Projeto conta histórias de mulheres que mudaram de vida através da gastronomia
Com participação da chef Ana Luiza Trajano, o 'Cozinheira & Brasileira' seleciona receitas e histórias ligadas às tradições da culinária nacional
O brasileiro vive uma relação de amor com a comida, principalmente quando a receita tem ligação afetiva ou carrega um valor sentimental e cultural. Às vezes, só de sentir o cheiro de uma determinado prato, já somos levados à infância e voltamos a momentos alegres em família e comunidade.
Uma pesquisa encomendada pela 99Food e realizada pelo Datafolha e Ipsos, em parceria com Instituto Brasil a Gosto, da chef Ana Luiza Trajano, mostra como o Brasil valoriza os pratos regionais. Os resultados apontam que 41% dos entrevistados consideram que consumir pratos locais é uma forma de valorizar a cultura de sua região, enquanto 29% entendem que a comida local os conecta com seus familiares.
83% dos entrevistados têm o costume de comer pratos típicos de seus estados. O Nordeste se destaca como a região com a ligação mais forte com sua cultura gastronômica (93%), seguida da região Sul (87%). As tradições alimentares estão presentes na base familiar e, muitas vezes, uma receita marcante é passada de geração em geração.
Além disso, a comida típica mantém tradições e valoriza as raízes. O estudo mostra que 28% dos participantes acreditam que consumir a comida local é uma forma de manter as tradições vivas.
Durante a pandemia, 64% dos brasileiros passaram a pedir mais delivery e 65% pedem comida pelo menos uma vez por semana. Os pratos mais pedidos sempre tem ligação com alguma memória afetiva, já que, segundo dados do Datafolha, a comida regional é valorizada por 83% dos brasileiros, por isso seu consumo cresceu nas plataformas de entrega de comida.
A cozinha brasileira de Ana Luiza Trajano
Com o objetivo de valorizar as raízes brasileiras e a comida local, a 99Food lançou o Cozinheira & Brasileira, um projeto que selecionou receitas de pratos típicos de diferentes regiões, ligadas às histórias de famílias e tradição, todas preparadas por mulheres. A iniciativa é realizada em parceria com o Instituto Brasil a Gosto, da Ana Luiza Trajano, que foi responsável pela curadoria, pesquisa e divulgação do projeto.
Desde pequena, Ana Luiza Trajano, presidente do Instituto, tem uma relação muito próxima à comida. Ela “era a menina que trocava as bonecas para ficar ao pé do fogão das avós”. A chef criou a organização por acreditar na valorização dos ingredientes nacionais e em ampliar os saberes e sabores da cozinha brasileira.
Além do portal com as receitas, algumas cozinheiras participam também de uma websérie realizada pelo projeto, onde vão compartilhar suas histórias e contar sobre o preparo de pratos que as tornaram pequenas empreendedoras e como a cozinha foi o caminho encontrado para a geração de renda da família.
Cozinheira & Brasileira: as participantes do projeto
Ceiça, da Quentinhas da Cheff
Maria da Conceição Melo, chamada carinhosamente de Ceiça, é uma das integrantes. Os pratos do seu negócio, Quentinhas da Cheff, fazem sucesso em Recife (PE), sua cidade natal, principalmente o guisado de boi e a feijoada – as duas receitas mais pedidas.
O gosto pela cozinha vem de família, mas nem sempre foi seu grande sonho, Ceiça sempre quis ser recepcionista hospitalar. As dificuldades, inicialmente, a impediram de fazer os cursos necessários, então começou a trabalhar em outras áreas, sempre relacionadas à cozinha.
Aos poucos, entre erros e acertos, foi pegando gosto por cozinhar, e assim Ceiça foi acumulando conhecimento. Apesar disso, não se esqueceu do sonho de ser recepcionista hospitalar, e conseguiu fazer o curso. Começou, então, a trabalhar em um hospital, e novamente se aproximou da copa. Conversando com uma copeira, ficou deslumbrada com a possibilidade de cursar gastronomia.
Passou no vestibular e, durante a faculdade, teve certeza de que “nasceu para cozinhar”. “Fazer comida é um mundo imenso, cheio de conhecimentos e possibilidades. É muito gostoso, você conhece outra cultura, outros temperos, modos de cocção”, conta Conceição. No curso, ela teve contato com o empreendedorismo e decidiu abrir seu próprio negócio, o Quentinhas da Cheff.
