Chef ensina receitas clássicas da culinária do interior
Baião de dois e carne de panela com creme de mandioca estão entre os pratos ensinados por Manuelle Ferraz, dona do A Baianeira, em São Paulo
Os quilômetros que separam a cidade de Almenara, no norte de Minas Gerais, de São Paulo parecem não existir quando se adentra A Baianeira. O restaurante da chef Manuelle Ferraz, na região central da capital paulista, é um refúgio contra o caos urbano. No cardápio, delícias resgatadas da memória de Manuelle da terra natal, como a galinhada e o baião de dois.
Localizada no Vale do Jequitinhonha, quase na divisa com a Bahia, Almenara exportou um de seus 41 mil habitantes rumo à seleta lista dos Bib Gourmand, do guia Michelin, que destaca a excelência de restaurantes mais informais.
As lembranças do interior, presentes nos sabores sertanejos dos pratos que saem da cozinha, conquistam todos os que passam por ali – é praticamente certo que as pessoas voltem para outras visitas. O nome da casa é uma homenagem à localização geográfica onde surgem as inspirações para a comida, a junção de baiana e mineira.
“Sou de uma família só de mulheres e, mais do que retomar os hábitos alimentares da casa da minha avó, me encontrei mergulhando nos costumes do interior do Brasil. Essa é minha grande pesquisa, e torna o que estou fazendo algo infinito. É a nossa comida do dia a dia; não é uma tendência, mas nossa cultura”, diz.
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Antes de se encontrar na gastronomia, a chef, que é formada em direito, trabalhou em um tribunal em Minas Gerais. Aos 27 anos, deixou a carreira jurídica para se tornar cozinheira profissional. O salto foi planejado: Manuelle fez um curso técnico de um ano e, no dia seguinte à formatura, embarcou para Nova York para ganhar experiência em grandes restaurantes.
“Coloquei na cabeça que isso aceleraria minha trajetória, já que estava começando mais tarde do que os outros. Mas amei que aconteceu nesse momento, porque foi uma escolha feita com muita dedicação. Foram dois anos em Nova York, e trabalhei enlouquecidamente. A ideia era seguir para a Europa depois, mas no meio do caminho me apaixonei pela Izabel, hoje minha mulher, e decidi voltar para o Brasil com ela”, conta.
Por aqui, fincou raízes em São Paulo e trabalhou com Alex Atala no D.O.M., porém logo veio a certeza de que precisava encontrar a própria voz na cozinha. Com o apoio da parceira, esboçou o conceito do restaurante. “Ela me ligou um dia e disse: ‘Já sei, vamos montar uma casa de pão e você começa a construir o seu caminho’. Eu não sabia fazer pão, mas um ótimo pão de queijo. E começou assim, apenas uma vendinha”, diverte-se com a lembrança. Quase cinco anos depois, o pão de queijo – receita de sua mãe – é uma das opções de entrada no variado cardápio.
“A comida de casa de avó não pode ficar só na memória – faz com que as pessoas cozinhem em casa, sentem à mesa e conversem. Acho urgente nos reconectarmos com quem somos de verdade. E quando fizermos isso estaremos falando também de sustentabilidade, porque nossa cultura sempre foi de alimentar muita gente, de fazer render a comida. Da escassez sai uma coisa grandiosa, que é compartilhar sem desperdício e sem excesso”, acredita a mineira.
Essa personalidade pé no chão e a atenção à simplicidade renderam ainda outra conquista, uma unidade do A Baianeira dentro do Museu de Arte de São Paulo (Masp), com abertura prevista ainda para este ano. Em um dia ensolarado de inverno, Manuelle juntou os amigos Guilherme Soares, Heitor Salatiel e Daniel Aparecido Ferreira e ofereceu um almoço com os melhores sabores do interior.
Lugar de mulher
Com uma equipe quase toda de mulheres, A Baianeira é também um lugar em que o papo sobre equidade de gênero rende. A cozinha tem até um trio de irmãs trabalhando juntas.
“Ao contrário de muita gente, não sigo a regra de não contratar família. Porque você vai trazendo seus afetos. Todo mundo que começou comigo está aqui até hoje. Digo que os homens que trabalham conosco também têm uma alma feminina”, conta Manuelle.
A preocupação com a cadeia produtiva é recorrente, por isso decidiu que pagaria salários acima do piso da categoria. “Ninguém sustenta uma família com o piso. Minhas funcionárias vieram de trabalhos como diaristas. Agora, têm uma nova profissão e ganham o mesmo ou mais que os maridos. É engraçado que, aos sábados, eles é que cuidam dos filhos e vêm buscá-las no final do expediente”, completa.
Os ingredientes típicos, como queijos mineiros, manteiga de garrafa e polvilho, vêm todos de fornecedores do interior. É um compromisso que Manuelle assumiu com a terra natal para retribuir e compartilhar com os conterrâneos tudo o que tem colhido de bom.
“Minha família inteira continua em Almenara. Ainda bem, porque sempre reforça meu elo com o lugar, me faz voltar para lá sempre. Trazemos quase tudo de lá, e isso é essencial, justamente porque não quero explorar uma cultura e não dar nada em troca.”
Mesa da semana
Ainda criança, Manuelle elegeu o combinado de arroz e feijão como seu favorito. Chegava da escola ansiosa para comer o prato típico do almoço brasileiro.
“Sou comilona e, quando cheguei de Nova York, a primeira coisa que pedi foi um PF. Mas normalmente é considerado um subproduto, porque o feijão não é de qualidade ou o deixam muito gorduroso. Por isso quis fazer no restaurante essa comida trivial: para oferecer arroz e feijão bem-feitos”, conta.
A chef preza os orgânicos, mas prefere não fazer disso uma bandeira. “Eu uso nos nossos pratos e acredito que a pessoa percebe pelo sabor que está comendo um alimento melhor – é por isso que ela volta. Mas não precisa colocar um selo.”
Outro pilar da culinária brasileira, a mandioca também aparece em quase tudo o que sai da cozinha de A Baianeira. “A farinha é algo emblemático para nós, todos os pratos no interior levam. Ela faz a comida render, contribui com aquela expressão ‘botar água no feijão’. Porém, usamos a mandioca de várias formas: farinha, polvilho, cozida, purê”, completa.
Acompanhando a carne de panela, por exemplo, a mandioca virou creme. E na quenga de milho verde com galinha vem na farofa com manteiga de garrafa.
Confira 7 receitas de clássicos da culinária do interior:
1. Salada Almenarense
2. Nhoque de batata-doce com creme de requeijão de corte moreno
3. Baião de dois sirizado
4. Quenga de milho verde com galinha
5. Carne de panela com creme de mandioca
6. Brûlée de goiaba
7. Mangada com requeijão de corte moreno
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