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#TemQueFalar: “Eu tinha 8 anos e ele me obrigava a fazer sexo oral”

Nossa leitora Marcela*, hoje com 42 anos, fala sobre a violência que sofreu na infância e adolescência

Por Redação CLAUDIA
Atualizado em 22 out 2016, 15h59 - Publicado em 31 out 2015, 18h44

Na última semana, as mulheres brasileiras se uniram em torno do tema #PrimeiroAssédio, capitaneado pelo grotesco ataque sofrido por uma participante do MasterChef infantil – ela tem apenas 12 anos. A mobilização levou muitas delas a compartilhar em suas redes sociais casos semelhantes ou ainda mais graves, que deixam seqüelas profundas em suas vítimas. Algumas delas, porém, preferiram guardar suas histórias para si, por medo de ser identificadas por seus agressores. Publicamos a história de uma leitora que, 15 anos após um ataque sexual, ainda tem medo de ser encontrada. Não demorou para que outras mulheres nos procurassem. Em comum, o desejo de dividir seus traumas, medos e culpas. Especialistas apontam que falar sobre eles é uma das maneiras eficientes de superá-los. Por isso, criamos o movimento #temquefalar. Um espaço de cura, que incentiva a troca de experiências e, sobretudo, traz o assunto à tona, para evitar novas vítimas entre crianças e mulheres. Clicando aqui, você lê o depoimento de Mariana, 46 anos. A seguir, o depoimento de Marcela, 42 anos:

“Quando eu tinha oito anos, meus pais precisaram ser operados na mesma época: minha mãe por causa de uma apendicite e meu pai, em função de uma hérnia. Eles foram ao hospital apreensivos com o custo das cirurgias. Lá, o médico, que tinha 38 anos, perguntou se eles tinham filhas. Meus pais responderam que tinham cinco meninas e ele disse que podiam ficar despreocupados: ele faria as cirurgias e depois acertariam o valor. Em uma festa na nossa cidade, no interior do Maranhão, o médico me viu e falou que já sabia como seria o pagamento: nas férias escolares, eu iria para a casa dele, em uma fazenda, ajudá-lo a cuidar de sua mãe. Meus pais concordaram. Em novembro, eu tinha acabado de completar oito anos quando meu pai simplesmente me entregou para o médico.

Já no primeiro dia, ele me bateu. Nas semanas seguintes, começou a falar que era para eu tirar a calcinha e passava a mão pelo meu corpo todo. Ele me forçava a fazer sexo oral, às vezes com uma arma na minha cabeça  ele tinha uma coleção de armas. Eu chorava, passava mal, não entendia o que estava acontecendo. Eu me lembro bem: tudo o que eu sabia sobre aquelas partes do corpo que tanto o interessavam é que eu tinha dois buraquinhos  um para fazer xixi e outro para fazer cocô. Eu pensava que os bebês vinham para o mundo trazidos por uma cegonha. E, no entanto, eu estava ali, começando a minha vida sexual de maneira completamente precoce e forçada. Poucos anos depois começaram as penetrações.

Fui nutrindo um ressentimento enorme em relação aos meus pais, que nunca voltavam para me pegar. Aos 13, 14 anos, fiz tentativas de voltar para casa, mas eles não me aceitavam, davam desculpas. A realidade é que se sentiam em dívida com o médico e concordaram em vender a própria filha. Mas eles ainda não sabiam dos abusos: eu não tinha coragem de contar nada. Quando finalmente souberam, não foi por mim, mas por um adversário do médico, que, a essa altura, tinha começado sua vida política. A acusação de pedofilia feita pelo rival virou manchete nos jornais. Meu pai e meu tio ficaram com raiva dele, disseram que iriam matá-lo. Mas não pense que eles ficaram ao meu lado: o discurso da minha família era que eu devia ter provocado aquilo de alguma forma. No fim, minha família deixou o assunto morrer. Me aceitar de volta, nem pensar. Apesar das acusações públicas, nada mudou: continuei morando com ele e me sentindo completamente sozinha.

Dizem que a vítima se afeiçoa a seu algoz tem um nome para isso, Síndrome de Estocolmo. Mas eu sentia muita raiva ou nojo dele, dependendo do dia. Não sentia afeição, mas dependência dele, da casa, daquele modo de viver que me foi imposto. Aos 17 anos, engravidei da primeira filha dele. Vieram mais duas.

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Ele me dava presentes, dizia que gostava de mim. Me deu inclusive joias e colocou um apartamento no meu nome. Fui conhecendo políticos amigos dele e investindo nos meus estudos. Esse foi meu jeito de, com mais de vinte anos, mudar o rumo da minha vida: fiz faculdade, passei em um concurso e me mudei para Brasília com as minhas filhas. Aqui vivo como servidora pública. As três moram comigo e já estão formadas.

Elas sabem de tudo o que passei e falavam com o pai até pouco tempo atrás, quando descobriram que ele tinha engravidado uma menina de 21 anos que morava com ele desde os 14. Pois é assim que ele vive até hoje: atualmente é prefeito de uma pequena cidade e continua custeando meninas pobres desde muito novas e molestando-as. Todo mundo da cidade sabe, mas o poder dele é enorme.

Até hoje choro por causa da minha infância, tão virada do avesso. É difícil me relacionar com esses fatos até hoje, porque, afinal, esta é a história da minha vida, é passando o que passei que tive minhas filhas, que amo… É confuso ter náuseas com a própria biografia. Só sei que foi tudo difícil e dolorido demais. Sexo é coisa de adulto. Marca a vida de uma criança eternamente. Tive muita dificuldade para me relacionar normalmente com outros homens: foram dois namorados depois que me mudei para Brasília. Fico feliz fazendo este relato motivado por este movimento maravilhoso chamado feminismo, que movimenta as redes sociais, que faz as pessoas pensarem a respeito e que assusta e intimida abusadores em potencial.

Nem todo molestador é psicótico. Muitos fazem o que fazem por prazer: sabem que aquilo é errado, mas agem assim porque se sentem donos do corpo da mulher ou da menina. É preciso mudar essa cultura de estupro, que vê o corpo da mulher como um objeto. Os homens precisam entender que mexer com as mulheres na rua, por exemplo, é falta de educação: ele não tem o direito de abusar com palavras ou fisicamente de mulher alguma. Quando estamos falando de meninas, é preciso lembrar que, em várias regiões do Brasil, a pedofilia é vista como normal. Não é normal. É um homem tomando para si um corpo que não lhe pertence. Ele não faz isso porque é maluco ou doente, mas porque não tem o menor respeito por aquela mulher, aquela pessoa. Mas acho que isso está mudando. Ver todo o movimento em cima desse tema na imprensa e nas redes sociais é algo que me deixa muito feliz. O Brasil ainda está engatinhando para mudar esta cultura, mas está mudando.” 

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