Como “O Diabo Veste Prada” dialoga com a atual indústria da moda
Com o anúncio do lançamento da segunda parte de O Diabo Veste Prada, é hora de refletir sobre as principais mudanças que a moda enfrentou nos últimos 18 anos
“Milhares de garotas matariam para estar no seu lugar.” Em 2006, essa frase do filme O Diabo Veste Prada ressoava na minha cabeça. Na época, eu estava me aventurando a fazer vestibular de Moda (e me tornar a alienígena nos almoços de domingo, com tantos advogados na minha família) e achava tentador entrar nesse mercado tão competitivo.
No caso de Andy Sachs, personagem de Anne Hathaway no longa, o RH tinha sagacidade para entrevistá-la. Na vida real, não era bem assim, não apenas no mercado editorial, mas em toda a indústria da moda.
Todo sistema era completamente diferente do que vemos hoje — podemos apelidar de “vintage” o passado não tão distante? Veremos, inclusive, na sequência que teve sua produção anunciada nas últimas semanas. Há sinais relacionados à nova narrativa que acompanha ipsis litteris o que vem acontecendo nos últimos quinze anos. Se Miranda Priestly antes estava no poder, hoje parece que ela depende de sua ex-assistente, Emily Charlton, que agora trabalha em uma marca de luxo, para manter sua posição.
Na primeira década dos anos 2000, o mercado fashion que me atraía era outro. Das revistas de moda também. Se olharmos com distanciamento, não apenas de tempo, o movimento da época exaltava tudo o que questionamos hoje, seja pela efemeridade das coleções, assassinadas a cada seis meses pelas próprias marcas, ou pelo excesso de consumo sem pensar na responsabilidade social ou ambiental.
John Galliano, durante a sua passagem pela maison Dior, era responsável por desenvolver mais de dezesseis coleções por ano, incluindo as preciosas peças de Alta-Costura, Prêt-à-Porter e acessórios, além dos espetáculos construídos para cada show da grife.
Karl Lagerfeld, que dividia sua agenda criativa entre a italiana Fendi e a francesa Chanel, também disputava o pódio de desfiles e criações mais marcantes da estação. Esse sistema se replicava em outras labels, ainda que segmentadas, para acompanhar o espírito caótico do momento.
A cereja do bolo foi o momento da logomania, em que as principais marcas estampavam suas iniciais da cabeça aos pés — porque, não bastava a estética glam e pop viralizar nas passarelas das principais capitais da moda, era preciso enfatizar os logos de Dior Oblique ou o monograma da Louis Vuitton.
Como consequência desse distanciamento de valores de tradição e savoir faire, algumas grifes flertaram com o descartável, deixando seu diferencial de valor de lado. Hoje, o movimento é de resgate das raízes para mostrar ao consumidor o que há por trás de um produto caro, o que inclui as horas de trabalho manual especializado e o material de excelente qualidade usado nas produções.
No entanto, o comportamento de duas décadas atrás acabou reforçando o título de “fútil” para um mercado que, como sabemos, carrega uma importância vital à sociedade. Afinal, a essência da moda, além da proteção física, é a comunicação e o que o indivíduo quer expressar sobre a sua personalidade e seus interesses.
Foi assim, aliás, que o termo “fashion victim” se popularizou. Afinal, estar na moda estava diretamente ligado à tendência do momento — independentemente do seu gosto pessoal.
Usar cintura alta enquanto o cós despencava cada vez mais? Careta, ultrapassado e desinteressante. Entretanto, alguns nomes, entre eles Giorgio Armani e Valentino, mantiveram seus olhares avessos a seguir a ditadura semestral que todos deveriam usar.
Apesar de boas cenas de lucidez da personagem de Meryl Streep, principalmente, quando responde à expressão de desprezo de sua assistente, Andy Sachs, em relação à moda, Miranda Priestly também é uma imagem caricata do que representava uma editora-chefe de uma revista de moda.
Afinal, com todas as transformações relacionadas à comunicação de moda, seja pela digitalização das revistas, pelo poder das redes sociais e independência das marcas para se comunicarem diretamente com o seu público, a decisão sobre qual seria o azul ou a silhueta da temporada não é mais tomada na sua sala.
Há mais vozes e criações de conteúdo de qualidade que se disseminam com mais rapidez do que a edição que levava meses para publicar os destaques do que foi visto numa fashion week.
A representação de Miranda Priestly, na revista fictícia Runway, é inspirada em Anna Wintour, uma das figuras mais emblemáticas da história da moda, que comanda há décadas a Vogue norte-americana.
Apesar do corte de cabelo da personagem de Meryl Streep ser diferente do de Anna, a aura poderosa e temida está ali, incluindo uma postura que, nos dias de hoje, não é apenas demodê, mas transcende o aceitável em relação às suas assistentes.
Mas nem todas as figuras que ocupavam esse cargo na vida real seguiam esse mesmo script. Do outro lado do oceano, o comportamento discreto, elegante e sempre sorridente da comandante da edição italiana da Vogue, Franca Sozzani, representava um tom mais amigável para a moda — e também vestia Prada. Entre as duas, sempre fui team Franca. Antes e depois da moda.
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