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Walter Firmo, o fotógrafo que inscreve a alma da cultura negra no Brasil

Retrospectiva no IMS Paulista reúne mais de 260 obras do artista, desde fotos manifestações culturais até retratos de artistas consagrados

Por Joana Oliveira
11 Maio 2022, 08h39
Bumba-meu-boi, São Luís, MA, 1994 circa.
Bumba-meu-boi, São Luís, MA, 1994 circa.  (Walter Firmo/Acervo Instituto Moreira Salles)
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Afeto e valorização da negritude. Pode-se dizer que esses são os eixos centrais do trabalho do fotógrafo carioca Walter Firmo, de 84 anos. Numa imagem, os largos sorrisos de duas fantasiadas para festejar o bumba-meu-boi, em São Luís (MA). Noutra, pai e filho ensaiam passos de capoeira na areia da praia de Piatã, em Salvador (BA). Numa terceira, a cantora Clementina de Jesus posa altiva e sorridente, numa cadeira de sua casa, no Rio de Janeiro. Essas são algumas das 266 fotos feitas pelo artista que compõe a retrospectiva de sua obra no IMS Paulista, com visitação gratuita até 11 de setembro.

“O Walter Firmo talvez seja o maior fotógrafo brasileiro vivo hoje, alguém que retrata e inscreve a alma da brasilidade e da cultura negra na história do país. É importantíssima essa homenagem ainda em vida, principalmente porque ele doou a vida ao ofício de registrar a beleza e riqueza dessa negritude”, afirma, sem titubear, Janaina Damaceno, curadora da exposição, junto com Sergio Burgi.

A cantora Clementina de Jesus, Rio de Janeiro, RJ, c. 1977.
A cantora Clementina de Jesus, Rio de Janeiro, RJ, c. 1977. (Walter Firmo/Acervo Instituto Moreira Salles)

Nascido e criado no subúrbio carioca e filho único de paraenses —o pai, um homem negro e ribeirinho do baixo Amazonas, a mãe, uma mulher branca de família portuguesa—, Walter Firmo começou a fotografar cedo, depois de ganhar do pai sua primeira câmera, uma Rolleiflex. “Seu pai, que era marinheiro, torna-se um cosmopolita ao viajar pelo mundo e entende que o seu filho tem o direito de olhar para esse mundo, um direito que foi negado historicamente ao povo negro”, conta Janaina. O presente abriu caminhos para sua trajetória profissional e, aos 18 anos, Walter entrou na equipe do jornal Última Hora, após estudar na Associação Brasileira de Arte Fotográfica (Abaf), no Rio. Mais tarde, trabalharia no Jornal do Brasil e, em seguida, na revista Realidade, como um dos primeiros fotógrafos da revista. Em 1967, já trabalhando na revista Manchete, foi correspondente, durante cerca de seis meses, da Editora Bloch em Nova York. 

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Foi nos Estados Unidos que ele entrou em contato com o movimento Black is Beautiful e as lutas pelos direitos civis da população negra, temas que pautaram todo o seu trabalho a partir de então. Tanto nos registros do dia a dia como fotojornalista quanto nas demais fotos, prevalece em suas imagens um sentido de afeto e beleza que perpassam as vivências do povo negro. Acabei colocando os negros numa atitude de referência no meu trabalho, fotografando os músicos, os operários, as festas folclóricas, enfim, toda a gente. A vertigem é em cima deles. De colocá-los como honrados, totens, como homens que trabalham, que existem. Eles ajudaram a construir esse país para chegar aonde ele chegou“, diz o próprio Walter Firmo.

Gaudêncio da Conceição durante Festa de São Benedito, Conceição da Barra, ES, c. 1989.
Gaudêncio da Conceição durante Festa de São Benedito, Conceição da Barra, ES, c. 1989. (Walter Firmo/Acervo Instituto Moreira Salles)

 “Desde cedo, ele foi um fotógrafo que entendeu a inscrição da imagem negra na cultura do país, multiplicando os sentidos do povo negro no mundo”, acrescenta Janaina, que celebra a oportunidade de reconhecer e celebrar a genialidade de Walter ainda em vida. “Ele tem 84 anos e ainda tem projetos futuros. O reconhecimento é sempre tardio quando a gente vai falar das pessoas negras. É sempre urgente quando fazemos o reconhecimento de artistas como o Walter”, diz.

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Seu trabalho como fotógrafo reflete a cultura negra como patrimônio da diáspora global, explica Janaina. “Quando a gente vai falar de brasilidade e cultura negra, somos muito locais, bairristas. Mas Walter fotografou essa cultura em Nova York, Cuba, Jamaica… Considerando que temos a maior população negra do mundo depois da Nigéria, o que ele registrou no Brasil é imenso. É um registro continental do que o povo africano, o povo negro, se torna na diáspora.”

É por isso que a curadora lamenta que Walter Firmo ainda não tenha o devido reconhecimento internacional. Segundo ela, além do racismo estrutural que também perpassa as fundações e instituições do mercado artístico, ainda há um domínio hegemônico do discurso sobre o que é o Brasil para fora. “Quem são os curadores, quem são as pessoas que apresentam as obras dos brasileiros fora daqui?”, questiona. Janaina acredita, no entanto, que a retrospectiva no IMS abrirá portas para esse reconhecimento. Enquanto isso, Walter Firmo continua exercendo seu direito de olhar o mundo e construir esse mesmo mundo nas suas próprias imagens.

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