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Por que as pessoas se incomodam tanto com “mãe de planta” e “mãe de pet”?

Você já deve ter ouvido - ou até usado - estes termos, mas saiba que as mães não estão muito felizes com isso.

Por Fernanda Tsuji
Atualizado em 15 jan 2020, 18h18 - Publicado em 11 Maio 2019, 01h30

“Hoje não posso sair, porque meus dogs precisam de mim. Mãe de pet, sabe como é?”. “Viajar agora, só se eu puder levar minhas plantas. Mãe de planta é assim”. Se frases como esta ainda não surgiram na conversa com suas amigas, no seu whats ou não viraram hashtag na sua timeline, em breve chegarão até você. Em tom de brincadeira ou levando muito a sério, as pessoas repetem sem pensar nas implicações que isso tem em mãe de…gente. Parece óbvio, mas teve até marca usando isso em campanha de Dia das Mães.

Pelo jeito, – como em muitas questões da maternidade – o ranço não é isolado. Muitas mulheres fizeram eco nas redes sociais e se incomodaram profundamente quando a Anacapri repostou em comemoração ao Dia das Mães, um textinho com #mãedeplanta. A marca de sapatos precisou se retratar e apagou o post. A modelo da foto também se posicionou e pediu desculpas a quem se ofendeu.

Mas aí a gente se pergunta…por que isso incomoda? Não é só uma brincadeirinha?

A maioria dos argumentos contra a foto da campanha dizia que era reduzir a maternidade a gostar muito de algo. Como se o termo “mãe” significasse apenas afeto, a se importar muito com cachorros, gatos, samambaias, cactos. Até “mãe de livro” surgiu na conversa. Só que, bem sabemos, a maternidade não é só isso. Não se limita a cuidados e afeto.

“Quando alguém se apropria do termo ‘mãe’, ela não está fazendo isso de má-fé nem desclassificando quem é mãe de uma criança, mas ela está falando deste lugar comum da maternidade de amor, de cuidado, e de responsabilidade também – que para entrar em outra problemática, também deveriam estar atribuídas a paternidade, né?”, explica Marília Toledo, psicanalista da Casa Moara e especialista em Saúde Mental Materno Infantil. “O que incomoda as mães é que vai de encontro com a árdua tarefa que é colocar alguém no mundo, que tem implicações bem diferentes de cuidar de um animal ou de uma planta”, completa.

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“A partir do momento, que uma mulher que não é mãe de gente, fala que é a mesma coisa, invisibiliza muito a nossa luta e o que passamos como mãe. A maternidade é muito solitária, é uma sobrecarga mental gigantesca”, concorda Giovanna Balogh, doula e blogueira do “Mães de Peito”.

E isso também acaba deixando nas sombras todas as tarefas que compõem a maternidade. Afinal, mãe de pet não precisa ensinar o cachorro a não ser machista, mãe de planta não tem reunião de escola no mesmo dia que tem que apresentar um relatório no trabalho. Mães de suculentas não precisam levar o filho no metrô lotado ao pediatra, não precisam montar lancheira (saudável, veja bem), às 23h da noite, pra mandar pra escola no dia seguinte.

“A gente acumula funções, em jornadas duplas, triplas e isso não é valorizado. Fora que existem muitos preconceitos que a mulher sofre ao ser mãe. Você não tem mais espaço no mercado de trabalho. No meu caso, por exemplo, fui rebaixada num cargo de chefia e vi tantas outras mulheres serem demitidas depois do fim da licença-maternidade, como se isso fosse um carimbo de que elas não são mais profissionais. Nenhuma mãe de planta ou mãe de animal sofre isso”, completa Giovanna.

Mas não é só um meme?

Ok, muita gente pode não estar levando tão a sério quando usa o termo. Mas é compreensível que mães sintam que isto ironiza e esvazia a complexidade que é dar conta de todas as suas tarefas diárias. “Shade” é o que as mulheres menos precisam neste momento. Já é necessário enfrentar o puerpério, os julgamentos, as dificuldades da amamentação, as mudanças no corpo, a logística, a romantização, o machismo, os amigos afastados…e a lista aumenta para cada mãe, já que cada uma carrega suas particularidades que só se somam.

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“Não acho que é banal ou entra no lugar de brincadeira discutir essa questão. O incômodo é gerado, porque ser mãe é difícil pra maioria das mulheres, é de uma solidão absurda, tem uma exigência muito grande, então quando toca nesta ferida incomoda sim. Acredito que brigar por conta disso é desnecessário, o importante é que ambos os lados olhem o porquê disso gerar polêmica: as mães estão numa posição muito difícil na nossa sociedade. Existe um abandono, uma pressão e uma rede de apoio cada vez menor pra elas”, diz a psicanalista.

“Mas eu cuido do meu cãozinho como filho”

Sim, existe mesmo um ponto na questão do afeto e da responsabilidade. Não dá pra sentir uma conexão profunda com seu bichano? Não dá pra se importar de verdade com a amoreira no seu quintal? Claro que sim. “Lógico que amamos nossos animais e minha casa é lotada de planta. Mas você pode, por exemplo, pedir pra alguém alimentar o seu cachorro e ir viajar. Com filho não, se você amamenta e cuida de uma criança pequena, você não pode nem se ausentar de perto dela! Falar isso é nivelar por baixo. Chamar o cachorro de filho é uma escolha tua, o absurdo é uma campanha de Dia das Mães usar isso como mote. Poderiam homenagear, por exemplo, mães solo ou aquelas que tiveram perdas gestacionais, que muitas vezes não tem os filhos no braço, mas também são mães. Ou seja, tem uma gama de mulheres poderosas que mereciam ser lembradas nesta data e que são preteridas, quando se escolhe homenagear mães de pet e mães de planta”, explica Giovana.

Segundo a psicanalista, quando uma mulher se incomoda com esta fala, ela não está desvalorizando o fato de alguém cuidar bem de um cachorro ou amar as plantas, mas falando sobre a diferença de responsabilidade que é criar um ser humano, onde pressupõe-se que você esteja ajudando a criar um caráter, uma ética, filtros, valores…”Você está  formando um cidadão. É muito diferente”, pontua.

Óbvio que todos são livres para ter a ligação emocional com o que quiser. O que revoltou as mães é a comparação irreal e injusta. “A maternidade é muito da experiência, só quando a gente vive descobre o que é. E a gente sempre acha que vai dar conta e mora aí também a romantização de que tudo vai ser perfeito, só sorrisos no café da manhã. E quando você descobre que não é assim e assume que está muito difícil e não está dando conta, você é julgada e aí dá medo de expor a realidade. E isso só contribui pra idealização, romantização e confusão. Você vê sua amiga com os filhos arrumadinhos na festa e não faz nem ideia do que se passa na casa dela todos os dias”.

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E nem é preciso ler todos os textões da internet para repensar sobre isso. Um pouco de empatia e sororidade – estas que tanto pregamos – já evitaria mais desgaste emocional. No fim das contas, as mães só querem criar uma pessoa bacana, da melhor maneira que der, sem destruir a mulher que está por trás, lutando e abraçando. Com afeto sim, mas sem desmerecer um palmo da batalha.

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