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Por que a tensão financeira está crescendo entre as famílias?

Com mais de 70% das famílias brasileiras endividadas, a relação com o dinheiro tem se tornado cada vez mais estressante

Por Lorraine Moreira
2 out 2024, 14h00
Tensão financeira
A tensão financeira compromete a qualidade de vida das pessoas (Mikhail Nilov/Pexels)
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Basta o salário entrar na conta para milhares de brasileiros destinarem o dinheiro ao pagamento de boletos e dívidas. Parece exagero, mas os números confirmam: 78,8% das famílias no Brasil estão endividadas, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). E a dívida pesa não só no bolso, mas também na saúde mental, com a chamada tensão financeira.

O que é tensão financeira e como ela afeta as pessoas?

A tensão financeira é a mistura de angústia, culpa e vergonha que surge quando alguém enfrenta dificuldades nas finanças. Esses sentimentos muitas vezes impedem o inadimplente de enxergar saídas, afetando tanto sua saúde mental quanto sua produtividade e qualidade de vida.

De fato, uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de proteção ao crédito (SPC) descobriu que a ansiedade é o sentimento mais comum para seis em cada dez entrevistados inadimplentes (63,5%). Estresse e irritação (58,3%), tristeza e desânimo (56,2%), angústia (55,3%) e vergonha (54,2%) também são experimentados pelos devedores.

A pressão é ainda maior para os superendividados. Pelos menos 70 milhões de brasileiros correspondem a esse grupo, que não consegue arcar com as despesas pessoais, como água, luz e alimentação, enquanto paga as dívidas. 

“Isso pode desencadear ansiedade crônica, depressão e insônia. A incerteza sobre o futuro e a vontade de manter contas em dia aumentam o estresse e dificultam a concentração em outras áreas da vida, afetando também a autoestima e a autoconfiança, o que cria um ciclo vicioso e agrava ainda mais a sensação de descontrole”, explica a psicóloga Marília Scabora.

Para diminuir esses sentimentos, muitos passam a evitar o problema: ignorar o saldo bancário, não abrir o aplicativo do banco ou até jogar os boletos fora são comportamentos comuns entre aqueles que estão sufocados pelas dívidas.

O pior é que os reflexos da tensão financeira não param por aí. Ela impacta tanto os relacionamentos pessoais quanto os profissionais. “Problemas financeiros podem gerar conflitos frequentes sobre gastos e prioridades em casa”, alerta a especialista. 

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No trabalho, o estresse reduz a produtividade, altera o humor e compromete a capacidade de tomar decisões racionais. “O profissional pode ficar distraído ou com dificuldade de concentração, o que afeta o desempenho e as relações com colegas e superiores.

A tensão financeira revela um problema muito maior

Muitos acreditam que a inadimplência é resultado de irresponsabilidade. No entanto, uma pesquisa do Serasa de 2023 mostra que 59% das dívidas no cartão de crédito são fruto de compras essenciais, como alimentos em supermercados.

Com 7,5 milhões de desempregados e 60% da população sobrevivendo com um salário mínimo per capita, segundo dados do IBGE, muitas famílias não conseguem arcar com suas despesas e acabam acumulando dívidas.

Outro fator que agrava o endividamento é a falta de educação financeira. Gastos incompatíveis com a renda e a ausência de uma cultura de poupança fazem com que, na primeira emergência, a conta não feche. Muitos sequer têm uma reserva – fundo com o equivalente a seis meses de despesas –, o que os deixa desprotegidos diante de imprevistos.

“A educação financeira deve ser uma prioridade. Nossa vida familiar, emocional e até nosso futuro dependem de uma boa gestão nas finanças”, afirma Igor Lucena, economista e CEO da Amero Consulting.

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Maioria das famílias está endividada no Brasil
A maioria das famílias do Brasil está endividada (Mathieu Stern/Unsplash)

Como criar um orçamento

Criar um orçamento é uma maneira de sair desse ciclo vicioso, mas isso exige encarar sua situação financeira e manter os pés no chão. “As pessoas têm uma tendência natural de serem otimistas em relação a promoções e ganhos financeiros, mas o melhor cenário é se manter na realidade”, indica Marcello Marin, contador, administrador, mestre em governança corporativa e especialista em recuperação judicial.

Considerando sua remuneração, pense no que vai ser destinado para despesas fixas ou variáveis, dívidas, reserva de emergência e futuros planos. O método 50-30-20 pode te ajudar: metade de sua renda vai para gastos essenciais, como aluguel e contas da casa; 30% para gastos não essenciais, como a internet ou streaming; e 20% para a reserva ou planos futuros. Em caso de dívida, será necessário enxugar os gastos para conseguir arcar com ela.

“Não considere apenas situações do dia a dia. Inclua também uma poupança de longo prazo e outra de curto prazo. A de curto prazo deve ser utilizada para crises e problemas financeiros, enquanto a de longo prazo deve ser pensada para o seu investimento de aposentadoria ou para um projeto de compra de uma casa”, recomenda Igor.

Como sair das dívidas

Existem estratégias para sair do endividamento. Renegociar as dívidas, fazendo portabilidade de financiamento para bancos com taxas menores, é uma indicada por Marcello. Cortar gastos que não são essenciais é outra necessidade. “Comida via delivery e carros de transporte, por exemplo.”

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Planejar o pagamento das dívidas a longo prazo, com juros mais baixos e parcelas adequadas ao orçamento, também é fundamental. “O mais importante é que, após o plano ser implementado e você ter parcelas a serem pagas em 12, 24 ou 36 meses, elas sejam incluídas no orçamento para que o endividamento não saia do controle”, afirma Igor.

Cuide de sua saúde emocional

A tensão financeira pode desencadear sentimentos de impotência, mas é possível encontrar equilíbrio. Aceitar a situação, criar um plano realista e buscar suporte emocional são passos importantes para retomar o controle.

“O planejamento traz uma sensação de organização. Práticas como mindfulness podem ajudar a reduzir a ansiedade e focar no presente”, aconselha Marília. Além disso, evitar comparações com outras pessoas e buscar suporte profissional — tanto psicológico quanto financeiro — são ferramentas eficazes para enfrentar o problema.

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