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“Crianças são os filhos dos outros”

O filósofo Francisco Bosco, autor de Orfeu de Bicicleta – Um Pai no Século XXI, fala sobre a relação dos pais com seus filhos pequenos

Por Francisco Bosco (colaborador)
Atualizado em 22 out 2016, 16h20 - Publicado em 3 nov 2015, 11h18

Em nenhuma outra relação humana pode-se obter tanta satisfação pessoal pelo prazer do outro, pela realização do desejo do outro, como na relação entre os pais e seus filhos pequenos. Podemos suportar sem inveja o sucesso de amigos, e até mesmo nos alegrarmos por eles. Podemos genuinamente festejar o sucesso da pessoa amada, mas isso se torna mais difícil quando esse sucesso nos ameaça, deixando-nos inseguros. Nas relações em geral há uma economia das rivalidades, com as leis que lhe são próprias. Costumamos aguentar e até celebrar as realizações do desejo do outro desde que estejamos seguros de sua estima ou o consideremos inferior à imagem que fazemos de nós mesmos. Desse ponto para cima, quando o consideramos igual ou superior, dentro de certo raio rivalitário – muito acima do qual somos indiferentes – a tendência é passarmos de generosos a invejosos.

Só nas relações dos pais com seus filhos pequenos vigora uma espécie de intercâmbio dos narcisismos, ou melhor, uma capacidade incondicional de os pais se contentarem com o prazer dos filhos. Isso ocorre porque esses ainda não têm um eu bem separado do daqueles. O amor aos filhos só pode ser assim, destituído de qualquer ambivalência rivalitária, porque retorna ao próprio narcisismo dos pais. Os pais amam seu próprio eu no eu dos filhos, pois o eu dos filhos é ainda em larga medida o de seus pais.

Uma conhecida boutade (tirada espirituosa) diz que os bebês nascem rechonchudos para serem amortecidos quando os jogarmos na parede, por exaustão. O que nos impede de os atirar é o enamoramento que, como observou Freud, “parte de nosso próprio narcisismo”, isto é, o fato de amarmos o seu eu como amamos o nosso próprio eu.

Daí sermos capazes de tolerar e até mesmo gostar de nos submetermos com eles a experiências sofríveis para nós, enquanto adultos autônomos. Quantas centenas de vezes ouvi com meus filhos canções infantis desagradáveis e me alegrei por causa da alegria deles? Quantas vezes os levei para situações de sociabilidade incômodas para mim só porque isso lhes daria prazer, e o prazer deles se torna também o meu?

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Por isso filhos e crianças são seres bem diferentes. Um dia um amigo me disse não querer ter filhos porque não gosta de criança. Repliquei que o argumento é ilógico. Crianças são os filhos dos outros. Já os nossos filhos geram em nós esse dispositivo narcísico que nos faz necessariamente gostar deles, pois necessariamente gostamos de nós (mesmo as pessoas com baixa autoestima: afinal, elas também têm autoestima). Como meu amigo, não sou lá muito fã de criança. Gosto, por ordem decrescente de envolvimento narcísico, dos meus filhos, depois dos filhos dos amigos, em seguida das criança que são amigas de meus filhos. Desconfio que são poucas pessoas no mundo as que gostam de crianças. Crianças choram no avião, cospem a comida, dizem bobagens inconvenientes. Nossos filhos (não) são diferentes.

Francisco Bosco, pai de Iolanda, 3 anos, e Lorenço, 2, é filósofo e escritor e acaba de lançar o livro Orfeu de Bicicleta – Um Pai no Século XXI (Foz) 

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