A cozinha sempre esteve presente em sua trajetória e ela brinca que foi responsável pelo seu atual casamento. No primeiro encontro com o marido ela cozinhou guisado de boi, uma de suas especialidades. “Desde então, ele nunca mais parou de me ligar para pedir meu guisado”, conta. Seis meses depois, se casaram: “Conquistei meu marido pelo guisado de boi”.
Poliana, do Macarrão das Meninas
Nascida e criada em Belo Horizonte (MG), Poliana Rosa Madureira comanda o “Macarrão das meninas”, carregando a tradição de sua família. Aos 7 anos, preparou sua primeira refeição com os aprendizados de sua mãe. “Ela ia me mostrando sempre, explicando o que estava fazendo”, conta a mineira.
A comida foi aprovada por todos e Poliana passou a cozinhar com frequência. “Eu sempre pensei: ‘Quando crescer quero dar uma vida melhor para meus pais, porque vi a luta deles para criar eu e minhas irmãs”, lembra. Por isso, começou a trabalhar aos 12 anos, cuidando da casa e do filho de uma professora. Desde então, nunca parou de trabalhar e também teve experiência em bufês e, por 12 anos, cozinhou para a diretoria de uma grande empresa.
Poliana só parou de trabalhar para cuidar dos três filhos e, quando voltou decidiu montar uma barraquinha de rua com sua irmã mais nova, Veridiana. O nome do espaço, Macarrão das Meninas, montado em frente à sua casa, veio da forma como os clientes se referiam à dupla. A especialidade é o macarrão na chapa, um verdadeiro sucesso da comida das ruas de Belo Horizonte.
“O pessoal fazia fila para comer meu macarrão”, conta, orgulhosa. Apesar do sucesso dos pratos, Poliana passou por imprevistos e fechou a barraquinha por um período. Na época, começou a trabalhar em um restaurante, que, com a pandemia, fechou.
Após ficar sem renda, decidiu empreender novamente e voltou com o Macarrão das Meninas, por “telemarmitex” – um serviço de entregas de marmitas por telefone e aplicativos de delivery. Sua volta foi marcada pelo sucesso e aprovação dos clientes, que sempre elogiam seu tempero. “A minha vida toda se resume à comida, eu durmo e acordo pensando, falando e fazendo comida”, conta Poliana.
Luciene, do Restaurante e Lanchonete da Nena
Luciene Caetano dos Santos, 48, nasceu em Brasília, mas vive em Goiânia há mais de uma década. Dona do Restaurante e Lanchonete da Nena, sua especialidade é a vaca atolada, uma costela suína preparada com mandioca – o prato é um dos mais pedidos no estabelecimento. “Eu não me vejo fazendo outra coisa que não cozinhar”, conta a cozinheira.
Nena sempre acompanhou seus dois filhos nos estudos e trabalho. Em uma das idas à faculdade do mais novo, se encantou e decidiu cursar gestão e recursos humanos. Na matéria de empreendedorismo, fez um projeto e se apaixonou pela possibilidade de ter seu negócio.
Após terminar o curso, trabalhou na padaria de seu filho mais velho por dois anos, até que decidiu colocar em prática o projeto que criou na faculdade. Com dinheiro emprestado do filho mais novo, ela começou a vender caldos e jantares para clientes de um dos seus últimos empregos.
Em seguida, começou a vender almoço e marmitex. Hoje, ela expandiu o negócio e vende salgados, espetinho e outras opções, além do almoço e jantar. “Tudo que a gente faz vende, acho isso muito bom”, conta sobre as possibilidades culinárias.
A paixão de Nena pela cozinha foi crescendo com o tempo e, hoje, ela não se imagina fazendo outra coisa. Uma das marcas registradas de seu restaurante é o gosto caseiro e o carinho colocado na preparação de cada prato. Ela faz questão de criar e colocar seu toque especial em cada receita: “Tudo que eu faço é do meu jeito, com amor”.
A cozinheira planeja expandir seu negócio sem deixar a produção e o gosto caseiro de lado. Ela escuta muito que seus pratos lembram “comida de mãe” e sempre levam os clientes a suas memórias afetivas. “Eu penso em atingir um número maior de clientes, mas a cozinha é minha, não abro mão, gosto mesmo”, explica Nena.