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Conheça a história inspiradora de mulheres que lutam contra a corrupção

Da indignação, elas tiraram a força para transformar as regiões onde vivem

Por Alana Rizzo
Atualizado em 18 fev 2020, 10h12 - Publicado em 5 abr 2019, 09h31
 (Bruna Pontual e Danilo Catão/CLAUDIA)
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As cinco mulheres ouvidas nesta reportagem não só lutam contra a corrupção como procuram engrossar o front dessa batalha. Elas trabalham para engajar mais pessoas, despertando-lhes a consciência, e inspiram novas lideranças por meio da informação.

Sabem, por exemplo, que os desvios afetam a eficiência do governo, minam a competitividade dos negócios e punem exatamente quem mais precisa dos serviços públicos. É o dinheiro que não chega para a construção de uma escola no bairro; para a obra de saneamento e o asfalto, que ficam pela metade; para o remédio, que falta no posto de saúde.

O uso ilícito de recursos públicos está nas manchetes de jornais, na televisão e é tema de conversas no consultório médico e nos almoços de família. São cifras incalculáveis, que colocaram os desvios na lista de preocupações prioritárias dos brasileiros, ultrapassando saúde, educação e segurança.

Em 2018, o desempenho do país piorou no ranking elaborado pela organização Transparência Internacional, que analisa a percepção da corrupção no setor público, perdendo nove posições. Estamos na 105ª colocação entre as 180 nações avaliadas. Apesar dos avanços institucionais promovidos pela Lava Jato, trata-se do pior resultado desde 2012.

Mas é consenso entre especialistas que a participação das mulheres no acompanhamento das contas e políticas públicas pode ajudar a mudar esse quadro. Afinal, são elas as mais afetadas pela corrupção e as mais intolerantes aos desvios.

As mulheres pobres, por exemplo, veem o uso irregular da verba pública se desdobrar quando são cobradas ilegalmente para fazer parto na rede pública de saúde ou para conseguir medicamentos gratuitos para os filhos. Na hora de empreender, segundo dados da Organização das Nações Unidas*, enfrentam maiores dificuldades para conseguir crédito financeiro ou licenças.

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Entretanto, sabe-se que, em cargos legislativos, alocam melhor as verbas e abraçam a temática em seu mandato. É por isso que a força feminina é tão essencial nessa luta, como mostram a seguir Teresa, Nicole, Roni, Silvana e Anna Karla.

*Relatório Corruption, Accountability and Gender: Understanding the Connections

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Teresa Cristina Coelho Matos – Mudança pela conscientização

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(Lucas Dias/CLAUDIA)

É percorrendo a pé mais de 300 quilômetros pelo interior do Piauí que a assistente social Teresa Cristina Coelho Matos acompanha os avanços e, em alguns casos, os retrocessos da sua luta.

Desde 2002, ela participa da Marcha contra a Corrupção, caminhada organizada pela Força-Tarefa Popular no interior de um dos estados mais pobres do país com o objetivo de conscientizar a população sobre a responsabilidade de cada um no combate aos malfeitos com recursos públicos. Eles param nas cidades, vão direto à Câmara de Vereadores, pegam dados do orçamento e começam a fiscalização. “Já teve prefeito que decretou feriado para evitar o acesso aos registros.”

É comum as Câmaras ficarem fechadas e os vereadores se reunirem apenas uma vez por mês, sem nenhuma participação popular. “Diante da papelada, vemos as notas, as obras, os pagamentos… Muitas vezes, ali mesmo já descobrimos um problema. Dizem, por exemplo, que foi feito asfalto em tal rua, e um morador nega.”

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Eles cobram explicações das autoridades e depois seguem para um espaço público para o que Teresa define como o ponto alto: a aula de cidadania, em que o grupo ensina a população sobre direitos e deveres na luta contra a corrupção. Os avanços, segundo ela, são perceptíveis e dão combustível para que a marcha ganhe fôlego ano a ano.

