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A advogada que conquistou a maior condenação por racismo da história brasileira 

Vinda de uma família de trabalhadoras domésticas, a advogada Juliana Souza apostou na educação para mudar sua vida

Por Carol Castro
24 out 2024, 14h00
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  • A advogada Juliana Souza se reconheceu na dor de Titi, filha mais velha dos atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso. Aos quatro anos, a menina foi vítima de falas cruéis e racistas proferidas pela socialite Dayane Alcântara Couto de Andrade, conhecida como Day McCarthy.

    Juliana assumiu a defesa do casal em 2020 e, quatro anos depois, conseguiu uma vitória histórica: a condenação de McCarthy de oito anos e nove meses de prisão em regime fechado. Embora ainda caiba recurso, essa é a maior condenação por racismo e injúria racial na história do Brasil.

    “É um resultado emblemático pelo resultado. Mas também por eu também me ver nessa criança, eu também fui uma criança que sofria racismo. Isso, infelizmente, é muito corriqueiro”, conta Juliana. “São muitos sentimentos envolvidos, e, claro, muita técnica da excelência jurídica com a qual buscamos conduzir todos nossos trabalhos. Todos os clientes merecem a mesma atenção e cuidado, mas esse caso, particularmente, tem um lugar muito especial na minha vida.”

    Ela levou quase 30 anos para conseguir falar, sem chorar, do dia em que um menino da escola perguntou se a mãe arrancava o cabelo dela para lavar panela. E se lembra ainda hoje do riso da sala toda, quando disse à professora que seu sonho era ser juíza. “Foi um riso coletivo e durante muito tempo aquilo me incomodou. Hoje, eu entendo de onde vem esse riso. Do lugar de onde eu partia, para alguém como eu, era realmente algo praticamente impossível. Mas minha mãe sempre me disse que o impossível é provisório.”

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    A advogada Juliana Souza assumiu um caso de racismo contra Titi, filha de Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso
    Juliana Souza fundou o Instituto Desvelando Oris, em 2022, voltada para jovens e mulheres negras (Arquivo Pessoal/Reprodução)

    Nascida em Feira de Santana, na Bahia, Juliana saiu ainda bebê de sua cidade natal. A mãe, Tercília Conceição, fugia da violência praticada pelo pai da menina, que jurou as duas de morte, caso voltasse a encontrá-las. As duas foram parar em Osasco, na Grande São Paulo, onde as irmãs de Tercília viviam. Aos 12 anos, quando a sala toda riu do sonho de Juliana, ela morava numa favela chamada Escadão da Paz. “Morei lá por dois anos. E sempre digo: foi a minha maior escola”, lembra. 

    Naquela época, a mãe e as tias ganhavam dinheiro como trabalhadoras domésticas. E Tercília batalhou para que a filha pudesse, por meio da educação, viver uma vida diferente da sua. “Minha mãe sempre esteve durante muito tempo cuidando dos filhos dos outros para que a gente tivesse o mínimo de dignidade em casa. Por isso eu digo que sou muito feliz por vir de uma dinastia de trabalhadoras domésticas. E esse era o caminho pensado para pessoas como eu. Para alguém que vem do lugar de onde eu venho, era para eu também ser uma trabalhadora doméstica. A educação me transformou”.

    Dedicada aos estudos, Juliana entrou para o curso de Direito, na PUC, com bolsa do ProUni. Conciliava a faculdade com os estágios – era impossível se sustentar sem um salário para ajudar em casa. Mas essa não foi a primeira especialização da advogada, nem o primeiro emprego. Durante o ensino médio, ela se formou em eletricista de manutenção pelo Senai. Trabalhou ainda como digitadora e operadora de telemarketing. Só depois, aos 17 anos, começaria a trilhar o caminho para se tornar advogada.

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    Mas não foi fácil, foram muitos ‘não’ e olhares desacreditados lançados sobre a única aluna negra da sala. Em sua palestra no TedxSão Paulo, ela contou sobre um episódio no último ano da faculdade quando uma professora a reprovou em sua disciplina.

    “Eu precisava somente que ela antecipasse uma prova para mim, o que ela não fez para essa que vos fala. Mas fez para uma colega minha que foi para a Disney. Foi a minha primeira defesa, levei o caso para o conselho da faculdade. Resultado: 7 a 6 a meu favor. Mas o meu pedido não foi aceito. Me deram apenas a oportunidade de fazer a prova no ano seguinte”, conta. Com a decisão, Julliana não teve como participar da festa de formatura.

    Saiu da faculdade com um emprego na Unilever, trabalhou voluntariamente na Defensoria Pública de São Paulo, passou pelo Instituto Alana e pelo mandato da ex-deputada estadual Érica Malunguinho, do Psol. Em 2021, abriu seu próprio escritório de advocacia, o Souza’s Consultoria.

    Durante esse tempo, seguiu a mesma rotina da faculdade, dividida entre os estudos e o trabalho. Em apenas quatro anos, entre 2019 e 2023, se especializou em direitos fundamentais e processo constitucional pela Universidade de Coimbra, e virou mestra pela USP. Encontrou tempo ainda para escrever, em apenas 10 dias, seu primeiro livro Torrente ancestral, vidas negras importam? – Inquietações racializadas de uma mente preta dissonante.

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    Inquieta, ávida por mudar o rumo das vidas negras no Brasil, a advogada fundou o Instituto Desvelando Oris, em 2022, voltada para jovens e mulheres negras. “A minha mãe é co-fundadora do Instituto. A gente trabalha com educação e justiça voltado para mulheres negras e jovens, dando acesso à cultura e oportunidades no mercado de trabalho. Tem um curso de alemão e uma biblioteca, porque durante muito tempo eu não tinha em casa espaço para livros, um lugar silencioso”, conta.

    A advogada Juliana Souza assumiu um caso de racismo contra Titi, filha de Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso
    Juliana criou também o Fundo Esperança Garcia, para captar recursos voltados para assessorar juridicamente pessoas em situação de vulnerabilidade (Ariella Dashefksy/Divulgação)

    Recentemente, Juliana criou também o Fundo Esperança Garcia, para captar recursos voltados para assessorar juridicamente pessoas em situação de vulnerabilidade. Um dos jantares foi em Madri, com o atacante Vinny Jr., do Real Madrid. “Começamos os atendimentos esse ano, eu acredito que atendemos umas 300 pessoas. Temos um advogado e dois estagiários.”

    Juliana deixou a periferia de Osasco há muitos anos. Hoje, aos 33, ela vive com a mãe em um apartamento próprio nos Jardins, bairro nobre da capital paulista. Por anos, aquele CEP só era acessado por elas como local de trabalho da mãe. “Eu moro num prédio que fica ao lado de onde minha fez faxina durante muitos anos. Então é muito interessante observar e estarmos ali, ver como as coisas e as oportunidades acontecem nesse lugar. São outros assuntos, outras preocupações. É interessante ver como a gente consegue se conectar e dialogar com esses mundos, buscar maneiras de criar pontes”, finaliza. 

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