Pandemia mudou nossa maneira de consumir moda. Veja as tendências
Pesquisa da Consumoteca mostra que tendências de consumo das brasileiras continuarão mudando após a pandemia
A pandemia trouxe grandes mudanças na vida de todos, seja nos relacionamentos, no trabalho ou na rotina. Não foi diferente com nossa relação com a moda e o consumo. Passando mais tempo em casa, a grande maioria das pessoas deixou de lado o dress code da empresa para investir em looks mais simples, com tecidos mais confortáveis, mas, ainda assim, bonitos o suficiente para conseguir aparecer em uma reunião por vídeo.
Depois de tantos meses, será que vai ser fácil voltar para os looks pré-pandemia? Será que a busca por conforto se tornará prioridade mesmo depois que isso tudo passar? Pensando nisso, a Consumoteca realizou uma pesquisa com brasileiros de diferentes gêneros, regiões, classes sociais e idades, para entender qual tipo de peça eles têm sentido mais falta de usar e o que pretendem comprar daqui em diante.
Segundo Michel Alcoforado, antropólogo e sócio da Consumoteca, uma situação como a que estamos vivendo impacta absolutamente todos os aspectos da vida, inclusive no que temos desejo ou não de comprar. “O mercado de bebidas, por exemplo, se deu bem, porque agora muita gente bebe todo dia, não precisa mais esperar a sexta-feira. No caso do mercado de moda, foi exatamente o oposto. Era um mercado muito contextualizado, ou seja, que as pessoas, em geral, consumiam quando tinham algum motivo, como comprar uma blusinha para um evento do fim de semana ou porque estava na promoção. Agora, a moda passa por um processo de descontextualização, já que não há noção da volta dos eventos. Houve uma queda de 78% das vendas do mercado”, explica.
De acordo com o levantamento, 45% dos entrevistados afirmaram que passarão a usar roupas mais básicas no dia a dia depois da pandemia. Outros 36% também afirmaram que procuram mais roupas básicas para comprar. Isso, no entanto, faz parte de um movimento que já estava em curso antes da pandemia, mas foi intensificado pela crise.
“Momentos como esse têm um papel de fazer você mudar coisas que já queria, mas estava enrolando, ou acelerar algo que já tinha começado. No caso de empresas, por exemplo, a pandemia acelerou de 5 a 10 anos o planejamento”, diz Michel. “Esse novo estilo faz parte de uma grande mudança cultural que vem acontecendo no mundo inteiro. É o perfil de um consumidor jovem, que segue alguns influenciadores e que está disposto a gastar com roupas casuais e exclusivas que comunicam algum conhecimento interno”, continua.
Além da busca por peças mais básicas, a pesquisa apontou que a maquiagem é o que as brasileiras mais sentem falta de usar no dia a dia. Isso se intensifica ainda mais nas mulheres millennials, entre 25 e 39 anos, que além da maquiagem também apontaram ter vontade de usar mais acessórios, salto alto e vestidos. Para Michel, isso também é um efeito da descontextualização. “A saudade não é tanto da roupa em si, mas da ação de pensar na produção, do clima dos eventos, de encontrar os amigos no café do trabalho, do happy hour”, afirma. No caso dos homens, as roupas esportivas são as mais desejadas.
Já 31% das mulheres da geração Z, de 18 a 24 anos, sentem mais falta de usar roupa social. Isso pode fazer parte do fato de que, por serem muito jovens, as roupas mais formais ajudam na transição para o mundo adulto.
Mesmo sentindo falta, nenhuma das gerações ou classes mostrou interesse em comprar peças mais formais ou acessórios e maquiagem. Na geração Z, as peças mais buscadas são os moletons e, para os millennials, pijamas e lingeries. A geração X, de 40 a 54 anos, tem mais vontade de comprar sapatos. “Quanto mais jovem você é, maior é a multiplicidade de contextos de vida que você tem – trabalha, tem festas, tem namorado, tem filho, estuda – os mais velhos não têm tantos e, por isso, pensam sempre mais em comprar coisas mais formais e usadas no trabalho, como o caso dos calçados”, diz Michel.
