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Defensora pública relata remoção irregular de famílias da Cracolândia

Segundo ela, ação de retirada não foi programa e havia sido suspensa; para o local está prevista a construção da nova unidade do hospital Pérola Byington

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 abr 2018, 01h37 - Publicado em 18 abr 2018, 19h14

Na manhã desta quarta-feira (18), a defensora pública Luiza Lins Veloso, coordenadora do Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo do Estado de São Paulo, recebeu uma ligação urgente para acompanhar a reintegração de posse que acontecia na região da Cracolândia, nos Campos Elíseos, na região central de São Paulo. A ação não estava programada e, segundo Luiza, as famílias não foram destinadas a novas moradias nem receberam o auxílio correto condicionado pela justiça.

A ação faz parte da reintegração da quadra 36. O governo do Estado alega que comprou os imóveis e destinará o terreno à construção da nova sede do Hospital Pérola Byington, referência em atendimento da mulher. Hoje, o hospital funciona em um prédio alugado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio.

De acordo com a defensoria, a construção é ilegal, pois o terreno está em uma área de Zona Especial de Interesse Social (ZEI), o que exige a aprovação de um conselho gestor. Esse conselho foi formado às pressas no sábado, dois dias antes da primeira ação de remoção das famílias. Estima-se que 225 famílias estejam sendo retiradas de seus lares. As fotos foram enviadas por Luiza.

Procurada por CLAUDIA, a Secretaria de Habitação da Prefeitura de São Paulo, afirmou que realizou, após notificação do governo do estado, o pré-cadastro das famílias moradoras da quadra 36 em fevereiro e março deste ano. Foram identificados por eles 163 domicílios que estariam inclusos na ação de remoção. O objetivo seria garantir o direito de atendimento habitacional, conforme estabelece o Plano Diretor Estratégico (PDE). Desde o término desse processo, realizou diversas reuniões com os moradores para a formação do conselho gestor, cuja eleição aconteceu no sábado, dia 14. O conselho será integrado por 12 membros, sendo seis titulares representantes da sociedade civil e igual número de representantes do Poder Público. 

Já a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) afirma que as ações que vêm ocorrendo na quadra 36 cumprem ordens judiciais e são plenamente legais de acordo com as determinações da Justiça. Eles alegam que as 163 famílias foram acompanhadas durante todo o processo e que receberão atendimento habitacional provisório a princípio, por meio do auxílio-moradia e, depois, com unidades habitacionais fixas. Reiteraram ainda que foram disponibilizados para a mudança vans. Quem não tinha onde guardar os pertences teve à disposição um depósito para guarda. O posicionamento da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo você ao final da matéria.

Abaixo, você lê a entrevista com a defensora pública Luiza Lins Veloso.

 

Luiza Lins Veloso
Luiza Lins Veloso (*/Divulgação)
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Os móveis dos moradores removidos do local foram deixados na rua (Luiza Lins Veloso/Reprodução)

 

CLAUDIA: Qual é o processo que está acontecendo na região da Cracolândia, em São Paulo?

LUIZA: Na segunda-feira (16), a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o promotor Marcos Vinicius Monteiro, entidades sociais do Fórum Aberto Mundaréu da Luz e a procuradoria do Estado acompanharam o cumprimento da ordem de emissão de alguns imóveis da quadra 36 da região da Cracolândia. Naquela oportunidade, verificamos que algumas famílias não tinham sido cadastradas nem receberam atendimento habitacional. Esse cadastro foi feito pela prefeitura entre janeiro e fevereiro para que a remoção fosse feita corretamente. A juíza havia condicionado a ação a isso. Só que no dia vimos que nem todos estavam cadastrados, então não foi feita a reintegração no imóvel que chamamos de casarão, na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Glete, e em mais dois imóveis. O acordo era esperarmos até sexta-feira para a Procuradoria do Estado e a CDHU darem atendimento a essas famílias que faltavam.

 

Qual foi a ação nesta quarta?

L: Hoje, me ligaram falando que estavam reintegrando as famílias do casarão. Fui para lá e encontrei móveis e objetos pessoais na rua. Não acompanhamos porque não estávamos esperando, a juíza havia mandado suspender a reintegração porque as famílias não estavam cadastradas, porém o que alegaram hoje é que as famílias há muito tempo sabiam que teriam que sair.

 

O que esse cadastro e atendimento garantem?

L: O atendimento que o estado vai dar para essa quadra é um auxílio-aluguel de 400 reais e um documento que promete um atendimento definitivo, porém sem definir um lugar nem uma data para essas famílias receberem uma moradia. Na segunda-feira, tivemos o relato de algumas famílias que já foram removidas de outras áreas da cidade e que já receberam esse termo antes, porém nunca foram realocadas.

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A ação aconteceu sem que a Defensoria Pública ou o Ministério Público fossem acionados (Luiza Lins Veloso/Reprodução)

Por que a ação está sendo questionada?

