Badsista, atração do Gop Tun, reflete sobre criatividade nas periferias
A cantora, compositora e produtora vem desafiando os limites da criatividade na música brasileira
Badsista, nome artístico de Rafaela Andrade, é uma das cantoras, produtoras e DJ’s mais promissoras da música brasileira. Através de projetos solo – como o ‘Gueto Elegance’ (ouça ao final da matéria), seu disco de estreia – e trabalhos eletrizantes ao lado de Linn da Quebrada, Jup do Bairro, Jaloo e Brisa Flow, a artista vem alcançando feitos extraordinários. Prova disso foram suas apresentações em festivais renomados, como o Glastonbury e Nyege Nyege.
A estrela em ascensão também levanta questões urgentes como a falta de suporte aos artistas da periferia, representatividade LGBTQIA+ na indústria fonográfica e a necessidade de desmarginalizar determinados gêneros musicais brasileiros. Em outras palavras, Badsista está entre nós para chacoalhar as estruturas tradicionais que regem a cultura popular e desafiar os nossos sentidos.
No dia 2 de abril, a performer invade o palco do Gop Tun para trazer toda essa energia transformadora em um festival dedicado à música eletrônica. Em um preparo para o evento, Claudia bateu um papo com Badsista para falar sobre o início de sua carreira, maiores inspirações e o processo de autoconfiança que a fez alcançar novas alturas em sua jornada. Confira:
CLAUDIA: o que te motivou a sair dos bastidores e assumir os holofotes como uma artista que canta, produz e entrega performances cheias de energia?
Badsista: eu sempre tive vontade de lançar um álbum próprio. Inclusive, eu toco e canto desde criança, mas acabei deixando isso de lado quando me tornei DJ e produtora musical. Ficar por trás das coisas acabou sendo um movimento natural. Só que um dia eu estava produzindo, compondo e cantando algumas músicas para enviar a uma amiga, e ela disse que eu era a pessoa certa para gravar aquelas canções, não fazia sentido colocar outro alguém para cantar. Eu sou muito tímida, mas decidi me propor esse desafio, porque algumas ideias só poderiam ser executadas por mim.
CLAUDIA: como aconteceu esse processo de perder a timidez e abraçar uma autoconfiança para se colocar à frente dos holofotes?
Badista: a Rafaela é tímida, mais na dela. Eu aprendi a ser extrovertida com a Badsista. Para controlar a situação, criei uma persona. Antes eu me sentia constrangida com as coisas, não sabia dizer não e passava por situações que me deixavam desconfortável. Hoje em dia eu inverto a dinâmica para não sentir desconforto. A Badsista tem esse lado explosivo, impactante e repleto de energia, que faz todo mundo prestar atenção e curtir o momento.
CLAUDIA: como era a aceitação em torno de seu trabalho no início de sua carreira, e como as pessoas te recebem hoje? O que mudou?
Badsista: eu sinto que hoje meu trabalho chega antes de mim. Com o meu primeiro disco (Gueto Elegance), eu tentei alcançar lugares diferentes. E foi muito chique quando essa tentativa me rendeu um prêmio de álbum revelação no APCA. Não que isso seja meu troféu. Por exemplo, quando apareci na capa da Veja, fiquei mais feliz porque minhas tias ficaram emocionadas, até mandaram áudio chorando. É gratificante lançar um disco e perceber que pessoas aleatórias ouviram e gostaram. Acessar as pessoas mesmo sendo a ‘diferentona’ é incrível. Eu já tive banda de rock, toquei em barzinho, trabalhei com a Linn, fiz trabalhos com a Jup do Bairro que foram super aceitos pela cena indie, e agora só quero me jogar. Não quero me tornar refém das minhas criações.
CLAUDIA: Como você classificaria o cenário da música eletrônica atualmente? O que você acredita que precisa melhorar em termos de diversidade, falando tanto em artistas quanto em variedade de sons?
Badsista: um grande primeiro passo é reconhecer a música periférica brasileira, que é feita por pessoas que não têm condições de ter muitos equipamentos, e mesmo assim, fazem um som muito foda através da tecnologia. Em todos os festivais que já toquei ao redor do mundo, conheci muita coisa ‘low cost’, uma galera que tá ali no computador quebrando a cabeça pra fazer arte. A música eletrônica não pode ser elitizada. Quando eu não tinha grana e equipamento, eu não deixava de fazer música. Eu arrumava coisas de graça, baixava sample, me jogava.
Há dez anos, o funk mandelão que conhecemos hoje nem se manifestava. Só que os moleques compravam um computador, baixavam um Acid Pro e o Fruit Loop -ferramentas de edição e criação de áudio – e faziam o som que eles achavam que ia bombar no baile da rua deles. E olha o que isso se tornou, é uma coisa gigantesca. Olha o que virou o funk do Rio, de BH. Quando você dá estrutura para pessoas criativas, principalmente na periferia, a gente vai fazer muito mais. A gente já faz muito sem ter nada.
