Dopamina “barata”: os riscos do prazer imediato e de fácil acesso para a saúde
A exarcebada busca pelo prazer causado pela dopamina pode trazer danos graves para a saúde; entenda
Não conseguir ficar mais de cinco minutos sem rolar o feed das redes sociais e disparar curtidas, comprar por impulso, se esbaldar em alimentos ricos em gordura e açúcar, vício em jogos e vídeos curtos. Apesar de prazerosas, esses são todos exemplos de atividades responsáveis por proporcionar uma rápida sensação de prazer ou satisfação com pouco esforço ou custo.
Mas qual o problema nisso? Essa sensação rápida de prazer ganhou um nome popular: “dopamina barata“. E os efeitos negativos desencadeados por ela não são poucos – mas muito mais comuns do que imaginamos.
A “dopamina barata” está relacionada ao conceito de que essas atividades ou estímulos – como os citados acima – proporcionam um aumento rápido nos níveis de dopamina no cérebro, um neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa.
Apesar de atraentes por serem acessíveis e proporcionarem um retorno quase imediato, o prazer que essas atividades oferecem pode ser efêmero. Além disso, o uso excessivo dessas “dopaminas baratas” pode levar a uma menor capacidade de encontrar satisfação em atividades mais significativas ou que requerem mais esforço e tempo.
Para entender melhor os efeitos da dopamina, seja “cara” ou barata”, conversamos com médicos especialistas, que explicam os efeitos desse neurotransmissor no nosso corpo e os possíveis riscos dessa banalização.
O que é dopamina?
A dopamina é um neurotransmissor, ou seja, serve de ponte entre um neurônio e outro, facilitando a transmissão neuronal. “Ela leva a informação do cérebro para várias partes do corpo, tem inclusive ação no intestino e nos músculos”, explica Danielle H. Admoni, psiquiatra geral, pesquisadora e supervisora na residência de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo.
A dopamina desempenha um papel crucial em várias funções cerebrais e corporais, incluindo:
- Prazer e recompensa: A dopamina está fortemente associada ao sistema de recompensa do cérebro. Ela é liberada em resposta a prazeres ou recompensas, ajudando a reforçar comportamentos que são considerados gratificantes. Isso pode incluir atividades como comer, fazer exercícios ou alcançar metas.
- Motivação e atenção: A dopamina influencia a motivação e a capacidade de focar a atenção. Níveis adequados são importantes para iniciar e sustentar atividades, além de manter o foco.
- Movimento: A dopamina também é essencial para o controle motor. Deficiências nesse neurotransmissor estão associadas a distúrbios do movimento, como a Doença de Parkinson, que é caracterizada por tremores, rigidez e dificuldade de movimentação devido à degeneração dos neurônios dopaminérgicos.
- Regulação do humor: Ela tem um papel na regulação do humor e das emoções. Desequilíbrios na dopamina podem estar ligados a condições como depressão e esquizofrenia.
Basicamente, sua liberação é feita pelo cérebro e relacionada com a questão do prazer imediato. Então, quando acontece a liberação de dopamina, temos uma sensação de prazer, um aumento da satisfação e uma maior motivação.
A produção e liberação de dopamina são complexas e influenciadas por uma série de fatores, incluindo genética, ambiente, e experiências de vida. É importante manter um equilíbrio adequado de dopamina, pois tanto baixos quanto altos níveis podem ter efeitos adversos na saúde e no bem-estar.
Dopamina barata x dopamina cara
Os termos, que se tornaram populares, referem-se à sensação imediata e algo mais elaborado, conforme explica Vinícius Guimarães Dornelles, mestre em psicologia na área de Cognição Humana. “Em um sentido figurado, podemos usar os termos para diferenciar atividades que oferecem uma recompensa rápida e fácil, mas com consequências prejudiciais, e aquelas que exigem mais esforço e têm um impacto positivo e duradouro na saúde mental e física.”
Segundo ele, a “dopamina barata” geralmente está relacionada a atividades que oferecem uma satisfação imediata, como o uso excessivo de redes sociais, o consumo exagerado de junk food, jogos de azar, games, pornografia e açúcar. “Em excesso, podem levar a padrões de comportamento prejudiciais, como vício em tecnologia, problemas de saúde, como obesidade, e dificuldades financeiras”, explica o psicólogo.
