Excesso de trabalho e fake news levam profissionais da saúde ao limite
Segundo estudo da Fiocruz, a pandemia impactou de modo significativo na vida de 95% desses combatentes
Falta de estrutura para os pacientes, jornada de trabalho dupla de 80 horas semanas, escassez de equipamentos de proteção individual e desinformação. O cenário da pandemia do novo coronavírus no Brasil é semelhante (ou pior) ao contexto de guerra. Os danos são severos para as pessoas que atuam para salvar vidas.
Nesta segunda-feira (22), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou o resultado de uma pesquisa que analisou o impacto da pandemia no dia a dia dos profissionais de saúde, que contou com a participação de cerca de 25 mil pessoas.
Os dados expressam a realidade caótica, que cresceu exponencialmente nos últimos meses. 95% dos entrevistados confirmaram que a pandemia impactou “de modo significativo” em sua vida. Metade dos profissionais reclamou do excesso de trabalho, que para 45% foi apontado como forma de sobrevivência.
Alaíde Alves, 65 anos, trabalha há 42 anos como técnica de enfermagem na rede pública de São Paulo. A profissional precisou se afastar do trabalho por pertencer ao grupo de risco até receber a vacina. No retorno às atividades, ela observou que “o estresse dos funcionários impacta no relacionamento interpessoal. Um desconta no outro”, afirma.
Segundo a técnica, o movimento é reflexo da pressão que todos sofrem da organização da unidade. “Não temos nenhum suporte psicológico. Você já imaginou o que é trabalhar 80 horas semanais?”, desabafa ela, que viu um paciente com Covid-19 precisar ser isolado com um lençol. Para 10,4% dos entrevistados, a “insensibilidade de gestores para suas necessidades profissionais” agrava o problema.
Além do desamparo à saúde mental, itens básicos de proteção, como a máscara N95, são raridades. “Não podemos trocar nem semanalmente. Então, usamos a máscara cirúrgica por baixo. Alguns funcionários compram as suas por conta própria”, relata.
De acordo com o levantamento, 43,2% dos entrevistados não se sentem seguros dentro do ambiente de trabalho, principalmente pela escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Assim como a Alaíde, 64% confessaram improvisar os itens oferecidos para evitar principalmente a contaminação dos pacientes que não estão com Covid-19.
Como eles ficam por dentro
Após um ano imersos nessas condições extremas, os profissionais compartilharam quais são as principais alterações sofridas por eles. No topo do ranking está problema com sono (15,8%); seguido de irritabilidade, choro frequente e distúrbios em geral (13,6%); incapacidade de relaxar e estresse (11,7%); dificuldade de concentração e raciocínio lento (9,2%). Sentimentos, como tristeza e apatia, e até pensamentos suicidas também foram relatados, assim como alteração no apetite.
Aproximadamente um quarto dos entrevistados ainda definiu o trabalho como exaustivo e 14% como uma rotina “no limite da exaustão.” Segundo 90% desses profissionais, as notícias falsas prejudicam ainda mais o enfrentamento à doença.
Além de impactar no uso imprudente de medicamentos, as fake news impactam até na convivência deles com uma parcela negacionista da sociedade. 33,7% dos entrevistados já sofreu discriminação de vizinhos, por exemplo.