Amanda Ramalho fala sobre Autismo em seu novo Podcast
Jornalista recebeu o diagnóstico de Ansiedade e Depressão aos 16 anos. Agora, 20 anos depois, precisou lidar com um novo: o Transtorno do Espectro Autista
A saúde mental provavelmente nunca esteve tão em pauta – muito por conta da pandemia do coronavírus, sim. Mas, se hoje ainda é difícil falar e lidar com esses temas, décadas atrás era praticamente impossível ter informações acessíveis e verídicas sobre os diagnósticos e tratamentos. Quando tinha 16 anos, Amanda Ramalho, apresentadora e comunicadora nascida no Capão Redondo, periferia de São Paulo, precisou de ajuda para entender o porquê era “diferente” dos outros.
Na escola, tinha poucos amigos, chorava com frequência e gostava de ficar mais isolada. Na adolescência, esse sofrimento se tornou ainda maior, o que ligou o alerta em sua mãe, que decidiu buscar ajuda. “Eu menti durante um ano para a minha terapeuta porque eu queria alta. Eu achava que se eu inventasse histórias sobre a minha vida social e me mostrasse uma pessoa feliz, eu teria isso”, conta Amanda. Mas, não foi bem assim.
Quando a adolescente disse para sua mãe que não queria mais fazer as sessões, ela foi conversar com a psicóloga que, então, revelou esses traços da jovem. “A psicóloga disse para a minha mãe que eu tinha uma depressão profunda e mentia compulsivamente, e que ela não me conhecia. Por isso, não podia dar um diagnóstico, afinal, não sabia o que eu poderia fazer com essa informação. Então, foi importante essa ida da minha mãe até ela”, relembra.
A partir daí, Amanda passou a frequentar um psiquiatra e, com o diagnóstico de ansiedade e depressão, conseguiu dar nome a algo que sentia – e não sabia o que era. “Eu achava que era uma questão exclusivamente minha. E, com essa descoberta, entendi que eu não era louca ou má. Para mim, isso foi muito importante, porque eu já estava com uma depressão muito forte e aí entendi que existia um tratamento”, diz.
A comunicação como carreira e o foco em saúde mental
Passando a lidar melhor com esse diagnóstico, Amanda cresceu e decidiu seguir carreira na comunicação – algo que já sabia que queria fazer desde pequena. “Sempre brinquei de programa de rádio. Como eu passava muito tempo sozinha, gravava fitas e imitava jornalistas que eu gostava. É claro que eu não tinha consciência do que eu queria comunicar, era mais uma brincadeira, mas vejo que sempre gostei disso”, diz.
Formada em jornalismo, em 2005 entrou no Grupo Jovem Pan e, por mais de 15 anos, foi apresentadora do Pânico na TV e Pânico no Rádio. Com isso, teve uma grande exposição, que refletiu em seu interesse pela saúde mental. “Me ajudou a aprender a comunicar, mas me prejudicou porque foi uma hiperexposição e hoje eu entendo que isso é uma agressão, e que eu não gosto disso”, conta.
Na época, Amanda era chamada de “chata” ou “mal-humorada” pelos telespectadores do programa – e hoje percebe que a imagem era essa porque aquilo não a fazia bem. “Existe uma exposição necessária na profissão e até onde eu me exponho, eu gosto, mas aquele alcance que eu tive eu sei que eu não faria outra vez. A gente aprende até onde a gente pode ir e não precisa se sentir agredido, né? É uma escolha também”, completa.
A criação do Esquizofrenoias
Em 2018, Amanda decidiu falar mais do assunto em um Podcast para chamar de seu, o Esquizofrenoias. Na época, quando o formato em áudio estava prestes a ter uma ascensão maior, uma produtora a convidou para ter um programa. “Eu já me sentia muito deslocada do meu trabalho e, apesar de achar que ninguém se interessaria pelo tema saúde mental, era o assunto que eu mais queria falar”, conta. Após uma temporada em formato de teste, o Podcast nunca mais parou.
Nesse meio tempo, uma pandemia assolou o mundo e, então, o tema ficou em alta. “Na época, eu percebia que o interesse no Podcast era por pessoas que conviviam com alguém que tinha um diagnóstico em uma procura mais educativa mesmo. Depois, as pessoas que nunca procuraram sobre esse assunto começaram a buscar informações. Foi um salto! Acredito que se não tivesse uma pandemia no meio, o interesse seria mais lento”, diz Amanda.
