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Renata Sorrah: “O futuro não existe pra mim. Penso no que posso fazer hoje, já”

A relação de Renata Sorrah com o tempo mudou radicalmente. Ela dá mais importância para viver o hoje do que planejar o futuro

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 abr 2024, 14h22 - Publicado em 15 out 2021, 09h00
renata sorrah
 (Nana Morares/CLAUDIA)
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m 50 anos de carreira, Renata Sorrah, 74, sempre acreditou na potência da arte e no valor da cultura. Na pandemia, porém, se surpreendeu com o impacto positivo dessas forças na vida das pessoas, que procuraram no entretenimento fuga da realidade e informação para enfrentar tempos difíceis.

“Para mim, a minha missão como artista não é entrar numa egotrip, mas dar a mão ao outro, iluminar o caminho até uma possível saída de uma situação dura. Durante a pandemia, consegui fazer isso e, olhando agora, tenho ainda mais orgulho do meu ofício”, contou ela em entrevista a CLAUDIA.

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Renata é discreta, geralmente se recusa a estampar capas ou falar de si mesma. As redes sociais ela evitou ao máximo, até que, por pura pressão, se juntou ao Instagram. “Mas eu não fico colocando só foto minha, acho que aquele é um lugar de expressão e é importante se posicionar. Não entendo estar ali e não denunciar algumas das coisas graves que vivemos hoje”, fala, com energia de sobra e criatividade pulsando.

renata sorrah
Renata Sorrah usa blazer, Mixed; anel, Brennheisen; camisa, Animale; calça, Rosa Chá e colar, Swarovski (Nana Morares/CLAUDIA)

A atriz, aliás, não teve pausa durante os meses de isolamento. Participou de séries, deu entrevistas e palestras, lançou trabalhos e estudou. Mas fez tudo isso de sua casa na serra fluminense, para onde se mudou com a filha e os netos, de 9 e 12 anos. “Foram oito meses convivendo bem perto deles, nunca tínhamos passado tanto tempo juntos. Que privilégio!”, lembra.

Claro que aconteceram momentos de medo e angústia e, depois, de inconformismo com o escândalo das vacinas e a negação da ciência por parte do governo. Renata resolveu voltar à terapia e tem adorado o mergulho interno nessa etapa da vida. A única coisa que a incomoda é não conhecer o rosto do profissional que a atende. “É muito estranho olhar para o terapeuta de máscara, tenho vontade de pedir para ele abaixar só para eu ver como ele é, afinal, estou contando minha vida a ele”, diz rindo.

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(Nana Morares/CLAUDIA)

Agora, com muito orgulho, Renata se prepara, assim como a colega Adriana Esteves, para a estreia de Medida Provisória, o tão esperado filme dirigido por Lázaro Ramos.

Na trama, uma medida provisória decreta que todas as pessoas cuja família possui raízes africanas devem ser extraditadas ao seu país com os custos cobertos pelo governo brasileiro, que disfarça o ato como uma generosidade para maior conexão com as origens. Focos de resistência se formam ao mesmo tempo em que discursos de ódio ganham fôlego.

Apesar do tema sombrio, toques de ironia e humor suavizam a experiência sem impedir a reflexão. É daqueles filmes que ficam com você por algum tempo depois de assistido. Exibido em festivais no exterior, foi aclamado pela crítica e ganhou prêmios. No longa, Renata vive Dona Isildinha, personagem quase caricata de tantos clichês que reproduz em falas preconceituosas – infelizmente, algo ainda longe de ser ficção.

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Durante a sessão de fotos, Renata brincou com a equipe e lembrou junto da fotógrafa Nana Moraes, amiga de longa data, situações marcantes e engraçadas. “Mas não sou dessas que fica falando: ‘Ah, no passado era assim’. Acho péssimo isso. Meu olhar é para o futuro e como estamos construindo ele.” Foi esse o assunto que predominou na nossa conversa.

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A Dona Isildinha não poderia ser mais diferente de você, dos seus valores. Como foi sua reação ao ser convidada para o papel?

Acho o filme atualíssimo e vejo pessoas como a Dona Isildinha por aí, frustradas, solitárias, amargas e cheias de preconceitos. Ela é o exemplo máximo da cartilha do meninas vestem rosa e meninos vestem azul. Mas é bom fazer um personagem descolado de você, porque você consegue vê-lo solto na sua frente, não gruda. São sentimentos que você não reconhece como seus.