O Piauí tem 3,2 milhões de habitantes, quase o mesmo número de pessoas da capital do país, Brasília. A renda per capita é de 750 reais e o estado ocupa a 24ª posição entre os 27 no índice de desenvolvimento humano. “Falta informação. Cada um precisa saber o seu papel nessa luta, que é pela justiça social e igualdade”, explica a mestre e doutora, que escreveu sua tese de doutorado sobre o protagonismo da sociedade civil no controle e fiscalização dos investimentos públicos.

Com 59 anos, Teresa conheceu cedo a desigualdade. Filha de uma dona de casa e de um funcionário público, a menina se mudou para Timon, no Maranhão, depois que o pai deixou a família. Ao lado da irmã, cruzava de barco o rio que separa os dois estados para chegar até a escola, em Teresina. Percebia no lanche, no uniforme e no material escolar as diferenças de renda. A mãe investiu na educação das filhas. “Minha vida foi marcada por mulheres fortes e inspiradoras.”

A irmã mais velha se formou em odontologia e sempre a levava para trabalhar em projetos sociais nas comunidades rurais do Piauí. Assim, viu de perto o impacto da ineficiência do estado para as mulheres, pois são elas as responsáveis por sustentar 40% dos lares no estado, segundo o IBGE.

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Nicole Verillo – Vigilância e acolhimento

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(Marcus Leoni/CLAUDIA)

A gestora de políticas públicas Nicole Verillo, 30 anos, aprendeu cedo que a corrupção mata. Em 1999, ela precisava andar com escolta policial pelas ruas de Ribeirão Bonito, cidade de 12 mil habitantes no interior de São Paulo. O motivo: sua família fora ameaçada depois de denunciar um esquema de desvio de dinheiro da merenda escolar. O caso teve repercussão nacional, e a Associação Amigos de Ribeirão Bonito (Amarribo), fundada por seus pais, tios e amigos da família, virou referência na luta contra a corrupção nas prefeituras.

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“Era muito nova na época e não compreendia exatamente o que estava acontecendo. O que me indignava era saber que as crianças de Ribeirão Bonito estavam comendo água com fubá. A partir daí, comecei a me envolver nas ações de combate à corrupção e a participar da articulação de uma rede de engajamento e proteção de denunciantes”, conta, lembrando o apoio constante da mãe e da tia. “Tenho o maior orgulho de dizer que sou filha da Lizete Verillo. Boa parte da confiança que tenho hoje se deve ao trabalho e à trajetória da minha mãe e da minha tia na Amarribo.”

Um dos episódios mais marcantes para Nicole foi quando assassinaram um vereador em Analândia, a 50 quilômetros de Ribeirão Bonito. O parlamentar denunciou casos de fraude e superfaturamento em licitações na prefeitura e foi morto com nove tiros na porta de casa.

“A corrupção mata de maneira covarde. Mata também quando vemos que, no interior do Piauí, do Ceará, um recurso foi liberado, consta no Portal da Transparência e nada chega lá. Nem indício de obra, e as pessoas continuam sem acesso a água, hospital, ambulância, tubos de oxigênio. A corrupção é capaz de matar uma cidade inteira. Destrói as oportunidades, os empregos, aumenta a sede…”

Hoje, Nicole é responsável pelo Centro de Apoio e Incidência Anticorrupção, da ONG Transparência Internacional, e atua diretamente no engajamento e na proteção da sociedade civil. A batalha é nas ruas e nas redes. Ela participou da mobilização pela Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010. “Coletamos 1 milhão de assinaturas sem WhatsApp…”

É também uma das coordenadoras da campanha Unidos contra a Corrupção. “O desafio agora é diferente. Na época da Ficha Limpa, ouvimos de um congressista que era mais fácil uma vaca voar do que o Congresso aprovar a lei. Hoje, precisamos dialogar em um cenário político muito polarizado para conseguir aprovar um pacote com 70 medidas contra a corrupção. Queremos mostrar que é uma luta por direitos, independentemente de partidos políticos.”

