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Sono? Ganho de peso? Cansaço? A pandemia mexeu com seu metabolismo

O confinamento reduziu nosso gasto de energia e isso mexe com o metabolismo. Entenda como funciona o processo e o que pode ser feito para controlá-lo

Por Pedro Nakamura e Sílvia Lisboa • Colaboraram Maurício Brum e Juliana Coin
22 mar 2021, 10h00
xícaras de café num fundo cor-de-rosa
 (Westend61/Getty Images)
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Faça o teste. Suba e desça uma escada com a qual estava acostumada. Percebe que o fôlego acaba? Quando você volta do supermercado carregando sacolas, sente o braço formigar devido ao peso? Se a resposta foi “sim” às duas perguntas, é sinal que os doze meses de confinamento cobraram seu preço.

Estudos recentes constataram que o sedentarismo forçado, causado pelas necessárias medidas de isolamento para conter a disseminação da Covid-19, estão mudando a nossa fisiologia. “Somos sujeitos do movimento. Não falo só de academia. Qualquer caminhada até o açougue, a farmácia, a escola, é atividade física”, diz o educador físico e fisioterapeuta Luís Henrique Telles da Rosa, professor do curso de fisioterapia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

A perda de condicionamento físico e de força são os indicadores mais evidentes de um dos legados da pandemia no metabolismo. É provável que nosso gasto de energia diário tenha sofrido uma desaceleração com a rotina enclausurada, ou seja, o corpo está precisando de menos energia para desempenhar suas funções vitais, como andar, falar e respirar.

“Até agora, sabíamos que três fatores reduziam nosso metabolismo: uma vida desregrada, doenças da tireoide e a idade. Mas a pandemia mostrou que a redução da atividade física não programada e da mobilidade diária também podem afetar o metabolismo”, explica a nutricionista clínica Beatriz Van Sebroeck.

A especialista é a única latina do grupo de estudos intitulado “Research on Metabolomic and Nutrition” (pesquisa em metabolismo e nutrição, em tradução livre), da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, onde o assunto se tornou o centro das discussões.

“Constatamos nos pacientes acompanhados no consultório uma reclamação recorrente de dificuldade para perder peso. Alguns conseguiram se manter firmes na dieta e não reduziram os treinos de forma significativa, mas não emagreciam”, detalha Beatriz.

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“Suspeitamos que seja devido à perda de massa magra”, diz ela, referindo-se ao que inclui músculos e ossos. O que estaria acontecendo, então, é uma troca da massa magra por gordura. Isso pode não influenciar no número da balança, mas mexe com o metabolismo.

Um estudo brasileiro publicado no início do ano na Revista Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte mostrou que o sedentarismo atingiu especialmente os adultos jovens. Pesquisadores da Universidade Federal do Paraná e da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná analisaram dados de atividade física, sono e dieta de 135 pessoas entre 18 e mais de 60 anos quando o confinamento completou três meses.

A constatação foi uma queda acentuada do nível de atividade física entre o grupo entre 18 e 40 anos, tradicionalmente os mais ativos em condições prévias à pandemia. “Sabemos há algum tempo a relação entre massa muscular e a prática de atividade física. Quando o indivíduo para de se exercitar, ocorre a perda de músculos. É fisiológico: o que você deixa de usar, atrofia”, explica o educador físico Luís Paulo Gomes Mascarenhas, professor da Unicentro e um dos líderes do estudo.

Nosso corpo é tão dependente do movimento que bastam dois dias de inatividade para que a perda muscular seja notada, conforme constatou uma pesquisa conduzida por cientistas europeus sobre o impacto na saúde da pandemia, publicada no European Journal of Sport Science, em maio de 2020.

O freio no ritmo de atividade física habitual também afeta o metabolismo da glicose ao reduzir a sensibilidade da insulina, principalmente nos músculos – a substância é a responsável pelo controle do açúcar no sangue. Para se adequar ao nosso metabolismo pandêmico, com menos movimento, o corpo precisaria ingerir 15% a 25% menos calorias por dia, estima o estudo.