L: Essa quadra está inserida em uma ZEI. A ZEI é uma Zona Especial de Interesse Social delimitada pela lei de zoneamento do município para a habitação de interesse social. Ou seja, para moradia da população de baixa renda. Essas famílias não poderiam ser removidas sem um destino certo. Caso o conselho gestor tivesse deliberado por uma intervenção e essas famílias tivessem que ser removidas, elas teriam que ser reassentadas no entorno da região e não apenas receber 400 reais para se virar.

 

Quantas famílias foram removidas?

L: Todas as do casarão, não sei precisar quantas eram. No final de semana, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano foi até a quadra e disse para as pessoas que elas não tinham direito a morar ali. Também afirmou que na segunda a remoção seria feita com violência. Algumas famílias, com medo, saíram no sábado mesmo. Não temos o contato dessas famílias, portanto não temos como acompanhá-los. Elas foram aliciadas por um bom tempo. Fizemos o acordo na segunda-feira, aí damos as costas e as pessoas vão lá com polícia, a Rota. É uma vergonha. Não houve relatos de violência física, porém é um desrespeito. As famílias não foram intimadas para saber que teriam que sair hoje. Não foi respeitado o prazo do acordo para resolver a situação dessas famílias. Os advogados, a defensoria, ninguém foi avisado. Mandaram as pessoas saírem sem explicar os direitos que elas têm. Na hora que eu cheguei, estava sendo esvaziado o casarão, que tinha o maior número de famílias dessa região que será reintegrada, e um comércio.

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O que a defensoria vai fazer?

L: Existem outros imóveis que não tem ordem de reintegração de posse. Estamos tentando pegar o contato de todas as famílias que estão sendo removidas e nosso próximo passo é brigar para que as pessoas sejam corretamente realocadas. O Estado quer instalar um hospital no local que nem licenciado foi. Esse hospital só pode ser construído se o conselho gestor deliberar. O estado alega que a urgência é porque está pagando multas por contratos já feitos com o hospital e que não estão sendo cumpridos. Porém o hospital não está licenciado. O goveno diz que já pagou os donos dos imóveis, que os prédios já são do estado. Mas ainda que o hospital tivesse sido licenciado, é uma licença ilegal, porque o conselho gestor tem que aprovar a construção no local e este só foi eleito e formado no sábado.

 

Um conselho ser criado e agir dois dias antes de uma reintegração de posse é normal?

L: É totalmente irregular, sob justificativa de uma urgência criada pelo estado e pelo município. A defensoria não quer atrapalhar a lição do estado e da prefeitura, não somos contra o hospital. O problema é que há várias áreas vazias ali na redondeza que não estão inclusas na ZEI e onde eles poderiam construir o hospital. Aquela região é delimitada como ZEI desde 2002, portanto o estado não pode alegar que não sabia, que desconhecia a lei. Os moradores até compreendo que não saibam, agora o estado não. É uma lei federal, inclusive, que exige a deliberação de um conselho gestor. Além disso, em maio do ano passado, quando a defensoria acompanhou as intervenções nas quadras 37 e 38, entramos com uma ação pública junto com o Ministério Público solicitando a implantação de um conselho gestor para a zona especial de interesse inteira, incluindo a quadra 36. O município disse que não precisava porque não teria nenhuma intervenção na quadra 36. Se estado e prefeitura quisessem cumprir a lei, eles poderiam ter resolvido isso então e nada do que vemos agora aconteceria.

 

Mais famílias serão removidas?

L: Sim. Ainda há famílias em metade da quadra 36. Ali, as situações se mesclam. Há quem pague aluguel, quem esteja ocupando, quem tenha comércio. Só que com 400 reais não dá para alugar um imóvel regularmente na região, então é provável que todos estejam indo para ocupações. Além disso, há mulheres com crianças e muitos imóveis ali não aceitam crianças. Dificulta muito para eles. Mas não estamos cientes de nenhuma ação amanhã. O problema é justamente esse. A procuradoria está indo diretamente no tribunal pegar ordens de reintegração de posse sem intimar ninguém. Eles levam o oficial de justiça e mandam cumprir a ordem. Não temos tempo hábil de nos organizarmos.

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Como foi a remoção hoje?

L: A hora que cheguei, tinha um monte de coisas na rua, na calçada. Quando eu entrei no casarão, saíram os carregadores da mudança e os policiais. Todo mundo sumiu. Os moradores falaram: “Que bom que a senhora chegou porque mudou tudo, a conversa está sendo de outra forma”. Eles falam coisas para os moradores e, quando confrontamos, negam. Por isso que é importante acompanharmos, os moradores sofrem muito quando não têm um representante da defensoria ou Ministério Público. Os objetos dos moradores que já tinham destino foram levados pelo carregadores. Mas, quem não tinha lugar, estava com tudo na rua. Soube, quando fui embora, que eles tinham arrumado para onde ir. Com a rapidez, é provável que seja uma ocupação.