O recorte de classe, por sua vez, mostra que as mulheres das classes A e B são as que mais sentem falta de usar salto alto, provavelmente por não terem que enfrentar transporte público e, assim, não priorizarem tanto o conforto.
Já no recorte por região, as mulheres que mais sentem falta de se produzir são as que vivem no sudeste e no centro-oeste.
A pesquisa ainda aponta que estamos vivendo o que chamamos de “Moda em Rede”, uma macrotendência que aponta transformações em toda cadeia da moda, desde a produção até o consumo. É, sobretudo, uma renovação na cadeia de produção de novas tendências ao redor de todo o mundo. Resumidamente, no momento atual, as pessoas se interessam cada vez menos pelas passarelas e pautam seus estilos muito mais no comportamento online. Para Alcoforado, esse comportamento é esperado, tendo em vista que estamos vivendo o distanciamento social em todo o mundo. Com isso, as pessoas estão mais conectadas, vivendo o aqui e o agora e sendo influenciadas pelo que veem nas redes sociais.
“Até mesmo a maneira de consumir dos influenciadores mudou. Até ontem as marcas pagavam os influenciadores para divulgar, mas agora as marcas devem passar a olhar para eles como fonte de inspiração. Eles estão criando suas próprias marcas e vendendo não só um produto, mas um estilo de vida. Esse afastamento das passarelas, que já vinha acontecendo e se intensificou, também deve fortalecer a produção local, porque será necessário ter as peças mais rápido”, explica Michel, que também afirmou que, cada vez mais, os consumidores cobrarão uma postura mais sustentável de marcas e irão querer conhecer mais de perto o processo de produção.
O levantamento destacou que 53% das pessoas gostam de acompanhar quem mostra como combinar roupas que têm no armário. Nesse aspecto, os seguidores estão mais ligados aos influenciadores que trazem os bastidores, processos e não a ostentação de celebridades.
“O distanciamento social está ensinando que o menos é mais, já que estão todos em casa e essa nova consciência social faz com que as pessoas consumam produtos de marcas que agregam valores, que pensem em uma sociedade melhor e mais inclusiva. Cabe às marcas cuidarem de toda a cadeia produtiva para serem aceitas por esse novo consumidor”.
Como as marcas vão sobreviver ao “pós-pandemia”?
Para conseguirem sobreviver, as marcas terão que mudar sua maneira de produzir e de se relacionar com os consumidores. Como já mencionado, a tendência é que passem a priorizar mão de obra e produção nacional, mesmo que isso signifique uma margem de lucro menor no primeiro momento. Isso porque a preocupação do consumidor quanto à responsabilidade do trabalho está cada vez maior. Além disso, as marcas brasileiras terão que se preocupar mais em criar um ecossistema próprio. “Aqui, as marcas não vendem um ‘estilo de vida’, como é o caso de várias empresas gringas. A Osklen é um dos poucos exemplos que faz isso. As pessoas querem cada vez mais comprar isso e não tanto quantidade ou até mesmo qualidade”, explica o antropólogo.
Ainda segundo o estudo, até 2021 teremos o Fast Social, um processo de produção e estilo a partir das novas demandas das redes sociais. “O consumidor de massa está conectado com tendências vindas de mídias sociais e é isso que as marcas precisam estar atentas. No pós-pandemia, o desejo por roupas básicas será o ponto forte”, comenta Alcoforado. Depois disso, a partir do ano que vem, a tendência será a da Loja Utilitária, ou seja, a loja física ganha dois novos contornos, sendo utilitária para o dia a dia e de outro lado trazendo experiências memoráveis. A partir daí, as discussões sobre sustentabilidade devem fazer diferença a longo prazo. Será primordial aumentar a qualidade dos produtos, colaborar para uma cadeia mais justa e estar em dia com processos de produção mais limpa. Atualmente, 41% dos brasileiros acham que as redes de moda vendem produtos de baixa qualidade e 17% das pessoas se importam com a procedência do que vestem.
“O mundo ‘pós-pandemia’ será bem diferente do que vivemos há meses atrás e, além de estarem no ambiente digital, as marcas que quiserem continuar no mercado vão precisar ser transparentes e mais sustentáveis. Quem não atender a esses requisitos, não estará vendendo significado, o que não faz o menor sentido para o novo consumidor”, diz Michel.
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