Dendezeiro estreia na SPFW com homenagem às baianas de acarajé
Marca soteropolitana trouxe a coleção 'Tabuleiro', com cores e texturas do acarajé, abará, caruru, vatapá e cocada nas peças de alfaiataria e 'streetwear'
Durante o período escravocrata no Brasil, as baianas de tabuleiro foram responsáveis por comprar, com o dinheiro dos quitutes que vendiam, a alforria de diversas pessoas. Em sua estreia na São Paulo Fashion Week (SPFW), depois de três anos na Casa de Criadores, a marca soteropolitana Dendezeiro, dos estilistas Hisan Silva e Pedro Batalha, homenageia essas mulheres com a coleção Tabuleiro. “Elas foram a chave de emancipação de pessoas pretas no país”, diz Hisan em entrevista a CLAUDIA.
No fashion film da coleção, a Dendezeiro contou a história africana e afrobrasileira de cada prato de acarajé, abará, caruru, vatapá e cocada, com as cores e texturas desses alimentos nas peças que misturam alfaiataria e streetwear (combinação que já está no DNA da marca), entrelaçando dobras, texturas e miçangas em sarja, brim e malha. Os tons de vermelho, marrom e laranja coloriram as referências aos pratos feitos à base de dendê, e o verde escuro veio em detalhes nada óbvios, na textura drapeada de peças que mimetizavam as folhas de bananeira que embalam os abarás. Ou na sublime coroa feita de quiabos, principal ingrediente do caruru.
O branco das cocadas, perfeitamente casado com as cenas gravadas nas areias da Lagoa do Abaeté, ressaltou os cortes e linhas retas de calças e macacões, além de regatas de fino tricô, numa moda refinada muito para além do título de estreante. Após três anos na Casa de Criadores, incubadora de novos talentos, a Dendezeiro se (re)afirma uma das grandes forças da moda brasileira contemporânea.“Sempre imaginei o caminho da Dendezeiro como uma crescente e, nessa trajetória, era um sonho desfilar na SPFW, principalmente como uma marca nordestina de duas pessoas pretas e LGBTQIA+“, celebra Hisan. O estilista ressalta a potência criativa do Nordeste e o reconhecimento nacional que criadores da região vêm ganhando nos últimos anos. “O Brasil, entre todos os seus problemas, sempre teve uma estrutura xenofóbica. O Nordeste sempre desenvolveu moda, há várias tendências que nascem aqui e ninguém liga, mas quando uma marca do Sul ou Sudeste faz a mesma coisa, vira sucesso”, afirma.
O criador menciona, como exemplo, o Dragão Fashion Brasil, evento anual de moda sediado em Fortaleza (CE). “Além de muito potente, a moda baiana e nordestina, como um todo, foi muito usurpada. Hoje vemos o crochê tornando-se tendência, por exemplo, graças a marcas como o Ateliê Mão de Mãe, outra marca baiana que desfila na SPFW este ano. Há 10 anos, isso seria impossível”.
Hisan diz que o conterrâneo Isaac Silva é uma das grandes inspirações da Dendezeiro, por ser mais um estilista baiano que alcançou destaque e projeção nacional. “Brincamos que ele foi nossa fada madrinha, porque nos deu muitos conselhos nessa jornada.” Apesar desse exemplo, Hisan e Pedro não pretendem deixar Salvador, por enquanto. “A cidade tem uma efervescência criativa muito grande, inclusive na moda. Ela e sua gente me inspiram. E é importante estarmos aqui para inspirar outras pessoas também, porque estamos acostumados à narrativa de artistas baianos que fazem sucesso, mas vivem no Rio de Janeiro ou em São Paulo”, diz.
É na capital baiana que a Dendezeiro, que já transita tão bem no eixo hegemônico Rio-São Paulo, sempre terá suas raízes. Para continuar fazendo, como na cena final do seu fashion film, em referência à Última Ceia, uma congregação em homenagem à história, cultura e beleza da cultura negra no Brasil.