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“Quando a gente fala de Amazônia, coloca um alvo no meio da testa”

CLAUDIA entrevista Odenilze Ramos, de 25 anos, liderança ribeirinha e ativista que luta pelos direitos e sobrevivência dos povos da Floresta Amazônica

Por Joana Oliveira
Atualizado em 5 set 2022, 14h39 - Publicado em 5 set 2022, 14h28
A jovem liderança e ativista ribeirinha, Odenilze Ramos.
A jovem liderança e ativista ribeirinha, Odenilze Ramos.  (Helena Alba/Divulgação)
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Odenilze Ramos, de 25 anos, é especialista em abrir caminhos. Caçula de oito filhos (sete mulheres e um homem), a jovem ribeirinha, natural da comunidade de Carão (dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS do Rio Negro), a 70 quilômetros de Manaus, fez valer em casa seu direito de estudar para se tornar uma ativista socioambiental pela Amazônia aos 14 anos. Ela é líder do projeto Somos Filhos da Floresta, criado em 2018. “Sempre me incomodou muito esse discurso de uma galera branca do Sudeste dizendo ‘Vamos manter a Amazônia viva, a Amazônia é minha causa’, quando as pessoas daqui nunca eram ouvidas. Então, decidi estar cada vez mais nos lugares, principalmente lugares de liderança, porque ninguém vai te convidar, você tem que se enfiar ali”, diz Odê, como gosta de ser chamada.

Ela conversou com a CLAUDIA em Tumbira, outra comunidade da RDS do Rio Negro, que a revista conheceu a convite da Creator’s Academy, iniciativa que conecta pessoas com os biomas brasileiros. Foi aos 10 anos que Odê, que já havia sido alfabetizada em casa, começou a frequentar a escola local, depois de “bater o pé” com os pais. “Eles tinham muito medo dessa coisa de sair da comunidade. E, como não tinha Ensino Médio aqui, quanto antes eu começasse a estudar, mais cedo iria embora”, conta. E, de fato, Odê ganhou o mundo, mas sempre volta. “A Amazônia não é minha causa, ela é minha casa, onde eu vivo todo dia, mesmo quando não estou aqui”, afirma.

Além de trabalhar com turismo de imersão e sustentabilidade em Manaus, Odê é comunicadora e articuladora amazônida e faz o que quase ninguém está disposto a fazer: sentar para dialogar com políticos e, principalmente, empresários cujas ações prejudicam a floresta e seus povos. “Quando você se coloca disposta a conversar, eles não têm ação para te enfrentar. E aí você começa a ganhar espaço, foi assim que construí canais de comunicação entre comunidades e empresas. Tem negócios que fazem nome e fortuna vendendo a bandeira da Amazônia, enquanto, no dia a dia, fazem um trabalho péssimo com as comunidades.” É o famoso green washing, que ela também combate.

A jovem liderança e ativista ribeirinha, Odenilze Ramos.
A jovem liderança e ativista ribeirinha, Odenilze Ramos. (Helena Alba/Divulgação)

Odê gosta de ser ponte, inclusive para o conhecimento. “As pessoas falam da Amazônia como se fosse uma coisa só, mas tem milhares de Amazônias, cada comunidade e cada cidade da região, por mais próxima que seja, tem realidades muito diversas. Eu vivo aqui e não conheço 0,1% da Amazônia. Cada vez que saio do Rio Negro, tenho a sensação de que não conheço nada desse continente amazônico”, diz. Um dos equívocos mais comuns que ela sempre desconstrói é a ideia de que a floresta é só floresta, desabitada para além da fauna e flora. “E, quando olham para os povos da floresta, acham que todos são indígenas. Mas a Amazônia também é ribeirinha, é quilombola, são as periferias urbanas, em Manaus, Belém e todas as capitais”, lembra.

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Machismo e insegurança

Toda essa história pessoal de ativismo e resistência começou na adolescência, quando, depois de um Intercâmbio de Saberes entre jovens de diferentes unidades de conservação da floresta, ela, que também fotografa desde os 10 anos, decidiu participar de um projeto de comunicação e elaborou um jornal mural na escola de Tumbira. Ganhou a atenção dos jovens da comunidade, que paravam para ler, e depois criou a rádio escolar. Com a internet, foi ganhando cada vez mais responsabilidade como uma Repórter da Floresta, sempre contando as vivências ribeirinhas. “Aí, começaram a me chamar para falar da Amazônia em outros espaços, e percebi que as pessoas não tinham nenhuma noção sobre os povos amazônidas. Quando elas me perguntavam sobre a região, queriam saber sobre o bioma apenas, fauna e flora. Isso me incomodava muito, porque existem pessoas aqui dentro. Eu estou aqui dentro!”

Para se consolidar como jovem liderança, Odê teve de enfrentar o machismo dentro e fora da sua comunidade, onde o esperado é que meninas se casem ainda na adolescência e deixem de lado os estudos para constituir família. “Para eles, eu dei errado, mas tenho muito orgulho disso. As meninas que hoje estão na faculdade são aquelas da minha geração de projetos. Em outras gerações, elas engravidaram antes dos 18 anos, o que me dá um desespero, porque isso tira delas a oportunidade de conhecerem o mundo para além da comunidade, justamente para valorizar mais o que temos aqui”, diz.

Fora de lá, ela também demorou a ser vista mais do que como uma “menina” que fala da Amazônia. Quando finalmente começaram a prestar atenção ao seu discurso, em 2018, ano eleitoral, chegaram também as ameaças. “Eu já tinha perdido muitos amigos, já tinha visto gente morrendo na minha frente. E tem a morte do corpo, mas também essa morte pelo silenciamento, essa violência que faz apagar uma pessoa no sentido de obrigá-la a sumir. Eu não quero, obviamente, entrar nas estatísticas de ativistas mortos na Amazônia. Mas tampouco quero parar. Porque cada vez que eu influencio uma menina a não desistir de estudar para casar cedo, é uma pessoa a mais lutando, eu já fico muito feliz.”

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“Quando a gente fala de Amazônia, coloca um alvo no meio da testa. A maioria dos ativistas amazônidas têm preço pela sua cabeça. Eu não sei quanto está valendo minha vida hoje, se vale mil reais, cinco mil ou 100 reais. Mas se eu precisar abrir esse caminho de diálogo para que outras gerações tenham essa trilha consolidada e mais segura, farei isso”, continua Odê. A jovem lembra de Izolena, professora que é sua grande inspiração na vida, e que lhe ensinou sobre a própria capacidade de criar espaços: “Se não existe um espaço para mim, eu crio.” Nesse sentido, ela, que é formada em Gestão Pública, não descarta uma possível entrada na política institucional. Mas não agora. Por enquanto, sua missão é falar cada vez mais sobre política, principalmente sobre política socioambiental “A gente ainda vive num país que coloca futebol e política na mesma frase e, enquanto continuarmos debatendo política como se fosse uma competição entre torcedores, não vamos nos desenvolver como país que cuida do seu povo, que cuida da sua floresta e de suas cidades”, conclui.

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