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Roni Enara Rodrigues – De olho nos orçamentos

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(Humberto Michaltchuck/CLAUDIA)

“Depois do mensalão e da Lava Jato, a história da corrupção começou a ficar mais próxima de todos nós. A gente imaginava que era algo distante e que não tinha relação com o que acontece no dia a dia da nossa cidade. Mudou”, analisa Roni Enara, 57 anos, assistente social e diretora do Observatório Social do Brasil desde 2008.

A entidade começou fiscalizando as contas públicas de cinco cidades do Paraná: Campo Mourão, Goioerê, Cascavel, Toledo e Francisco Beltrão. Hoje, são mais de 140 municípios em 16 estados e um exército de mais de 3 mil pessoas, sendo 90% voluntárias.

“Não tem quem não possa participar. Às vezes, uma dona de casa quer ajudar e diz que não tem conhecimento. Ela pode fazer pesquisa de preços, por exemplo. Sabe que a água sanitária custa 3 reais o galão e que a prefeitura está pagando 18 na licitação. Outras pessoas podem dar palestras em escolas, acompanhar as sessões na Câmara, desenvolver indicadores de políticas públicas, fazer o monitoramento… Todo mundo tem o que oferecer na luta contra a corrupção.”

O grupo já conseguiu cancelar licitações superfaturadas, denunciar máfias e multiplicar o conhecimento técnico. O observatório trabalha com a prevenção e ensina a população a perceber detalhes que podem representar alertas de desvios. “O prefeito não tinha nada antes de entrar na prefeitura e, de repente, aparece de carro importado, andando de helicóptero? Achávamos que éramos incapazes de mudar muitas coisas, mas basta querer”, conta.

Roni quer mostrar que não é preciso pedir licença para entrar numa prefeitura, para acompanhar uma sessão na Câmara de Vereadores. Para isso, segue abrindo o orçamento público, mostrando a composição dos gastos e a destinação dos impostos. “Não foi fácil. Sempre fui muito engajada, mas o clique veio mais tarde. Foi quando percebi que o dinheiro não chegava à ponta. E que não era só culpa da incompetência.”

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Roni nasceu em Portunhão, na divisa de Santa Catarina com o Paraná. Filha de um comerciante e uma costureira, ainda jovem buscava soluções para os problemas da comunidade. Foi fundadora do conselho da mulher empresarial, trabalhou em uma consultoria e ajudou a criar diversos projetos na área de responsabilidade empresarial. Trabalha em média 16 horas por dia, inclusive nos fins de semana. Acredita que a recompensa é perceber que a indignação está saindo do sofá e das redes sociais. “A atitude de cada um é fundamental. Sou estimulada pelo sonho de construir um lugar melhor.”

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Silvana Batini – O poder da lava jato

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(Lucas Laundau/CLAUDIA)

Com 26 anos de atuação no Ministério Público Federal, a procuradora da República Silvana Batini já pôde avaliar a corrupção sob diversos ângulos. “Entrei com 31 anos, quase que por acaso, depois que me mudei para o Rio de Janeiro com meu marido e decidi prestar concurso público. Era a década de 1990. Investigávamos casos de desvio envolvendo policiais no Rio e crimes financeiros com a quebra de grandes bancos; estouramos a fortaleza do (bicheiro) Castor de Andrade… Foram todos casos rumorosos, e sempre na área criminal. Depois, entre 2008 e 2010, estive à frente da procuradoria eleitoral. A corrupção é muito maior e muito mais ampla do que só a vinculação com políticos.”

Silvana nasceu em Londrina, no Paraná, e trabalhou durante quatro anos na Defensoria Pública antes de ingressar no Ministério Público. Passou em primeiro lugar no concurso e hoje integra a força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro, além de dar aulas de direito penal e de crimes contra a administração pública na Fundação Getulio Vargas. “No front, há o risco de ficar viciada em um único ponto de vista. A academia é uma forma de respiro.”