Fiquei muito honrada quando Lázaro me chamou. Eu e ele temos história juntos e amigos em comum. Participei de Madame Satã com ele, fizemos duas ou três cenas muito fortes e me tornei uma eterna admiradora. Como eu já imaginava, o set de Medida Provisória foi incrível, tive o prazer de estar num camarim com Seu Jorge cantando. E não dá para negar a importância do assunto, que é sobre olhar para o outro, para a dor do outro. E isso é parte da essência de ser artista.

“Refleti muito sobre o futuro e acho que não existe para mim, acabou. Não dá para fazer projeções de tempo. Hoje, a minha ideia de futuro é tudo que a gente é capaz de fazer agora. Como eu posso modificar as coisas já? Não quero jogar para frente”

O filme é inspirado numa peça montada pela primeira vez em 2011. Ainda assim, o roteiro é atualíssimo, discute nossa incapacidade de entender a importância das diferenças no coletivo. Vocês gravaram antes da pandemia, mas parece que faz ainda mais sentido lançar agora.

Quando gravamos, discutíamos se um dia uma situação dessas poderia se tornar real. Mal sabíamos que viveríamos a tragédia da pandemia. Aliás, um ano depois das gravações, vimos George Floyd ser assassinado com uma joelhada no pescoço. E o mundo todo anda mal. Abri o jornal ontem – não abro mão de jornal impresso, gosto do papel, da diagramação – e tinha uma foto de um homem enforcado num guindaste, no Afeganistão.

Fui andar no Jardim Botânico para espairecer. Amo andar por lá, me dá perspectiva. Tem árvores africanas, brasileiras, asiáticas. Eu olho aquilo e penso: ‘Que perfeição! Elas são mais perfeitas que a gente, fortes’. O ser humano precisa melhorar. Ainda destruímos a Amazônia. É um acúmulo de coisas ruins, uma brutalidade.

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A pandemia acentuou essa sensação de desesperança. Como você lidou com isso?

Uma das coisas que fiz por mim foi voltar para a terapia. Está me fazendo muito bem. Já tinha feito análise algumas vezes durante a vida e é muito importante. A última vez tinha sido quando meu pai morreu, há uns sete anos. Ele tinha 101 anos e eu não segui por muito tempo na terapia. Mas dessa vez está sendo muito interessante. Estou mais velha e entendendo outras coisas sobre mim. Refleti muito sobre o futuro recentemente. Acho que não existe futuro para mim, acabou. Não dá para fazer projeções de tempo.

O planeta está se extinguindo e os modos de vida que a humanidade foi capaz de criar mostram que não teremos amanhã se seguirmos nesse caminho. Hoje, a minha ideia de futuro é tudo que a gente é capaz de fazer agora, nesse minuto. Como eu posso modificar as coisas já? Não quero jogar para frente, aquele papo de quando melhorar, faço tal coisa; quando todos forem vacinados, vou fazer assim… Não, é o agora! Se eu faço um gesto em prol do coletivo hoje, o amanhã passa a existir. Eu vivo e cultivo a arte, o pensamento, a cultura para formar o amanhã. É o presente contínuo que vai gerar o futuro.

“Sempre me contaminei com a juventude no trabalho, acho isso importante. Vivi o mesmo com meus netos durante a pandemia, quando ficamos isolados juntos. Eles têm uma inocência tão bonita, comovente. Você não precisa ensinar, mas aprender”

Esse conceito de futuro veio com a pandemia?

Eu nunca tinha pensado nisso antes. O futuro era a próxima peça que eu ia fazer, um encontro marcado com amigos para ver um filme, uma viagem agendada. Eu pensava lá na frente. Na pandemia, entendi que nós temos que criar o futuro todos os dias, todos os minutos. Nesse sentido, tento me voltar para o bem, algo que deve ser urgentemente resgatado. Os valores humanitários estão ruins. Não dá tempo de esperar para ver o que vai acontecer. Eu estava lendo uma poesia da poetisa norte-americana Mary Oliver, que morreu em 2019, belíssima e ela fala: ‘A alegria não foi feita para ser uma migalha’. A gente não foi feito para se contentar com migalha, precisamos querer mais.