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A redução do nível de atividade física foi tão intensa que nosso corpo perdeu fibras musculares. Segundo Mascarenhas, temos dois tipos de fibra, classificados como 1 e 2. As do tipo 1 são aquelas estimuladas em atividades leves e moderadas, como ir da sala à cozinha, até a escola do filho ou ao supermercado.

Já as do tipo 2 são as recrutadas em exercícios de força ou alta intensidade, como um jogo de vôlei ou quando você carrega o botijão de gás. “Nós precisamos de 30 minutos de atividade física de moderada a intensa por dia para estimular essas fibras e nos manter saudáveis, meta que se tornou impossível ou muito difícil para a maioria das pessoas”, diz o professor da Unicentro.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou recentemente uma nova recomendação que enfatiza a importância desse mix de atividades aeróbicas, como pedalar, correr, nadar, àquelas que exigem força, todo dia. De acordo com Mascarenha, quando deixamos de estimular as fibras musculares, o corpo faz uma troca dos tecidos corporais: perde músculo e ganha gordura.

Em muitos casos, o indivíduo nem sequer aumentou de peso, só ficou sedentário, o que já é suficiente para a inversão ocorrer. “Isso pode acelerar um processo de sarcopenia (perda óssea)”, alerta o fisioterapeuta Telles da Rosa. Os músculos não são apenas importantes para deixar o corpo definido, eles são fundamentais na proteção dos ossos.

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Alterações de sono e na dieta também impactam no bom funcionamento do nosso metabolismo. Em meio à enxurrada de notícias ruins (e outras falsas), o temor ocasionado pela pandemia e a incerteza em relação ao futuro, dormimos mal e pouco.

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“O sono restaura todos os sistemas do corpo”, explica a neurologista Andrea Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono (ABS). “Cada estágio do sono tem sua função específica para que, no final, quando a gente desperta, estejamos preparados fisicamente e mentalmente, com humor, apetite e energia para ser gasta em atividades físicas”, diz.

O sono ajuda no metabolismo ao regular duas substâncias cujo equilíbrio é fundamental para se ter uma dieta balanceada: de um lado, a grelina, encontrada no estômago, que induz o apetite; do outro, a leptina, presente no tecido adiposo, responsável pela sensação de saciedade.

Quando o sono fica prejudicado – estima-se que metade da população brasileira esteja com insônia neste momento –, essa balança delicada pode acabar pendendo mais para um lado. “Se eu começo a ter privação de sono, o metabolismo não se equilibra nos estágios do sono”, descreve.

Como consequência, podemos desenvolver a chamada resistência periférica à leptina. “Nesse caso, apesar de eu ter a leptina, ela não faz sua função de informar sobre a saciedade. E aí surge um desequilíbrio. Por isso existe o jargão de que dormir pouco engorda”, afirma.

É preciso levar em conta também que a comida é fonte de prazer. Entre tantas privações do atual momento, comer mais funciona como uma recompensa rápida. “As pessoas estão ansiosas, sem poder ir e vir, trancadas em casa, e acabam vendo no alimento a única fonte imediata de prazer.

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Mas isso tem consequências que logo aparecem e podem agravar negativamente o momento atual”, observa a psicóloga Alessandra Wolf, do Centro de Obesidade e Síndromes Metabólicas do Hospital São Lucas, em Porto Alegre.

Todas essas preocupações cotidianas prejudicam o metabolismo não apenas por mexer com uma boa noite de sono: o estresse, por si só, já causa um estrago danado. Situações de tensão levam a uma maior produção do cortisol, o hormônio do estresse, que nos deixa em estado de alerta. Resquício evolutivo de quando os primeiros seres humanos ainda precisavam fugir dos predadores na natureza, esse instinto acaba tendo consequências graves no mundo moderno.

