas a depoimentos potentes de líderes indígenas e espirituais
Ele é um dos personagens do filme “Criaturas da Mente”, dirigido por Marcelo Gomes (Colagem: Mika Nanba/CLAUDIA)
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CLAUDIA: Falamos do sonho que vem através do sono, mas há o sonho que é o ato de ter esperança. Estamos perdendo essa capacidade?

Tudo isso está ligado. O século 21 se caracteriza por problemas de escala gigantesca e explosiva. Ao mesmo tempo, temos os meios de resolução. A ciência, a academia universitária e o capital financeiro podem muita coisa, se trabalharem juntos. A questão é saber como transformar toda essa potência em qualidade de vida — não só para os seres humanos, mas também para as outras espécies. Vivemos um momento em que parece que não vamos dar conta do recado. E dormir pouco, se alimentar mal, não fazer exercícios — todas essas coisas que são tão fundamentais e básicas — se tornou a norma e nos mostrou que estamos com um problema muito grande, mas lidando com ele sendo a pior versão de nós mesmos.

CLAUDIA: O que são as chamadas “criaturas da mente”?

São todas as pessoas com as quais sonhamos ou podemos imaginar, existentes ou não. Personagens fictícios, misturas de pessoas com animais, qualquer coisa que a mente humana consegue conceber através do seu aparato neurobiológico. Quando partimos do pressuposto de que elas são todas versões de nós, essa ideia fica pobre. Mas, quando pensamos que são versões de outras pessoas que habitam em nós, isso fica muito mais rico porque esse contato passa a ser de alteridade. A empatia é, de certa maneira, sonhar que somos outra pessoa.

Para muitas religiões diferentes, esse contato é extremamente interessante e ele deve ser buscado como um caminho de aprendizado. É só nesse mundo urbano que parece que tudo isso é uma besteira. Sinto que não estamos indo muito bem como coletivo porque estamos com um contato obstruído com as dimensões do mundo interior, que permitem que a gente navegue não só os próprios desejos e medos, mas os desejos e medos das outras pessoas, entidades e seres.

CLAUDIA: E como fortalecer esse contato?

Esse contato está interditado, mas pode ser facilmente recuperado. Sonhar é tão natural quanto respirar. Se você constrói uma boa higiene do sono, a chance de recuperar um sonho pela manhã é mais alta. Ao despertar, é importante ficar quieto tempo o suficiente para aquela memória se fortalecer e para que seja possível relatar por áudio ou por escrito. Para fechar esse ciclo, compartilhe com alguém. Também é possível fortalecer esse contato por meio da meditação, cantando, dançando, diante de um altar, jogando capoeira ou mesmo experimentando ayahuasca com o povo Huni Kuin, por exemplo. 

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O neurocientista Sidarta Ribeiro defende que os sonhos têm papel fundamental para a humanidade — além de ser uma forma de criar empatia e revelar pistas sobre acontecimentos coletivos
Para o professor, unir o conhecimento espiritual e o empírico nos ajuda a encontrar soluções para desafios globais, como o avanço do conservadorismo, a destruição ambiental e o individualismo (Isabela Cunha/CLAUDIA)

CLAUDIA: Existe uma conexão entre os sonhos e o inconsciente coletivo?  

Para a maior parte das pessoas, o conceito de inconsciente é muito fácil de ser aceito. Ele é uma fonte de criatividade, de ideias, de sintomas. E há uma camada mais profunda que compreende experiências muito comuns, como o casamento, o divórcio, o luto… O coletivo é comum por biologia ou cultura. A pandemia, por exemplo, foi um acontecimento que afetou todo mundo, e todos se sentiram mais ou menos do mesmo jeito. Por isso, sonhamos de um jeito muito parecido. Na nossa cultura urbana contemporânea, científica, capitalista, não passou pela nossa cabeça que várias pessoas poderiam ter exatamente o mesmo sonho. Mas em culturas de povos originários, isso é comum. 

CLAUDIA: A partir dos sonhos, podemos encontrar um meio de resolver os problemas sociais?

O sonho traz um espaço que ajuda a vida em comunidade porque é possível navegar em desejos e medos coletivos. A prática é saudável, mas precisamos de mudanças coletivas. Por exemplo: muitos acreditaram que a depressão é um problema da biologia do indivíduo. E, claro, há quem seja mais melancólico, mas, com certeza, a maior parte das situações de depressão tem a ver com uma construção social. A pessoa trabalha muito, ganha pouco, mora longe do trabalho, o transporte é ruim, não consegue sustentar os filhos…

Quando tudo é muito difícil, é óbvio que estamos mais propensos a adoecer. Ao perceber os transtornos psíquicos como problemas do indivíduo, perdemos a crítica do sistema — e é ele que faz com que quase todo mundo esteja infeliz. 

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