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O Transtorno do Espectro Autista
No ano passado, aos 36 anos, Amanda encarou um novo diagnóstico: o do Transtorno do Espectro Autista, o que não foi uma surpresa total. “Eu entendia que o meu terapeuta já ventilava o assunto, até indiretamente”, comenta. Meses se passaram, o profissional questionou se esse diagnóstico poderia existir para ela.
“Eu achava que não era possível porque, para mim, o estereótipo de uma pessoa autista era alguém muito inteligente, o que eu não me considero. Eu até me identificava com alguns trejeitos, mas ainda carregava essa imagem de que era alguém superdotado”, lembra. Daí, Amanda foi atrás do diagnóstico oficial – o que ela considerou um processo difícil, até para conseguir lidar e expor isso no Esquizofrenoias.
A forma que encontrou para fazer isso, sem sentir aquela invasão que a agrediu em uma época, foi estudar junto. “Decidi entrevistar pessoas e aprender com elas. Desde o primeiro episódio é notável como o meu conhecimento vai sendo adquirido”, explica.
Antes disso tudo, existiu também o processo de dividir essa informação com familiares e amigos, claro. “Quando contei para a minha mãe, ela ficou muito mal por não ter ‘percebido’ antes. Ela procurou ajuda, mas era a ajuda que a gente tinha recurso na época. Então, foi duro para ela”, lembra Amanda. A jornalista também começou a estudar o assunto e passar a reconhecer características do autismo em sua vida. “O diagnóstico no papel era importante, mas eu precisava materializar algumas excentricidades”, completa.
O diagnóstico tardio e a difusão da informação
Para Amanda, o diagnóstico do autismo veio com um tabu para ela – mesmo já trabalhando com saúde mental. “Eu entendi que as pessoas ainda não estavam olhando para isso. Abrir um espaço para a fala e escuta foi essencial. E eu não tenho vergonha de falar que eu não sei”, diz sobre a criação do Amanda no Espectro, novo quadro dentro de seu Podcast.
Nas conversas, ela entendeu que não está sozinha e que tem uma galera que também precisa falar e ser ouvida. Nesse tempo, ela já encontrou pessoas na rua que foram agradecê-la por elucidar o tema. “Quando eu faço o meu trabalho, eu não mensuro o alcance e daí, quando eu tenho esse reconhecimento, percebo que as pessoas ouvem de fato – e é muito legal porque eu entendo que eu posso continuar fazendo.”
E isso não significa que foi um processo fácil o da aceitação do diagnóstico, pelo contrário. “Eu sofri demais, porque ficava revisitando os códigos que eu não sabia. Até mesmo o fato de não dar risada em um programa de rádio, sabe? Respostas rápidas, brigas que eu começava e não eram necessárias… Hoje entendo que isso foi porque eu não sei ler muito bem expressões. Sofri por revisitar alguns”, lembra.
O diagnóstico tardio do Autismo pode ser sofrido para algumas pessoas, muito por conta das lembranças que poderiam ser diferentes na infância e adolescência, mas também muito esclarecedor – e foi assim para a Amanda. “As pessoas esperavam de mim um comportamento que eu não conseguia responder. Se eu tivesse um diagnóstico naquela época, talvez eu saberia que isso era uma característica minha e seria mais leve em determinadas situações”, diz.
Sobre o novo quadro, Amanda reforça a construção. “Eu não acredito muito no meu papel social, mas acho que, se eu racionalizar, ele existe sim – então, talvez tenha sido no momento certo.” Com o ‘Amanda no Espectro’, a jornalista quer passar informações, aprender junto e quebrar alguns preconceitos. “É ser uma voz. Eu aprendi, até por conta do autismo, a me comunicar e é isso que eu sei fazer. É a minha profissão e eu sei que é um privilégio trabalhar com o que se gosta, mas se eu posso fazer isso e de uma forma que chegue nas pessoas, que seja um bom exemplo. Jogar para a primeira pessoa te humaniza e faz com que as pessoas se sintam em comunidade”, finaliza.