Como nossos temores nem sempre são tão concretos – ou passam rapidamente como seria o ataque de um tigre –, muitas vezes acabamos em uma situação de estresse permanente. “É como se estivéssemos trabalhando em alta voltagem, então consumo mais energia, durmo menos, a pressão aumenta”, destaca Andrea.

Embora confinados em casa, essa sensação de turbilhão mental parece ser a descrição exata do que estamos sentindo neste período. Essa aceleração toda aumenta o potencial de problemas em todo o organismo.

Nas últimas décadas, vários estudos vêm associando níveis elevados de cortisol a problemas metabólicos e ao ganho de peso, entre muitas outras doenças, como o aparecimento de cânceres ou condições para as quais a pessoa tem predisposição, como a miopia. “Metade da população está vivendo com uma rotação excessiva, um acúmulo de preocupações e funções. O sistema está falhando, e as pessoas estão adoecendo”, diz a presidente da ABS.

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xícaras de café num fundo cor-de-rosa
(Westend61/Getty Images)

Para as pessoas que foram contaminadas pela Covid-19, os danos ao metabolismo também não são poucos. A endocrinologista Maria Edna de Melo, diretora do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), é uma das pesquisadoras envolvidas em um estudo que acompanha pacientes que contraíram o novo coronavírus com o objetivo de verificar se danos metabólicos permanecem após a pessoa ser considerada “recuperada”.

Aliás, esse conceito é questionado pela pesquisadora. “Esse termo é complicado porque até 25% dos infectados entubados morrem depois da alta”, pontua. E isso também diz respeito aos impactos que a Covid-19 pode ter sobre o metabolismo – porque, além dos reflexos da pandemia no nosso comportamento, o vírus em si talvez seja danoso ao equilíbrio que o corpo precisa para funcionar bem. As pesquisas, no entanto, ainda estão em andamento. “O que sabemos é que, mesmo ‘curadas’, muitas pessoas ficam com alterações na memória; outros com problemas como hipertensão, diabetes e outras alterações hormonais que ainda não estão bem definidas”, diz a médica.

Não é improvável que novos impactos venham a ser descobertos – outras infecções virais podem gerar respostas autoimunes do organismo, como o desenvolvimento de diabetes tipo 1. Após ser dado como “curados”, pacientes continuam relatando problemas de olfato e paladar. “Isso interfere diretamente na ingestão alimentar e no próprio metabolismo basal”, alerta Andrea. “É um compêndio de consequências que nós ainda vamos descobrir, muitas ainda nem sabemos ao certo após um ano de pandemia. São cenas do próximo capítulo”, conclui.

Frente à previsão de que o novo coronavírus não deve nos abandonar tão cedo, é preciso criar rotinas para se exercitar em casa ou nos parques, mantendo o distanciamento. Luis Paulo recomenda reservar 30 minutos por dia para se exercitar, alternando exercícios aeróbicos, de força e alongamento.

Segundo ele, existem diversas opções de aplicativos com sugestões de atividades para se movimentar na sala da sua casa. Para quem gosta de soluções caseiras, pode transformar garrafas-pet em halteres, enchendo-as de areia ou grãos.

O desafio é saber se os exercícios caseiros estão dando conta do recado. Para se certificar disso, o professor dá outra dica: usar a escala subjetiva de esforço. “Após cada exercício, procure dar uma nota ao grau de esforço realizado. Tente ficar entre 5 e 7”, ensina. “Na primeira semana, é provável que você dê nota 7. Na segunda, 5; na terceira, se a nota cair para 4, aumente o peso ou a intensidade.”

Quando estiver vendo um seriado, aproveite para fazer um alongamento nos braços e pernas. “Assim, você tensiona a fibra muscular e ajuda o músculo a não atrofiar. Bastam 10 minutos diários enquanto estiver desopilando a cabeça do trabalho”, recomenda. A boa notícia: embora a perda do tecido adiposo seja mais lenta, nossos músculos tendem a recuperar rápido o tempo perdido – ou melhor, parado.

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