Investigar de perto o processo eleitoral brasileiro a fez perceber de forma rápida as conexões entre o sistema de corrupção, as eleições e a ineficiência das políticas públicas. Ela lembra o impacto dos desvios no estado do Rio, que amarga uma crise institucional, política e financeira sem precedentes.

A Lava Jato, segundo Silvana, colocou o Brasil em outro patamar de combate à corrupção. “Conseguiu demonstrar que o dinheiro roubado era aquele que faltava para atender os serviços básicos.” A maior operação de combate às irregularidades financeiras públicas do mundo não caiu do céu. “É fruto de um processo histórico. Tivemos inúmeras experiências – muitas fracassadas – que criaram os anticorpos na própria instituição para enfrentar dificuldades. Amadurecemos e desenvolvemos novas técnicas de investigação.”

Para a procuradora, a operação também mudou a forma como a sociedade enxerga a corrupção. “Pela primeira vez a gente pôde ver a prova, o dinheiro físico, empresários ricos e políticos de renome sendo punidos. Deu concretude.”

Pelo engajamento do povo brasileiro com a operação e a óbvia cobrança por mais respostas do tipo, Silvana defende uma atuação propositiva a fim de evitar outra Lava Jato em dez anos. “Precisamos punir, achar o desvio e também apostar em reformas legais para mudar a história da corrupção no país. Espero que esse movimento tenha sido uma virada de página. Não pode ser só um espasmo.”

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Anna Karla Pereira – Formação de novos líderes

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(Bruna Pontual e Danilo Catão/CLAUDIA)

Nas últimas eleições, Anna Karla Pereira, 34 anos, mergulhou na política brasileira ao fundar, ao lado de outras lideranças, a Frente Favela Brasil, movimento progressista de luta contra as desigualdades com atuação em 12 estados. O grupo trabalha para aumentar a representatividade da periferia no poder público e garantir que as demandas sejam discutidas e formuladas por quem entende a realidade das comunidades.

O Brasil tem 11,4 milhões de pessoas vivendo em favelas, o que representa 6% da população. Em Pernambuco, estado em que Karla nasceu, 22,9% dos moradores estão em aglomerados. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 8,7 milhões de casas no país não possuem ao menos um dos três serviços básicos de saneamento: conexão à rede de esgoto, coleta de lixo e água encanada. “A periferia carrega o peso da corrupção. Por isso, precisamos inseri-la no poder e formar pessoas para disputar os espaços públicos. É preciso entender o mecanismo dos desvios. Só assim associamos as causas às consequências”, diz.

A frente tem como missão preparar novas lideranças políticas por meio de oficinas e da conscientização nas periferias. As mulheres negras são prioridade. Nas eleições de 2018, os partidos foram obrigados a destinar ao menos 30% dos repasses de campanha a candidaturas femininas, mas elas ocupam apenas 15% do novo Congresso, índice muito baixo quando comparado a outros países.

“A mulher negra é a base da pirâmide. É ela que sofre as maiores consequências da corrupção: perde o emprego primeiro, usa diariamente o transporte público precário, fica sem a vaga do filho na creche. As mulheres precisam chegar lá para propor formas mais eficientes de uso dos recursos públicos.”

Anna Karla sempre estudou em escola pública e, durante um projeto da instituição, passou uma temporada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. “A experiência despertou a minha consciência sobre as desigualdades. A corrupção esteve presente na minha vida inteira, só não sabia o que era e nem lhe dava nome”, explica.

Ela entrou na faculdade pela política de cotas e escolheu o curso de turismo. “Queria unir a comunidade e o poder público e compreender a dinâmica das cidades por meio do turismo comunitário, mostrar que existe uma periferia além da que a TV mostra.” Depois, estudou gestão pública e fez mestrado em história. “Não é todo mundo que está parado esperando. Tem sempre alguém tomando uma atitude para mudar a realidade do país.”

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