Os problemas da naturalização do uso de esteroides
Em contrapartida da medida que proibiu o uso de hormônios para fins estéticos, houve um aumento da procura por anabolizantes, preocupando especialistas
Na busca por músculos cada vez mais volumosos e definidos, algumas pessoas encontram nos anabolizantes a fonte de seus desejos. Nada, porém, é de graça, e o corpo reage: entre as mulheres, perda de cabelo, retorno da acne, alteração da voz e crescimento exacerbado do clitóris (hipertrofia clitoriana) podem acontecer; nos homens, ginecomastia (aumento irregular das mamas), alterações bruscas de temperamento e disfunção erétil são algumas das consequências do uso descontrolado de esteroides.
A obsessão pela imagem corporal faz parte das sociedades desenvolvidas, que associam um físico esbelto e musculoso ao sucesso e atração sexual. Como resultado do fenômeno, surge a vigorexia, caracterizada pelo fanatismo aos músculos. Quem sofre do problema, o vigoréxico, geralmente recebe reforço social, com parabenização por sua condição física, sem que observem o que está por trás dela.
A validação das pessoas combinada à pressão social explica a procura cada vez maior pelos esteroides – segundo a Anvisa, três dos principais anabolizantes industrializados no mercado brasileiro tiveram crescimento de 45% em volume de vendas na comparação entre 2021 e 2019.
O uso de hormônios para fins estéticos é proibido no Brasil. “Os danos são maiores do que os benefícios, o que motivou a decisão do Conselho Nacional de Medicina de proibir esse tipo de prescrição em abril deste ano”, esclarece Clayton Luiz Macedo, endocrinologista e médico do esporte do Albert Einstein.
Mesmo assim, grande parte dessas drogas é vendida facilmente e entra no país de maneira ilícita, sem que se saiba exatamente de onde vêm ou como são fabricadas. Na pressa de conseguir o efeito desejado, muitos a utilizam em doses absurdamente altas que interferem no equilíbrio geral do organismo.
“Cânceres de mama e de endométrio, desequilíbrio do colesterol e aumento do risco de infarto, derrame e trombose são algumas das consequências”, afirma Maria Fernanda Barca, doutora em endocrinologia pela USP. O número de pessoas que utilizam esteroides, porém, é significativo: segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), 3,3% da população brasileira é usuária ocasional ou frequente das substâncias.
Reposição hormonal é o mesmo que usar esteroides?
Há quem confunda a reposição hormonal com os esteroides, mas existem diferenças importantes nas motivações, na quantidade aplicada e nos resultados. A primeira é usada por grupos com indicações muito precisas na medicina, quando existe a falta de hormônios e não há contraindicações, de acordo com Clayton. O segundo, entretanto, serve para rapazes e moças interessados em esculpir o corpo, dispostos a utilizar doses maiores.
“A terapia de reposição hormonal é utilizada para o tratamento de pacientes, não para fins estéticos”, diz a especialista. Pessoas na menopausa, por exemplo, podem sentir alívios dos sintomas em decorrência dessa reposição. A estratégia também é capaz de ajudar homens que envelheceram e estão com níveis de testosterona muito baixos.
A indicação passa a ser questionada por parte da comunidade científica quando atrelada a pseudociência, caso de mulheres que buscam elevar o desejo sexual, sem existir uma prévia investigação para saber se realmente a causa é hormonal, exemplifica o médico. “Ela pode ser sedentária, ter uma diminuição na libido por causa de antidepressivos ou ter algum problema no casamento, por exemplo. Precisamos considerar isso antes de fazer a recomendação.”
É possível ter um corpo musculoso sem esteroides?
Conquistar músculos sem o uso de esteroides é possível, mas até certo ponto. “Existem limites genéticos para a hipertrofia, além do próprio gênero impactar, dado que mulheres têm um grau de crescimento dos músculos menor”, afirma o especialista. “É muito difícil chegar em volumes musculares gigantes e com muita definição sem o uso de anabolizantes, mas é possível ter bons resultados com treino e alimentação, usando suplementação de proteína e creatina, principalmente, que possuem evidências científicas da eficácia”, acrescenta Maria.