Crianças do Complexo do Alemão participam de rodas de leitura virtuais
Os encontros, promovidos pelo Instituto Estação das Letras, trazem livros com temáticas de autoaceitação, representatividade e pertencimento
Despertar crianças e adolescentes para o prazer da leitura, autoconhecimento e conhecimento do mundo. É esse o objetivo do projeto Rodas de Leitura, do Instituto Estação das Letras, ao promover encontros virtuais de leitura com crianças e jovens da Favela da Malacacheta, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
Em um ano em que as escolas estão fechadas por conta da pandemia do novo coronavírus, manter as crianças em casa com conteúdo de qualidade para o aprendizado e educação é um grande desafio. O cenário é ainda mais preocupante nas comunidades, onde muitas famílias não têm condições para acompanhar as aulas à distância e, muitas vezes, nem estrutura adequada para o aprendizado.
Pensando nisso, o Instituto Estação das Letras se uniu a Associação Nagai para promover três meses de encontros virtuais para cerca de 120 famílias da comunidade do Alemão. Os encontros, que são semanais, são semelhantes às famosas rodas de leitura, com mediação de professores. Ao final, os autores dos livros estudados participam da atividade.
Cada roda de leitura aborda uma obra diferente, atendendo crianças de diferentes faixas etárias. O livro Cabeça de Vento, de Bia Bedran, é voltada para crianças de 5 a 8 anos. Meu Vô Apolinário, de Daniel Munduruku, para crianças de 9 a 12. Por fim, Olhos D’água, de Conceição Evaristo, para jovens de 13 a 21 anos.
“Cada grupo recebe o livro em casa e tem três encontros sobre a obra, com leituras de fato. No quarto encontro, o autor comparece para uma interação”, explica Suzana Vargas, criadora e curadora do projeto. “A ideia de receber o livro em casa é que eles também podem compartilhar a obra com os pais e com os irmãos. É muito bonito de ver, porque, além da criança, outras pessoas se beneficiam dos encontros”, conta.
Autoaceitação e representatividade
As obras e os escritores não foram escolhidos por acaso. Suzana conta que, como curadora, se preocupou em escolher livros que envolvessem verdadeiramente as crianças e os adolescentes.
No caso de Bedran, sua obra conta a história de um menino que subverte a ordem sobre o significado de ser um cabeça de vento para o lado positivo. Além do tema importante para a construção de autoestima das crianças, o livro é todo escrito em poesia. “Se trata, a princípio, de um gênero que encanta muito a criança, pelas rimas, pela música”, explica Suzana.
Sob mediação da professora e fonoaudióloga Amália Maria Mattos de Araújo e da professora Sandra Felix, o encontro com Bedran aconteceu no último dia 13. Até esse dia, os alunos puderam se preparar para a entrevista com a autora, enquanto aprendiam a fazer origami. “Ao mesmo tempo em que liam o livro, eles trabalhavam a história também de forma lúdica e artística e isso envolveu muito as crianças”, conta.
Já a escolha da obra de Munduruku veio para levantar, entre os alunos, discussões sobre pertencimento, ancestralidade e autoaceitação. “[Meu Vô Apolinário] é um livro lindo que trata a história pessoal do Daniel, que é índio e, antigamente, tinha vergonha de ser índio. E ninguém deve ter vergonha de sua história”, reflete Suzana. “Por que trabalhar as questões sociais do indígena com crianças do Alemão? Porque tem a ver com pertencimento, com raça, com discriminação, com assumir a sua história pessoal e devolvê-la para a sociedade com outro olhar”, explica.
Já os contos de Olhos D’água trata sobre vidas negras e pobres perdidas tragicamente. “É um livro sobre histórias de mulheres negras. Cada conto é a realidade da mulher negra, das nossas heranças da África e tudo o que se produz a partir disso e que é uma realidade muito próxima de todos os brasileiros”, diz a curadora. “É uma forma de trabalhar questões de consciência cidadã, pertencimento e raça.”
Próximos encontros
Os encontros sobre o livro de Bia Bedran já se encerraram e, segundo Suzana, foram um sucesso. “As crianças se concentram, prestam atenção, quando alguém vai interromper, eles chamam a atenção. É impressionante a capacidade deles de concentração e desenvolvimento. Todos eles queriam falar, interagir com o professor, com a Bia. E eles se envolveram com trabalho manual como se estivessem com a presença do professor”, conta.
E as crianças de 9 a 13 anos já receberam o livro de Munduruku, que se juntará a eles, virtualmente, no dia 10 de agosto, às 15h, sob mediação de Elenice Nogueira, artista plástica, e Vera Bastos, professora. No dia 14 de setembro, será a vez de Conceição, com mediação de Monique Ferreira, professora de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira.
Os encontros com os autores serão abertos ao público, que poderá assistir à roda, mas não poderá interagir. “Esse é um privilégio das crianças”, avisa Suzana, entre risadas. As transmissões acontecerão na página do Facebook do Instituto Estação das Letras.