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As mudanças sustentáveis que vão realmente mudar nosso presente

A executiva Ligia Zotini Mazurkiewicz e as arquitetas Gabi Sartori e Bia Casaccia encabeçam áreas que já trabalham com avanços sustentáveis

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 25 mar 2020, 17h28 - Publicado em 12 mar 2020, 16h30
Bia Casaccia encabeça o Design Biofílico no Brasil e visa encontrar alternativas para unir estética, funcionalidade e garantir benefícios para a saúde através da conexão com a natureza (Julia Rodrigues/CLAUDIA)
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Há muitos anos, nosso referencial de futuro eram os cenários dos filmes de ficção científica ou de Os Jetsons, desenho animado em que a família morava numa casa no meio do espaço e circulava em carros voadores. Ficávamos fascinados por recursos que hoje são totalmente comuns, como ligações em vídeo. A tecnologia evoluiu – e rápido. Ainda não chegamos aos carros voadores, mas a ciência apresenta novas descobertas todos os dias. E, diferentemente do que pensamos, o foco não está necessariamente nos aparelhos revolucionários, no teletransporte ou nas máquinas que substituem as pessoas. A tecnologia está, na verdade, a serviço dos humanos, ou seja, quer preencher lacunas em nossa vida ou melhorar condições nocivas do dia a dia. “O futuro desejável é muito mais poderoso do que só almejar lucro máximo”, diz Ligia Zotini Mazurkiewicz, executiva com 15 anos de experiência na área.

Nessa proposta, cientistas repensaram todos os âmbitos da nossa vida, começando pelo local onde passamos – ou deveríamos passar – mais tempo: a nossa casa. Sim, aquela história de que a casa é um templo é bem verdade e pode ter impacto profundo na saúde e no bem-estar. Assim são os projetos da arquiteta paulistana Bia Casaccia, seguidora de uma corrente chamada biofilia. Calma, o nome é estranho, mas a técnica faz todo o sentido. Na prática, visa encontrar alternativas em projetos arquitetônicos que unam estética e funcionalidade, mas, acima de tudo, que tragam benefícios para a saúde. Inclui aumentar a conexão com a natureza, por exemplo, usando grandes janelas para a entrada de luz natural e a circulação de ar. “Nosso organismo não funciona corretamente sob luz artificial. E, à noite, precisamos de escuridão para produzir a melatonina, hormônio que regula o sono. Dependendo dos nossos hábitos e dos locais que frequentamos, não fabricamos os hormônios necessários”, explica Bia. Outra preocupação da biofilia é provocar uma ligação emocional com o lugar, criando um senso de pertencimento. Nesse ambiente, cuida-se da saúde mental do morador, algo muito além de só colocar um teto sobre a cabeça das pessoas.

Para Bia, essa trajetória se abriu quando ela percebeu que havia um descompasso em sua vida. “Sempre fui uma pessoa saudável, que praticava esportes, fazia ioga, meditação, me alimentava com produtos naturais, mas isso não se refletia no meu trabalho ou no escritório. Sentia necessidade de alinhar o propósito pessoal com o profissional. Essas coisas não poderiam estar separadas”, conta. Bia tinha uma carreira corporativa havia mais de dez anos, mas sonhava com um emprego que lhe permitisse ajudar as pessoas a seguir uma rotina com maior foco em saúde e bem-estar. “Sou formada em arquitetura e não queria virar médica, mas tinha vontade de contribuir com a sociedade”, afirma.

Sentia a necessidade de alinhar o propósito pessoal com o profissional. Essas coisas não poderiam ser separadas

Bia Casaccia
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Ela encontrou o meio-termo em um curso de construções sustentáveis, em que aprendeu a aproveitar melhor os recursos naturais e a reduzir o custo energético de uma obra. Mesmo assim, não estava satisfeita. Depois de algum tempo, descobriu o design biofílico. “Biofilia é amor à vida, ao próximo e a nós mesmas”, explica Bia.

Não havia referências da técnica no Brasil. Por intermédio do LinkedIn, Bia localizou a arquiteta americana Elizabeth Calabrese, que tinha trabalhado diretamente com o pioneiro da corrente, Stephen Keller. “Mandei uma mensagem sem nenhuma pretensão, e ela me respondeu.” As conversas se tornaram frequentes e culminaram no convite para participar da conferência Cities Alive, em Nova York, em 2018. O evento, focado em infraestrutura sustentável, reúne ativistas e profissionais do mundo todo. Bia voltou de lá pronta para abrir a própria consultoria no ramo. Agora, prioriza em suas construções materiais naturais, vegetação nativa (até de árvores frutíferas) e farta entrada de luz e ar. Também respeita formas orgânicas nos desenhos – num projeto de home office, fez uma mesa inspirada na fluidez de um rio. “Quanto mais conscientes formos da nossa evolução e da dependência do mundo natural, mais saudáveis serão nossos lares”, acredita.

Preenchendo Vazios

A Tecnologia a Favor da Saúde
Gabi Sartori é fundadora da Academia Brasileira de Neuroarquitetura e promove eventos para disseminar a técnica no Brasil (Julia Rodrigues/CLAUDIA)

Gabi Sartori andava angustiada. Na vida pessoal, sofria com a dificuldade de engravidar. No trabalho, a arquiteta e jornalista não sentia mais satisfação ao entregar projetos. “Minha reação foi ir atrás de autoconhecimento, queria entender o que estava acontecendo comigo”, lembra. “Busquei respostas em várias áreas, desde a espiritualidade até a neurociência, tudo junto e misturado”, entrega, rindo. Compreendeu que ou se desconectava totalmente da arquitetura ou incluía todos esses conhecimentos em seu trabalho.

