A estreia de Pharrell Williams na linha “masculina” da Louis Vuitton
Apresentação mais aguardada do ano reuniu amigos-famosos na primeira fila e fez o mercado da moda sacudir, literal e metaforicamente
O desfile mais aguardado do ano aconteceu. Na semana passada. Mas por que falar sobre tal acontecimento quase sete dias após a estreia de Pharrell Williams como diretor criativo de uma das maisons mais poderosas do mundo, a Louis Vuitton? Justamente porque a pressa e a necessidade de correr para dar a opinião antes que a pauta “esfriasse” não faz jus ao apresentado ao longo da Pont Neuf, a ponte mais antiga de Paris.
Estamos acostumados a ler muitas (digo, centenas) de opiniões no feed das redes sociais, mas esquecemos de que a moda ainda é um universo que precisa de tempo. Ainda mais em ocasiões compostas por diversas camadas que precisam de um olhar distante da emoção do show de Pharrell e Jay Z no grand finale do desfile. É lindo e especial, mas ainda é importante esperar a poeira baixar. E foi isso que fiz ao longo desta semana: assisti, ao todo, vinte e duas vezes o vídeo que está na home do site da Louis Vuitton. A cada play senti algo diferente, muito diferente, do que aconteceu na transmissão ao vivo. A minha conclusão, quando o marcador dos minutos chegou ao fim, foi: arrepiante.
Os vinte e três minutos do desfile de Verão 2024 da coleção “masculina”, sem dúvida, foram o suficiente para me prender a semana toda nesse assunto. Na verdade, arrisco dizer que foi a apresentação do ano. De tudo que já vi, presencial ou online, não me recordo de algo que mostrasse tanto poder na moda quanto este show. Nem na época quando Karl Lagerfeld colocava suas modelos vestindo os tweeds envelhecidos da Chanel, atravessando passarelas temáticas, que iam de uma estação espacial até uma praia artificial, com direito a ondinhas e areia para afundar o salto.
Mas voltando ao foco: este foi um espetáculo porque Pharrell não estava a cargo apenas da roupa, como estávamos acostumados a ver em um desfile. Ele também cuidou da trilha sonora, que iniciou com as teclas elegantes em um Steinway & Sons, passando pela música “Peace Be Still”, feat. dele com Lang Lang; “Chains & Whips”, por Clipse; e “JOY” por Voices of Fire feat. ele próprio também. Ou seja, algo inédito. Afinal, a evolução do som ao longo da apresentação não foi apenas um pout pourri de trechos de hits do Spotify. Menos ainda após o desfile, ao lado do amigo e convidado da primeira fila, Jay Z. Uma coisa é a grife contratar a celebridade, outra é estar ali de alma e coração. E a satisfação do rapper, Beyoncé, ASAP Rocky, Rihanna, Lewis Hamilton não era de presença profissional, como muitos deles já fazem com outras marcas – desta vez, era de apoio ao amigo.
Há pouco menos de seis meses, quando a grife apontou Pharrell como sucessor de Virgil Abloh, o buzz foi garantido. Eu, que esperava escutar que algum novo talento ou alguém da própria equipe de Virgil assumiria o cargo, fiquei dividida a entender o que era apenas o burburinho por conta do nome do cantor e produtor ou, de fato, pelo olhar criativo de Pharrell (que tinha recém pisado na bola na “criação” do seu óculos na Tiffany). Atualmente, tem sido especial ver profissionais, que estão há anos dentro das marcas, ganharem visibilidade, como aconteceu com Virginie Viard, Matthieu Blazy e Sabato de Sarno, a estrear na Gucci.
À primeira vista, não fez muito sentido a maison quebrar esse ritmo iniciado na época de Virgil, que tinha sua Off-White, mostrava um olhar afiado na moda e já tinha estagiado na Fendi ao lado de Kanye West. A relação entre Virgil e o mercado criativo fashion era mais lógico que o de Pharrell. Mas, em declaração recente, o músico, vencedor de 13 prêmios do Grammy, comentou não ter estudado na Central Saint Martins, como rege a tradição de muitos estilistas. Entretanto, ele também não precisou estudar música na Juilliards para conquistar tanto sucesso.