Você não parou de trabalhar durante a pandemia. Até a série Diário de um Confinado gravou remotamente. O que você refletiu sobre seu ofício nesse período?

A série foi adorável de fazer, genial! Eu achei incrível como achamos outras maneiras de chegar ao público. Os teatros estão fechados? Nós vamos para a internet. Fiz trabalhos que alcançaram todo o país. Ainda assim, sei que o teatro não perde seu lugar, ele é olho no olho, público e plateia, um encontro do qual não se pode abrir mão. Mas geramos possibilidades interessantes. E assim que a Companhia Brasileira de Teatro retomar, vamos montar A Gaivota, de Tchekhov. Eu interpretei a Nina na década de 1970 e agora serei a Cadma, uma personagem mais velha.

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Minha força de trabalho é maior do que nunca, tenho vontade de fazer mais. Eu tenho muito orgulho da minha trajetória, do meu passado. Estou fazendo um workshop sobre o Tchekhov e o Górki. Fiz uma peça do último, Os Veranistas, em 1978. Ganhei até prêmio. O elenco era maravilhoso. Peguei para reler e foi uma emoção imensa. Que força! Tenho orgulho das minhas escolhas.

O passado me permitiu construir quem sou hoje. Posso fazer o mesmo papel que fiz há 40 anos e vai ser diferente, porque esse tempo me fez conhecer coisas novas, tive alegrias, sofrimentos, relações diferentes, uma filha, netos. O tempo passa e nós colhemos muitas coisas. Gosto de mudanças, não entendo quem não gosta. Você tem que estar disposta a virar uma página, uma esquina, trocar olhares, dar um mergulho no mar. Tem gente que fica se segurando no passado. O passado já foi. O grande barato é o hoje. Eu pego nas mãos dos meus netos e penso: ‘Vale a pena viver’.

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(Nana Morares/CLAUDIA)

Como é sua relação com o envelhecimento?

É difícil. A atriz sempre vai ter trabalho, porque há personagens de todas as idades. Você começa como a filha, vira a mãe e depois a avó. E alguns autores sabem escrever bem as mulheres. Contudo, a atriz também vive um envelhecimento duplo, na tela e na vida real. Cada ruguinha que aparece, todo mundo vê. E, pessoalmente, acho duro concluir que existe um limite de tempo.

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Eu gosto de me lembrar do meu pai nessas horas. Ele trabalhou muito. Tinha uma força que eu espero herdar. Também sempre me contaminei com a juventude no trabalho, acho isso muito importante. Recentemente, não vivi isso no ambiente profissional, mas com meus netos. Eles têm uma inocência tão bonita, comovente. Você não precisa ensinar, mas aprender, ouvir.

Não me sinto envelhecendo, porque tenho tantos projetos, gosto de criar, quero fazer tanta coisa ainda. Só evito ser uma pessoa que vive reclamando do mundo. Se estou aqui, quero combater aquilo do qual discordo e caminhar de braços dados com quem defende o que acredito. Acho que o mundo está em ebulição, é tanta coisa acontecendo!

“Gosto de mudanças, não entendo quem não gosta. Você tem que estar disposta a virar uma página, uma esquina, trocar olhares, dar um mergulho no mar. Tem gente que fica se segurando no passado. O passado já foi. O grande barato é o hoje”

Renata, você está sempre nas redes sociais falando das causas que defende e denunciando o que não acredita. Como foi essa adaptação às redes?

Eu não entrei de livre e espontânea vontade. Recusei Twitter, Facebook, só tenho Instagram. Coloco lá fotos de trabalhos meus, coisas que gosto, posicionamentos. Falo contra a matança dos povos originários, demonstro meu apoio aos movimentos negro e LGBTQIA+. E também tem momentos de espalhar alegria, com sugestão de livro, filme, poesia.

Algumas vezes, até penso em parar, porque me irrito profundamente. Mas sei que é bom para o meu trabalho. Eu gosto da ideia de dividir, acho bonito. Só desprezo os ataques, pessoas querendo espalhar ódio. Para que isso? Tem que somar, exaltar o amor.

 

Fotos Nana Moraes • Maquiagem Everson Rocha • Cabelos Áurea Gomes • Edição de moda Fabio Ishimoto • Styling Acacio Acacio • Concepção Visual Lorena Baroni Bósio

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