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Marido autorizar uso de DIU? Especialista fala dos direitos das mulheres

A advogada Juliana Valente explica como a Justiça apoia o direito das mulheres neste caso

Por Nathalie Páiva, Ligea Paixão (colaboradora)
Atualizado em 9 ago 2021, 18h05 - Publicado em 7 ago 2021, 13h49
Diu
 (|BSIP/UIG/Getty Images)
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Em pleno século 21, com uma luta da sociedade pela liberdade de escolha e garantia do direito das mulheres, planos de saúde no Brasil têm exigido que usuárias casadas tenham a permissão de seus maridos para disporem do acesso ao método de contracepção de Dispositivo Intrauterino, o DIU.

Ainda que retrógrado, este é o posicionamento de pelo menos três cooperativas da seguradora Unimed: João Monlevade e Divinópolis, ambas em Minas Gerais, e Ourinhos, no Interior de São Paulo. Ao todo, as unidades citadas atendem pacientes de mais de 50 cidades em seus respectivos estados.

A informação em questão foi obtida por meio do jornal Folha de S.Paulo, que em processo de apuração contatou anonimamente as três seguradoras via telefone para entender a cláusula contida no Termo de Consentimento para utilização do contraceptivo. A central de atendimento de todas unidades assegurou a veracidade desta exigência. 

Após o contato da Folha, as unidades de Divinópolis e Ourinhos abandonaram a ordem, como informado pela assessoria de imprensa. Já a cooperativa de João Monlevade, mesmo com a confirmação da central, negou que exige o consentimento, dizendo que apenas recomenda que o casal combine junto a decisão, por isso existe o campo de assinatura do cônjuge no termo.

Outras unidades da Unimed também exigiram por um tempo a assinatura do marido, mas alteraram o protocolo depois de um tempo. A Sul Capixaba, que atende 30 cidades no Espírito Santo, foi uma delas.

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Em nota, a Unimed Brasil, que representa o sistema nacional do convênio, disse que a empresa não exige assinatura ou consentimento do marido para inserção do DIU em mulheres casadas. Segundo eles, o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido serve apenas para a paciente afirmar que foi amplamente orientada antes de fazer o procedimento, que é assinado por ela e pelo médico. 

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Raiz do problema

Até 1962, mulheres só poderiam trabalhar com a permissão do cônjuge, decisão que poderia ser mudada a qualquer momento, de acordo com o Código Civil de 1916. Medidas como essa, que envolviam o consentimento do homem, só tiveram fim com a Constituição de 1988, quando foi promulgada a lei a igualdade de deveres e direitos entre homens e mulheres. 

No entanto, resquícios do Código Civil de 1916 persistem nos dias de hoje. As empresas de saúde tentaram justificar a  autorização dos parceiros por meio da Lei 9.263, de 1996, que defende o planejamento familiar. O texto da legislação exige a autorização do marido ou da esposa em caso de laqueadura tubária e vasectomia, que são métodos contraceptivos definitivos.

A norma prevê o consentimento do casal apenas para esterilização. “Entretanto, neste caso, não se trata de esterilização, mas de método contraceptivo reversível, portanto a imposição da UNIMED não tem amparo legal”, afirma a advogada Juliana de Almeida Valente, especialista em atendimento à mulher em situação de violência e membra da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP.

Juliana lembra que as normas da época equiparavam mulheres a menores de idade e pessoas com deficiência intelectual. “A lei nos definia como relativamente incapazes, logo não podíamos realizar atos da vida civil sem assistência ou ratificação do cônjuge, como ter uma profissão e ajuizar uma ação judicial, por exemplo”, explica.

Em 1994, o Brasil ratificou sem reservas a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, realizada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1974. O tratado garante o direito de tomar decisões sobre a reprodução e a utilização de métodos contraceptivos sem discriminação, coerção ou violência.

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A imposição de controle a liberdade, a escolha e ao corpo da mulher já não comporta mais a sociedade atual e a dinâmica familiar. Essa lei tem 25 anos, de lá pra cá muita coisa mudou, as leis devem caminhar junto com a sociedade

Juliana Valente

“Além de estar em desacordo com compromissos internacionais aos quais o Brasil é signatário, tal exposição e necessidade de consentimento do cônjuge pode possibilitar o agravamento à vulnerabilidade e agressões, sejam elas físicas, psicológicas ou sexuais contra mulheres que vivem em situação de violência doméstica”, informa.

A especialista ainda lembra que a atitude também vai contra outra norma. “O art. 7º, III, da conhecida Lei Maria da Penha, entende também como violência doméstica de cunho sexual, qualquer forma de impedimento a métodos contraceptivos”, aponta Juliana, que também considera que a negativa do cônjuge pode configurar um crime.

Como o método contraceptivo DIU é utilizado em tratamento de doenças como endometriose, a limitação ao acesso também viola os direitos das mulheres em relação à saúde pública, segundo a advogada.

Impacto psicológico 

A psicóloga especializada em direito institucional Artenira Silva diz que existem dois tipos de machismo que podem atingir uma mulher que precisa da autorização do marido para um procedimento preventivo.

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“O primeiro é o estrutural, quando a mulher já pode sofrer em casa diretamente do companheiro. O segundo é o institucional, que acontece quando a mulher necessita da autorização do seu cônjuge para um procedimento contraceptivo, sendo dona do próprio corpo”, exemplifica. 

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Artenira identifica  uma violência de cunho moral e emocional na situação. “Isso pode gerar sérias consequências na mulher, desde danos emocionais à lesão à sua integridade física”, pontua.

Como denunciar

Do ponto de vista do consumidor, Juliana aconselha que o caso seja registrado na Agência Nacional de Saúde Suplementar. “A mulher vitimizada a esse tipo de constrangimento poderá registrar a ocorrência em delegacia comum ou especializada de defesa da mulher, bem como procurar o Ministério Público para noticiar tal fato”, diz.

A advogada aconselha a utilização da Central de Denúncias de Violações de Direitos Humanos (Disque 100) e a Ouvidoria da Controladoria Geral da União, que pode ser contatada pelo site https://www.falabr.cgu.gov.br. “Tais constrangimentos cabem danos morais e dependendo do caso danos materiais também a mulher”, afirma Juliana.

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Posicionamento do Procon

Na última sexta-feira (6), o Procon-SP concedeu 72 horas para que as seguradoras explicassem qual é a metodologia utilizada no procedimento de autorização do DIU.

As organizações deverão comprovar se oferecem cobertura de contraceptivos temporários e como são feitos os procedimentos cirúrgicos para não ter mais filhos em mulheres e homens, detalhando as condições impostas para o cliente do benefício, com os fundamentos legais para os critérios estabelecidos. 

Em fala ao G1, o diretor executivo do Procon-SP, Fernando Capez, afirmou que as seguradoras que fizerem a exigência da assinatura do marido serão multadas. 

“A prática é abusiva, ilegal, descabida e afrontosa à condição e dignidade da mulher. Nós estamos notificando essas empresas para saber quais fazem essa imposição absurda”, disse.

“Não é possível admitir que para não pagar e reembolsar o seguro algumas empresas utilizem esse tipo de justificativa. Péssimo pretexto!”, destacou o diretor. 

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