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Linn da Quebrada e a importância de reivindicar a identidade travesti

Presença da cantora e atriz no horário nobre da televisão aberta é uma pequena vitória no país onde 140 pessoas trans foram assassinadas em 2021

Por Joana Oliveira
29 jan 2022, 17h22
A cantora e atriz Linn da Quebrada.
A cantora e atriz Linn da Quebrada no 'BBB'.  (Reprodução/Divulgação)
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O pronome está tatuado na testa: ela. A identidade é reivindicada no discurso: “Não sou homem nem mulher, sou travesti.” A presença da cantora e atriz Linn da Quebrada no Big Brother Brasil, um dos programas de maior audiência no país é uma pequena vitória em uma sociedade que naturalizou a marginalização das pessoas que não se encaixam na normatividade. Em mais de duas décadas, Linn é a segunda pessoa transgênero a participar do reality (Ariadna Arantes participou em 2011) e a primeira a se identificar como travesti. Já na primeira semana de confinamento, sua presença no horário nobre da televisão aberta suscitou muitos debates, principalmente sobre o respeito às identidades de gênero das pessoas trans. Em mais de uma ocasião, Linn precisou corrigir colegas que se dirigiam a ela no masculino.

“A presença de Linn nesse programa é um acontecimento. Ela é uma mulher engajada, politizada e que dialoga com tudo que o movimento de luta pelos nossos direitos articula há 30 anos no Brasil”, comenta Bruna Benevides, pesquisadora e secretária de articulação política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Segundo ela, o desrespeito ao nome social ou a identidade de gênero de pessoas trans é apenas a ponta do iceberg de violências perpetradas contra essa população. “Essa violência que nos nega algo primário, que é o direito a um nome e a um pronome, ainda acontece porque a sociedade insiste em afirmar que não sou aquilo que digo ser.”

Nos últimos dias, dispararam na internet buscas sobre os termos “travesti” e “mulher trans” e as diferenças entre eles. Por muito tempo se considerou que uma mulher trans é a que passou por cirurgias de redesignação sexual, enquanto travestis seriam as que não se submeteram a esses procedimentos, mas esse é um conceito totalmente equivocado, conforme explica Bruna: “Como a própria Linn afirmou ao dizer que não é homem nem mulher, a travesti é uma pessoa que não se encontra dentro do espectro binário, é um corpo que se constitui a partir da dualidade.”

Por isso, ela ressalta, afirmar-se como travesti é “humanizar esses corpos que não são categorizáveis na normatividade” e que, historicamente, são alvos de todo tipo de violências. De acordo com o último relatório publicado pela ANTRA no marco do Dia da Visibilidade Trans, celebrado neste 29 de janeiro, 140 pessoas trans foram assassinadas no Brasil em 2021. A vítima mais jovem da transfobia que mata foi  Keron Ravach, uma menina cearense de 13 anos, morta com requintes de crueldade. Quatro de cada 10 assassinatos de pessoas trans no mundo aconteceram no Brasil.

“O principal elemento que conecta a violência e as pessoas trans é o processo de desumanização da nossa identidade, nos colocam como seres abjetos e não nos reconhecem como pessoas com as quais se relacionar socialmente, profissionalmente, afetivamente”, diz Bruna. Ela explica que o que pode ser considerado apenas como um “ato falho” quando alguém erra o pronome de uma pessoa trans é, na verdade, um gesto que autoriza outras violações de direito, direta ou indiretamente. Em 2018, uma pesquisa realizada pela Society for Adolescent Health and Medicine, nos Estados Unidos, mostrou que respeitar o nome social e os pronomes reduz em até 65% os casos de depressão e suicídio entre pessoas trans.

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Bruna denuncia que o Estado brasileiro se nega a reconhecer as violências específicas que essa comunidade hoje enfrenta. “O Estatudo do Idoso, o Estatuto da Crianla, a Lei Maria da Penha e outras medidas foram criadas para reparar processos de violência e injustiça sofridos por grupos com marcadores sociais específicos que os tornam vulneráveis. É o nosso caso também.”

Transresistência 

Nas eleições municipais de 2020, a vereadora de São Paulo Erika Hilton (PSOL), uma mulher trans, foi a mais votada do país, com 50.508 votos. Assim como Linn da Quebrada, ela furou a bolha da invisibilidade. “Elas estão construindo outras narrativas sobre as existências trans, estão pautando debates públicos, estão sendo ouvidas”, diz Bruna Benevides. Ela reconhece, no entanto, que é preciso comemorar as vitórias com perspectivas: “É importante que não se encerrem nelas as possibilidades de continuar nessa luta. Não adianta eu ser a primeira, a mais votada, se eu não abrir caminho para a segunda, para a terceira e para que todas venham depois de mim.”

O jornalista Caetano Vasconcelos, que lança neste sábado o livro Transresistência, no qual conta histórias de pessoas trans no mercado de trabalho, concorda: “São comemorações, mas também são denúncias. Estamos em 2022, mas ainda estamos falando nos primeiros e primeiras a ocupar certos espaços. Eu não quero abrir caminhos só para mim. A meta é que um menino trans chegue na sua vida adulta lá na frente sem ter que lutar por essas coisas básicas, como direito a um nome e pronomes, pelas quais ainda lutamos hoje.” Caê, como gosta de ser chamado, revela que seu maior medo ainda é usar o banheiro masculino pelo risco de sofrer uma violência sexual. Seu livro, resultado de um trabalho de conclusão de curso (TCC) em Jornalismo, narra a realidade de 14 pessoas trans que escaparam da estatística que coloca a prostituição como principal fonte de renda para 90% dessa população, de acordo com a ANTRA.

Tanto ele quanto Bruna apontam que não há possibilidade de mudança nessa realidade sem uma política social construída não só nas instituições, mas com movimentos sociais politicamente mobilizados. “É preciso que Academia, movimentos políticos-partidários e o Governo construam espaços transversais de diálogo para pensarmos juntos o enfrentamento dessas questões”, diz a secretária da ANTRA.

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