Já a “dopamina cara” envolve um investimento maior de tempo e energia, mas traz recompensas mais sustentáveis, como o prazer obtido após a prática de exercícios físicos, o aprendizado de uma nova habilidade ou a construção de relacionamentos saudáveis.
Busca desenfreada por estímulos pode tirar satisfação da vida
O risco principal disso tudo é o desenvolvimento de um ciclo de dependência, em que a pessoa precisa de doses cada vez maiores da atividade para sentir o mesmo nível de satisfação.
Conforme alerta a psicanalista Ana Lisboa, “esse vício faz com que a maioria das pessoas sinta-se insatisfeita, ansiosa, aumentando a liberação de cortisol, perdendo a noção do tempo nas redes e se desconectando da realidade”. Além disso, a especialista explica que, por consequência, isso acaba influenciando no alto índice de depressão que ocorre na sociedade. “Essa sensação de vazio existencial, comparação e aceleração constante é suprida por prazeres mais rápidos que por vezes são comida (o que inflama a pessoa e provoca ainda mais disfunções) ou até mesmo compras (o endividamento)”, complementa.
“Como mamíferos, estamos sempre em busca do prazer. Então, a partir do momento em que há a liberação rápida e imediata de dopamina, queremos sempre sentir aquilo. Mas como não é possível, ficamos em busca do que levou a essa liberação de dopamina. Mesmo que a médio ou longo prazo saibamos que não faz bem, como, por exemplo, o uso de drogas ou exposição a situações de risco, inclusive na vida sexual”, explica Danielle H. Admoni.
“A busca constante por recompensas fáceis pode desregular o sistema de dopamina, tornando mais difícil sentir prazer em atividades mais complexas ou de longo prazo”
Vinícius Guimarães Dornelles, mestre em psicologia
E mais, como em qualquer tipo de vício, a pessoa passa a direcionar toda a sua vida para fazer uso daquilo do qual está viciado. “Isso faz com que a pessoa, gradualmente, vá restringindo a sua vida até o ponto em que só sobre a sua adicção. Esse ciclo pode resultar em problemas como ansiedade, depressão, isolamento social e dificuldades em manter a produtividade ou realizar tarefas mais desafiadoras. Além disso, a busca constante por recompensas fáceis pode desregular o sistema de dopamina, tornando mais difícil sentir prazer em atividades mais complexas ou de longo prazo“, relata Vinícius Guimarães Dornelles.
Problema mais comum do que imaginamos
Uma pesquisa feita em 2022 revelou que o Brasil está no quarto lugar no ranking de vício em smartphones. A análise foi feita com 33.831 pessoas de 15 a 35 anos em 24 países, e nosso país ficou atrás somente da China (1º), Arábia Saudita (2º) e Malásia (3º).
Além do mais, basta uma conversa com pessoas próximas para analisar que o vício em redes sociais, jogos, fast food, pornografia e vídeos curtos é extremamente recorrente. Na visão dos especialistas, esse cenário é cada vez mais preocupante.
“Isso pode nos desconectar de atividades que requerem paciência e dedicação, como o desenvolvimento de habilidades ou a manutenção de relacionamentos”
Danielle H. Admoni, psiquiatra geral
“É um problema crescente, especialmente na sociedade atual, em que estamos constantemente expostos a estímulos rápidos e gratificações instantâneas”, aponta o psicólogo. Conforme ele observa, a velocidade com que as recompensas são disponibilizadas hoje, a facilidade de acesso e alta disponibilidade de estímulos que desencadeiam “dopamina barata” criam um ambiente onde o cérebro é bombardeado por pequenas doses de dopamina.
Para Danielle, o resultado disso é que as pessoas têm tido muita dificuldade em substituir esse prazer imediato, que nem sempre é benéfico, por um prazer a médio e longo prazo. “Com essa questão muito mais imediatista que temos vivido, as pessoas querem prazer sem pensar muito sobre o que vai acontecer amanhã ou depois, mesmo que isso traga prejuízo.”
O resultado disso é cada vez mais evidente, a ponto de não conseguirmos, por exemplo, prestar atenção num filme sem usar o celular: “Isso pode nos desconectar de atividades que requerem paciência e dedicação, como o desenvolvimento de habilidades ou a manutenção de relacionamentos, e é algo que precisamos abordar com maior atenção”, conclui o especialista.
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