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Meu nome é Margarida!

Integrante do grupo musical Pastoras do Rosário, ela produz uma herança ancestral inestimável: seu conhecido acarajé é vendido em São Paulo há 25 anos

Por Esmeralda Santos (colaboradora)
Atualizado em 7 dez 2020, 17h16 - Publicado em 2 ago 2020, 12h30
 (Foto: Cassandra Mello/Divulgação)
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“Sou aquela que lê, que escreve no barro, que luta e crê, que aguenta o fardo. Sou árvore, sou tora que nasce em machado, sou água que brota, mulher um fado. De mim nasce o planeta, observamos o contrário, o que tiver que sempre seja, somos as Pastoras do Rosário”, a letra entoada pela Dona Margarida por telefone em entrevista à CLAUDIA, foi composta pelo cantor Renato Gama para o Grupo Pastoras do Rosário, da qual ela faz parte.

Cantar e celebrar sua história é apenas um de seus inúmeros talentos. Há 25 anos, dona Margarida vende seu famoso acarajé no Trianon MASP, na Avenida Paulista em São Paulo. Com a chegada do coronavírus, Margarida precisou de isolar por pertencer ao grupo de risco – ela tem incríveis 69 anos bem vividos – e não sabia exatamente como continuaria vendendo seus quitutes. “Fiquei muito chateada, frustrada, porque de repente tudo parou”, explicou ela.

Sua história com o acarajé é de longa data, sua mãe e avó sempre gostaram de cozinhar. Mas o que marcou de fato o encontro com essa culinária, foi no terreiro de Candomblé de seu irmão. “Fazíamos festa pra são Cosme Damião Doum, e ali começamos a comida: o vatapá, caruru, o bolinho do acarajé e cada um fazia um deles. Eu ganhei o grande presente de fazer o acarajé. Pra mim foi um presente de deus aprender a fazer e sair vendendo nas feiras”, lembra dona Margarida.

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Carolina Maria de Jesus (Foto: Cassandra Mello/Divulgação)

Com a chegada da pandemia causada pelo novo coronavírus, ela começou a sentir mais desmotivada por não poder estar nas ruas vendendo seus pratos e conversando com os seus clientes, e algo precisava ser feito para que ela voltasse a sua atividade, mesmo que dentro de casa. Logo, seu filho usou o que sabe nas redes sociais e criou um site para que ela voltasse a fazer seu delicioso e conhecido acarajé. “Graças a deus isso me deu aquela injeção de ânimo, na internet pelo menos eu posso cantar um pouco e trabalhar também”, conta.

Seu amor e dedicação na cozinha deram a ela e sua família grandes conquistas. Sua filha Cláudia fez doutorado na USP, e Cláudio é formado pela PUC. Dona Margarida conta com orgulho que suas talentosas mãos colocaram seus filhos em lugares que antes eram negados. “Isso é coisa de mulher negra, né? A gente vai mesmo pra luta. Ser mulher negra e ter consciência é um grande orgulho que eu tenho. Minha mãe sempre falava pra eu não abaixar a cabeça e ir pra luta, me amarrei nisso e nesse dom que deus me deu”, fala ela, gloriosa do legado que produz.

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Com determinação, Pastora do Rosário!

“Ser a pastora do rosário é uma coisa muito significante na minha vida, porque a gente chega em certa idade e pensamos que não servimos pra nada. A partir do momento que a gente sobe do palco é florescer as ideias”, conta Margarida, animada ao lembrar das rodas de samba que aconteciam na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, na Penha.

O grupo é composto por mulheres negras sexagenárias, e segundo dona Margarida, a mais nova e caçula do grupo, tem 40 anos idade. Ela lembra de uma vez em que o diretor Renato Gama as desafiou a cantar sem a “pasta” que é onde ficam as músicas de todo o repertório das pastoras. “Eu como sou mais bocuda comecei a reclamar, falei que temos certa idade e nossa ideia tá ‘tudo na nuca’, nós não somos cantoras, precisamos ver a pasta. Ele disse: meninas, com todo o respeito, vocês nem imagina a capacidade que vocês têm”, descreveu.

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As Pastoras do Rosário: Majestade Sol, Marlei Madalena, Sandrinha do Rosário, Lara de Jesus, Neuza Lima, Dona Margarida, Wilma Silva e Carla Lopes (Foto: Cassandra Mello/Divulgação)

O desafio foi lançado, e mesmo achando que não conseguiria cantar sem ver as letras, ela percebeu que era capaz de fazer exatamente o que o diretor havia pedido. “Percebi que eu tinha capacidade de cantar sem a pasta e nós cantamos. Aprendi demais sobre isso, pra mim é um orgulho”, conta, orgulhosa pela conquista junto as outras pastoras.

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Uma de suas maiores alegrias é estar junto á Comunidade dos Homens Pretos da Penha na grande roda de samba do rosário, nas festas que aconteciam todo início de mês. A comemoração reúne boa parte da comunidade negra, entre elas benzedeiras, candomblecistas, umbandistas. Foi ali que o grupo nasceu, partindo da necessidade de se ter mulheres negras nas rodas. “Sinto aquele orgulho de subir no palco e cantar pra eles. A gente não tem nem voz pra cantar, mas quando acontece dá uma luz, uma força pra cantar, é uma força ancestral. Ali naquela igrejinha, foram nossos ancestrais que fizeram. E você entrando ali, você sente aquela fé, você quer ficar descalço, eu sinto isso”, diz ela.

Meu nome é Margarida!

“Eu adoro ser uma mulher negra. Se um dia um partir, quero voltar e ser uma mulher negra. Essa é uma frase de Carolina Maria de Jesus, e pra mim foi um grande prazer cantar músicas dela”, conta ela, que em todos os momentos se mostrou nostálgica ao lembrar das missas e ensaios.

Ela também lembrou uma situação que viveu na infância que marcou sua vida para sempre. Momento de autoafirmação da sua cor, e principalmente de quem ela é. “Minha prima era mais fraquinha e as meninas viviam mexendo e xingando ela. Meu irmão me chamou e disse o que estava acontecendo. Eu passava as férias na casa da minha tia, e quando fui pra lá, essas meninas falaram: “chegou outra pretinha”, vieram me bater. Eu respondi: Meu nome é Margarida! Eu sei que eu sou preta, mas tenho um nome”, conta ela.

Produzindo herança e legado

O momento de força e afirmação da sua identidade foi repassado aos seus filhos. Dona Margarida contou que em determinado dia sua filha chegou da escola desejando tirar as tranças de seus cabelos. “Ela nunca alisou os cabelos, e quando me pediu pra tirar as tranças, fiquei pensando. Perguntei porque ela queria tirar as tranças, e ela falou que na escola eles estavam xingando e zoando o cabelo dela. Eu só ia destrançar as tranças porque ela realmente queria, mas eram por causa de outras pessoas que ficaram xingando, eu não ia tirar”, conta Margarida. “Eu falei: filha, você sempre vai escutar essas piadas, você precisa continuar de cabeça erguida e sendo quem você é. Até hoje o cabelo de Cláudia é natural”.

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“Não sei porque, mas a mulher negra tem uma personalidade muito forte. Nós falamos “eu vou conseguir, eu vou fazer e vou fazer”. Eu creio no dia de amanhã e sei que vou trabalhar, vou voltar pro Trianon, estou no caminho do Benedito e Nossa Senhora do Rosário e eu creio que tudo isso vai acabar”, diz Margarida.

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