 

A situação habitacional na região é tensa há anos. O que esse episódio acrescenta?

L: A demanda habitacional, o problema das famílias, a vulnerabilidade só é empurrada para debaixo do tapete. Daqui a pouco, o estado vai demolir aquilo tudo como se nada tivesse acontecido. A defensoria considera ilegal a construção desse hospital porque nem passou pela deliberação do conselho gestor. De fato, há anos existe uma tentativa do poder público de fazer intervenções urbanísticas de forma açodada, ilegal e até hoje as intervenções não deram certo por causa disso. O poder público utiliza métodos não convencionais. Um exemplo foi o caso da Nova Luz, em 2012, em que a defensoria intercedeu.

 

Além dos moradores, como os comerciantes estão sendo afetados?

L: O comerciante não está recebendo nenhum atendimento habitacional, estão saindo dos imóveis sem receber nenhuma indenização, o que também é errado. O bar do seu Fernando, por exemplo, estava lá há mais de 30 anos. O bar do seu Zé foi reintegrado na segunda feira. Foi a terceira vez que ele sofreu uma reintegração por conta da especulação imobiliária na região.

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Nos imóveis havia pessoas que pagavam aluguel, ocupações e comerciantes (Luiza Lins Veloso/Reprodução)

 

A seguir, leia a entrevista com Ricardo Tardelli, coordenador de implantação dos hospitais da parceria público-privada da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo:

CLAUDIA: Existe licença para a construção do Hospital Pérola Byington na região?

RICARDO: O projeto das parcerias público-privadas começou em 2013, quando foi dado início ao processo de desapropriação. Em novembro do ano passado, encerramos todos os processos com o pagamento feito pelo estado das indenizações aos proprietários dos imóveis. No dia 14 de março, o prazo de 30 dias foi dado para a saída dos moradores em uma audiência pública, então prazos estão sendo respeitados. Para nós, o processo ainda é vagaroso, já que queremos ver o hospital pronto.

 

O conselho gestor foi organizado apenas dois dias antes da primeira ação de remoção. Esse é um prazo normal?

R: A prefeitura publicou em diário a criação do conselho, explicou qual era o papel dos membros, abriu prazo para as inscrições e fez as eleições. Após a eleição, que foi feita no último sábado, ocorrerá a publicação do resultado das eleições e o conselho começará a fazer suas reuniões deliberativas. O que conseguimos definir antes da formação do conselho é o auxílio moradia. A primeira parcela é de 1 200 reais e as restantes de 400 reais. 

 

Quem tem direito ao auxílio-moradia?

R: A prefeitura cadastrou 163 famílias que vão receber esse valor. As pessoas reclamam que é baixo, que não dá para pagar aluguel com 400 reais, mas é um complemento. As famílias já possuem uma renda dedicada ao aluguel, isso é um acréscimo para poder pagar um valor maior ou para ser destinado a outras contas dentro de casa, como alimentação. O valor é pago até as famílias receberem sua moradia fixa definitiva.

 

Cada família será destinada à uma casa própria?

R: Sim, eles receberam um documento com um compromisso por escrito da Secretaria de Habitação de prover uma solução de moradia definitiva.

 

Onde serão as moradias e qual o prazo para isso?

R: Não temos essas respostas ainda. O conselho tem que avaliar a condição de cada família e ver a qual programa mais se adequa. Ali perto, por exemplo, existe uma moradia, porém é preciso comprovar renda de três salários mínimos fixos para morar, e nem todo mundo da quadra pode pagar.

 

As reuniões já começaram?

R: Não, precisamos aguardar a publicação do resultado da eleição em diário oficial e depois começam as reuniões.

 

É padrão as remoções acontecerem antes da reunião do conselho?

R: Há discussões. O decreto público que define aquela área para a construção do hospital é de 2013 e a lei de zoneamento é de 2014. Mas não queremos entrar nesse mérito jurídico. O casarão, que é o local que a defensora pública Luiza cita, já havia sido lacrado pelo estado e foi invadido. Resolvemos incluir essas 63 famílias no cadastro que dá direito ao auxílio-moradia e habitação fixa. Se acontecesse simplesmente uma reintegração de posse, eles não teriam esse direito. Vamos vedar novamente, colocar policiamento. O que não dá é sempre aparecer mais 63 famílias. No momento, se alguém não constar no cadastro, pode se apresentar e será debatido em conselho.

 

O governo afirma estar pagando multas pelo atraso da obra. Existia uma previsão de término que foi extrapolada?

R: O que existe é a previsão de 30 a 36 meses de entrega a partir do começo da obra. O contrato prevê também reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em caso de demonstração de ônus ou de desequilíbrio em favor de ambas as partes.

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