Ser magro é coisa de rico? Especialistas analisam o dilema
A relação entre magreza e riqueza mostra as desigualdades no acesso à saúde, alimentação e cuidados com o corpo
Antes do finado Twitter ser banido do Brasil, uma discussão para lá de complexa tomou as redes: ser magro é coisa de rico? Os internautas debatiam até que ponto o poder aquisitivo influencia o peso das pessoas. Embora o tema pareça superficial à primeira vista, ele toca em questões profundas sobre desigualdade social e acesso à saúde no Brasil.
Não é novidade que pessoas de classes mais altas têm maior acesso à alimentação saudável e atividades físicas, enquanto as classes mais baixas consomem mais ultraprocessados e dispõem de menos tempo para movimentar o corpo. Mas a questão ainda vai além.
A ativista Bela Gil defende que a alimentação saudável é aquela preparada em casa. Jornadas de trabalho exaustivas, porém, obrigariam muitas pessoas a optarem por refeições mais rápidas, menos nutritivas e mais acessíveis: os industrializados.
Produtos frescos, como frutas, verduras, peixes, acabam nos carrinhos de quem pode pagar caro uma alimentação com pouca gordura e açúcar. Refrigerantes e outros alimentos industrializados entram no cardápio dos mais pobres.
Não à toa, 125 milhões de brasileiros convivem com insegurança alimentar, muitos dos quais dependem mais ou estritamente de alimentos ultraprocessados, ricos em gorduras saturadas e carboidratos, com alto valor calórico.
Aliás, um estudo da UFMG ainda revelou que moradores de periferias tendem a consumir mais ultraprocessados, devido à baixa disponibilidade de opções nutritivas e à falta de informação sobre alimentação saudável.
Sem falar nas cirurgias plásticas. Alcançar o corpo magro e jovem significa ter cada vez mais intervenções cirúrgicas, e o Brasil é um dos países que mais realiza cirurgias plásticas no mundo. Só em 2023, foram mais de 3,3 milhões. E fazê-las custa caro.
Naomi Wolf, em O Mito da Beleza, discute como a busca pela magreza e perfeição estética criou uma indústria multibilionária que lucra com a insegurança das mulheres.
“O ciclo de consumo gerado por essa pressão é devastador, não apenas financeiramente, mas também emocionalmente”, afirma Mayra Cardozo, mentora de mulheres, advogada e especialista em gênero.
“Quem tem poder aquisitivo acessa inúmeros tratamentos inacessíveis para quem possui menos recursos. Para quem tem dinheiro, o céu é o limite. Não se trata apenas de cirurgias plásticas, mas também de reposições de diversas substâncias e a possibilidade de investigar doenças que muitas pessoas sequer descobrirão que têm”, acrescenta a médica nutróloga Ana Luísa, especialista em emagrecimento.
A pressão pela magreza e sua relação com a desigualdade social
Mulheres de classes mais altas têm acesso a procedimentos, tratamentos exclusivos, personal trainers e podem dedicar mais tempo à busca pelo ‘corpo ideal‘. Já aquelas com menos recursos enfrentam não apenas a dificuldade de atingir esse padrão, mas também o peso psicológico de sentir que estão “falhando” por não conseguirem investir em sua aparência da mesma forma.
A diferença no acesso a médicos, nutricionistas e personal trainers é evidente. “Quem possui recursos conta com uma série de vantagens: dietas balanceadas, tratamentos estéticos e cirurgias que ajudam a manter o corpo padrão”, acrescenta Marília.
“A capacidade de investir em tratamentos e cuidados com o corpo tornou-se um símbolo de status. Mulheres que podem arcar com esses custos são vistas como disciplinadas, enquanto as demais são estigmatizadas por supostamente ‘negligenciarem’ a própria saúde”, explica a advogada.
O impacto da pressão para ser magra
A busca por um padrão de beleza inatingível gera uma grande frustração. “Essa pressão financeira causa ansiedade e culpa, especialmente em mulheres que não têm recursos para investir em dietas caras, academias ou tratamentos estéticos. Elas muitas vezes se sentem excluídas e menos valorizadas, já que o cuidado com o corpo tornou-se um símbolo de status”, comenta Mayra
As redes sociais também reforçam padrões irreais, promovendo imagens editadas e ideais estéticos distantes da realidade, segundo Valeska Bassan, psicóloga especialista em transtornos alimentares. “Isso intensifica a frustração, sobretudo em mães que se comparam a influenciadoras ‘perfeitas”, aponta a psicóloga Marília.
A preocupação com o peso como forma de prisão
A preocupação com o peso não está apenas ligada à saúde. Se no passado a gordura simbolizava status — pelo acesso restrito à alimentação —, atualmente a magreza é valorizada como sinônimo de riqueza, pois implica tempo e recursos para cuidar do corpo.
Nada disso custa barato. A pressão social para ser magra afeta a autoestima e a saúde mental das mulheres, podendo levar ao desenvolvimento de transtornos alimentares e a sentimentos de vergonha e insegurança. “A preocupação excessiva com o peso está associada à depressão, ansiedade e à autocrítica constante”, explica a especialista em transtornos alimentares, Valeska.
Viver mais saudável e de forma possível
Mas viver de forma saudável é possível sem gastar fortunas. “Com a orientação certa, é possível montar uma rotina de exercícios em casa e seguir uma alimentação simples e acessível. O importante é ter clareza sobre o que fazer e fazer de forma correta”, afirma Kawê Melquíades. “Os profissionais precisam conhecer seus pacientes para ajudá-los a fazer escolhas acessíveis e saudáveis”, finaliza a nutróloga Ana Luísa.
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