O destino deu uma mãozinha e Gabi encontrou um artigo que tinha tudo a ver com a temática. Era sobre o trabalho de um cientista que comprovava o impacto do ambiente hospitalar na recuperação do paciente. Quanto mais iluminados os quartos e corredores, melhor reagia o enfermo. “A chavinha virou. Descobri a neuroarquitetura, que conecta soluções arquitetônicas com reações cerebrais e, consequentemente, comportamentais. Vi que o que eu fazia podia ter um sentido maior”, explica. Todo o desenrolar do projeto é baseado em testes e provas científicas. Durante as pesquisas, investigam-se, por exemplo, vibrações e umidade da pele para avaliar o que o cliente sente em resposta a cada escolha. “Como é tudo muito novo, ainda estamos descobrindo os caminhos e formas para colocar a técnica em prática com mais facilidade”, diz Gabi.

Descobri a neuroarquitetura, que conecta soluções arquitetônicas com reações cerebrais e, consequentemente, comportamentais

Gabi Sartori
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O maior polo de investigação do assunto é a Academia de Neurociência para Arquitetura (Anfa, na sigla em inglês), em San Diego, nos Estados Unidos, criada em 2003. De resto, são raros os laboratórios com essa especialidade. Como Gabi quer transformar futuro em presente, ela partilha o conhecimento adquirido nos últimos anos em cursos online. Em 2019, um workshop inicialmente programado para 80 pessoas precisou ser ampliado para abrigar 200, tamanha a procura, e ainda sobrou gente em uma lista de espera. Notando o crescente interesse, Gabi ajudou a fundar a Academia Brasileira de Neuroarquitetura, baseada em São Paulo. Este mês, acontece a conferência anual da organização, que já promete se tornar a maior da América Latina. Um dos temas em pauta é o impacto da tecnologia no setor. Usando a realidade virtual, por exemplo, será possível prever a reação provocada pelo ambiente com maior assertividade. “Temos nas mãos um enorme potencial para mudar o futuro”, afirma Gabi.

Sonhos e Futuros Possíveis

A Tecnologia a Favor da Saúde
A nanotecnologia é uma grande tendência na área de prevenção de doenças (Julia Rodrigues/CLAUDIA)

“Desde pequena eu queria ajudar a sociedade. Sonhava em ser presidente porque tinha ouvido alguém falando uma vez que só essa pessoa poderia resolver os problemas do Brasil”, diverte-se Ligia. Em vez de seguir a carreira política, ela foi para a área corporativa. Virou diretora na IBM Latam e, depois, na Aaxis Global. Mas trocou os altos cargos em empresas de tecnologia para perseguir um projeto pessoal. “Eu acredito que a tecnologia é uma inspiração divina. Por isso escolhi virar pesquisadora na área, atrelando esse interesse à educação”, diz.

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No comando do projeto Voicers, que ela define como um ecossistema digital de educação, Ligia roda o país participando de workshops, palestras e coordenando cursos. “A gente leva máquinas de ponta, ultramodernas, para as pessoas experimentarem”, conta com ânimo contagiante. Destemida, ela mesma se oferece para ser cobaia várias vezes. Hoje, tem um chip instalado na mão esquerda. É do tamanho de um grão de arroz e pode ser usado como cartão de crédito por aproximação ou como um cartão de visita que passa seus contatos para celulares. Mas, se ativado para outros fins, o dispositivo capta dados como batimentos cardíacos e qualidade do sono e entrega os resultados por aplicativo de telefone. Em alguns casos, guarda todo o seu histórico médico, acessível facilmente no caso de um acidente ou outra emergência. “Aplicar nanotecnologia no corpo humano é uma grande tendência, mas ainda assusta muita gente”, diz. Ela acredita que esses avanços vão melhorar a qualidade de vida das pessoas. “Serão tecnologias preventivas para a saúde.” O combate ao medo demanda informação, e Ligia quer enfrentar essa resistência. “As pessoas temem porque possuem como referência ficções como a série Black Mirror. Eu acho os episódios incríveis, mas muito distópicos; só mostram o pior da tecnologia e do ser humano. Não é só isso que existe”, afirma.

O futuro desejável é mais do que almejar lucro máximo

Ligia Zotini Mazurkiewicz

Por sorte, nem só de impressões negativas vive a indústria do entretenimento. Uma das maiores bilheterias do cinema dos últimos anos deu uma ótima demonstração do poder e da capacidade de transformação da tecnologia. Em Pantera Negra, Wakanda é um país africano com especialistas em ciência que usam o conhecimento para promover avanços médicos e facilitar ações rotineiras. “Wakanda é um lugar a aspirar”, afirma.

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O pioneirismo exige certa dose de resiliência. Essas três mulheres ainda passam a maior parte do tempo explicando a importância do que desenvolvem e defendendo a urgência de olharmos para a tecnologia como aliada do bem-estar. Quanto mais pessoas nesse time, mais rápida a entrada dessas técnicas na nossa vida. O futuro é agora e só não vê quem não quer.

 

texto Ana Claudia Paixão
fotos Julia Rodrigues

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