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O sonho do que poderia ter sido é sempre mais poderoso

Já ficou imaginando o que teria acontecido se você tivesse retornado aquela ligação? Ou tivesse aceitado o pedido de namoro daquele amigo? Nossa colunista Danuza Leão reflete sobre situações do passado que costumam ficar presas na nossa imaginação.

Por Danuza Leão (colunista)
Atualizado em 28 out 2016, 05h58 - Publicado em 7 out 2014, 22h00

Outro dia recebi e-mail de um antigo fã e bem que gostei. Quando nos conhecemos, houve uma certa paquera, mas não totalmente explícita (éramos muito jovens e ele era tímido). A vida nos levou por caminhos diferentes. Depois desse tempo, nos vimos algumas vezes e, em todas elas, nos olhávamos com um certo encantamento – e retomávamos nosso rumo, cada um para seu lado. Para muitas pessoas, é mais fácil escrever do que falar. Anos tinham se passado e só nesse e-mail ele disse, com todas as palavras, que havia desenvolvido um começo de paixão por mim, o que adorei. Adorei e respondi contando que, na época, desconfiei.

Ele voltou citando um poema de Alberto de Campos (um dos heterônimos de Fernando Pessoa), Na Noite Terrível. Fui correndo procurar o livro na estante, mas não encontrei. Fui ao Google – santo Google – e achei logo, logo. O poema é perturbador. Fala de um homem que, em suas noites de insônia, pensa no que não fez e poderia ter feito; no que não foi e poderia ter sido. Pensa que, se em determinado momento tivesse virado à esquerda e não à direita, tivesse dito sim no lugar de dizer não, hoje poderia ser outro, e até o Universo poderia ser outro também.

É claro que o texto me perturbou. É cruel pensar que nossa vida talvez fosse, hoje, outra. Que, se ouvíssemos mais – ou menos – nosso coração, encontrássemos mais coragem, sobretudo com apenas 20 anos, tudo seria diferente. Mas só sabemos disso muito mais tarde, e 20 anos só se tem uma vez, ai, ai. No caso em questão, não houve nada. Tentei lembrar de outros namoros que aconteceram mais ou menos na mesma época e dos quais, mesmo fazendo um grande esforço, mal me recordo. Namoros que na época deram até a impressão de ser amor, pelos quais eu até pensei que sofri e dos quais não lembrava nem dos traços físicos nem do nome. Isso, sim, é terrível. Que mistério é esse que faz as coisas que não acontecem ficar intactas na nossa mente e no nosso coração?

Se tivéssemos iniciado um romance, talvez houvesse restado uma dor, uma raiva, um arrependimento. Mas o sonho do que poderia ter sido é sempre mais poderoso, porque nos permite imaginar, e a imaginação costuma ser melhor do que qualquer realidade. Meu ex-fã caiu na armadilha em que todos caímos às vezes, e que é um perigo: revolver o passado. É como, num dia de chuva (e solidão), abrir aquele velho álbum de fotos. Lembrar dos momentos tristes é cruel, e dos momentos felizes também – nem sei o que é pior. Mas não caia na cilada: invente um cinema, vá fazer um bolo ou, na última das hipóteses, ligue a televisão e veja um programa qualquer, mesmo sendo de auditório, em um sábado ou domingo. É apenas uma maneira de se proteger; pensar no passado é perigoso, porque ele não volta.

Tudo que acontece na vida está preservado, no fundo do coração. Essas lembranças são exclusivamente suas, fazem parte da sua história. Devem ser deixadas quietas, porque qualquer coisa que se refira ao passado dói. E um viva à tecnologia, que guarda num objeto minúsculo, o pen drive, todas as fotografias e canções de momentos importantes, mas que não conseguem nos emocionar tanto quanto uma foto bem antiga ou um disco de vinil. O dia está lindo; o céu, azul. E a vida está aí mesmo para ser vivida, sem ontem nem amanhã: só hoje, e agora.

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