E, sim, Pharrell está certíssimo. O olhar que construiu ao longo do tempo, seja nas colaborações feitas para a Chanel, Adidas ou Moncler, mostrou uma conexão genuína entre universos que ultrapassam o da roupa. Assim como foi na época de Virgil, que estreou também em um desfile ao ar livre e nos apresentou uma nova era para a Louis Vuitton. A começar por ser o primeiro homem preto a assumir a direção criativa da tradicional maison francesa. Na época, ele foi o segundo, após Olivier Rousteing na Balmain, entrar para um cargo criativo com tanta visibilidade na história da moda – algo que o grupo Kering, concorrente direto da LVMH e com tantas marcas, ainda não fez. Mas sabíamos que a nova tradição da Louis Vuitton “masculina” não se quebraria e, do nada, voltaria a era Kim Jones (que eu adoro e é um super alfaiate, mas eram outros tempos em termos de LV).
No que diz respeito à coleção, que celebra a conexão da capital francesa e Virgínia, estado natal de Pharrell, todos, absolutamente todos, os códigos estavam presentes e repaginados. O camuflado pixelado, “Damoflage”, que combina o padrão Damier, icônico da maison, com a camuflagem em um reflexo de dois domínios de estilo diversos, em homenagem simultânea aos amigos de longa data de Pharrell Williams em Paris. A padronagem também surgiu nas cores primárias, em interpretações de pérolas, pied de poule e na versão “Atari” pixel de 8 bits pelo ET Artist.
Os trunks, que deram origem à marca pelas mãos do próprio Monsieur Vuitton, apareceram diversas vezes representados nas bolsas de mão, maletas ou passeando ao longo da ponte em um carrinho de golfe. Assim como a bolsa Speedy, que é um dos best sellers da maison, com monograma metálico; e a sacola de compras das boutiques da marca, que surgiu feita em couro. A silhueta das peças resgatavam a estrutura Dandy, com aplicações de pérolas ou cristais, outras traziam modelagens relaxadas e amplas, o que costumávamos ver nas coleções de Virgil.
Nesta passarela, Pharrell também trouxe referências do que tinha sido o Inverno 2012 de Kim Jones: há um pouco da ousadia de Ghesquière nos acessórios e uma lembrança deliciosa da época de Marc Jacobs, inclusive, seu grande parceiro – e quem conectou Pharrell, pela primeira vez, em 2004, quando participou de uma cocriação de óculos para a maison, e apresentou o cantor à família Arnault. Inclusive, após a entrada final, para agradecer ao público, ao lado de toda a equipe envolvida na construção da coleção, o novo diretor criativo da Louis Vuitton fez uma parada discreta antes de cumprimentar a mulher e os filhos. O aceno e o gesto de gratidão estavam direcionados a Bernard Arnault, presidente e diretor (ok, dono!) da LVMH. Em troca, Arnault disse “Good job!”.
Mesmo sendo uma passarela de moda, com foco absoluto nas roupas, o espetáculo apresentado pela Louis Vuitton foi além do que já tínhamos visto. É sobre uma conexão muito maior – aí você pode chamar de entretenimento, marketing ou o que for. A experiência de assistir a uma apresentação que reverencia e leva uma grife de luxo a um alcance inimaginável; que coloca um profissional fora do padrão esperado (aqui, eu mordo a minha língua) pelo mercado; e que mostra a criação para além de quem desenha uma calça de alfaiataria, incluindo também quem consegue orquestrar cada capítulo deste episódio que foi o desfile da Louis Vuitton “masculina”, revela que há um novo nível a ser descoberto pela moda – mensagem tão especial que Pharrell nos contou.
Sabemos que a Louis Vuitton separa suas duas linhas, assim como a maioria das marcas de luxo, em feminino e masculino. Durante a apresentação, o casting contou com a presença de modelos mulheres, entre elas a alemã Anna Ewers (dona do look com a sacola da boutique). Sobre isso, Pharrell disse que “ele cria para humanos”. E sabe o que é sempre bom lembrar após uma frase dessas? Que isso, ainda, a Central Saint Martins não tem ensinado. E que, sim, eu chorei vinte e duas vezes assistindo ao seu genial espetáculo.