Eu fiz produção de música eletrônica e estudei com muitos playboys. Alguns eram legais, outros escrotos, mas eram todos playboys. E eu ouvia muita coisa: ‘Você tem que ter isso, comprar aquilo’ e minha autoestima ia pro núcleo da terra, porque eu achava que se eu não tivesse 600 reais em 2012 para ter um fone, eu não ia conseguir fazer música. Eu achava que minha arte ia ser sempre ruim porque eu não teria dinheiro pra comprar as coisas. Mas ser da quebrada não significa que vamos ter um som ‘zuadão’. Os manos podem não ter conhecimento técnico, mas fazem tudo baseado no ouvido e isso é o mais importante. Isso não é brincadeira.
CLAUDIA: além do elitismo que afetou o seu desenvolvimento artístico, você sofreu com algum preconceito ou resistência envolvendo a sua identidade sonora?
Badsista: a primeira vez que toquei num rolê eletrônico foi porque eu pedi, e logo em seguida, eu já tinha mais duas datas marcadas. Mesmo assim, quando eu fazia um set numa festa techno e colocava funk no meio, tinha uma galera que achava um absurdo. A primeira vez que eu toquei apenas um vocal de funk, teve gente que saiu da pista. Depois disso eu larguei o foda-se, parei de reproduzir só vocais e comecei a tocar funk mesmo, ser mais ousada. Mas antes eu fui fazendo o meu charme, ganhando as pessoas, pra depois acabar com tudo.
Mas, no fim, o preconceito das pessoas é com pobres e pretos, não com a música. Ninguém se incomoda com letras sexuais. O 50 Cent fala putaria, o Akon fala putaria, vários rappers americanos e cantores pop falam putaria. Esse argumento é tosco. O preconceito é com classe mesmo. As pessoas falam que a música é de ‘pobre favelado’. Mas como eu falei, hoje em dia meu trabalho chega antes de mim. Então se alguém não gostar do que eu faço, ela nem fica na minha pista.
CLAUDIA: e quais são as suas maiores influências musicais?
Badsista: a Amy Winehouse mexeu muito comigo quando eu era mais nova. Eu cheguei a ir no show, fiquei arrepiada, chorei. É louco pensar o quanto a grandeza das coisas enlouquece as pessoas. Ela partiu para outra antes mesmo de falecer. Também amo a Missy Elliot, a gata sempre tem uma abordagem muito chique para tudo. Foi ela que me fez pensar que eu poderia fazer o que eu faço num molde pop, sem ser tão agressivo. Quando ela trabalhou com a Aaliyah e o Timbaland, ninguém estava fazendo aquele tipo de som. Hoje em dia ela é uma das maiores referências neste segmento, tanto a Missy, quanto o Timbaland e a Aaliyah.
E em nosso país, eu amo o axé, o brega nordestino… As letras desses gêneros são grandes inspirações. O elitismo fala que precisamos escrever uma super poesia, com palavras difíceis, mas isso não tem nada a ver comigo. Eu sempre escrevi de forma simples. Eu gosto de ler algo e entender, não quero ter dez anos de faculdade para compreender um negócio. Nesses gêneros [axé e brega] as letras são sempre bem sofridas e românticas. A Banda Calypso também é muito massa, eu acho a simplicidade tão linda. Nós não damos o devido valor às coisas simples.
CLAUDIA: existe algum artista que você adoraria produzir um disco?
Badsista: eu ia dizer a Rihanna, mas acho que ela desencanou. Então eu escolho a Kali Uchis. Escuto muito o último álbum que ela lançou (Sin Miedo), acho a voz dela muito bem gravada, é tudo muito bem feito. Quando você ouve prestando atenção, dá para perceber o quanto tudo está em harmonia, bem editado. Adoraria fazer algo com ela.
CLAUDIA: para você, qual é a melhor produção musical de todos os tempos, aquela que você escuta e fica arrepiada?
Badsista: tem duas que eu acho icônicas: Buttons das Pussycat Dolls e Piece of Me da Britney Spears. Eu consumi muita música pop, escutei muito Lady Gaga e Rihanna para entender como eu poderia criar meu som nos moldes do pop, curto demais essa ideia. Já estou testando essa nova abordagem em alguns trabalhos que ainda vão ser lançados.
CLAUDIA: e o que você está preparando para a sua apresentação no Gop Tun? Dá um spoiler para a gente.
Badsista: eu estou fazendo várias versões do álbum, porque também queria que o disco fosse um lugar de estudo. Também trarei sonoridades da América Latina, América do Sul, Uganda, África do Sul e Indonésia… vou homenagear todas essas culturas.
CLAUDIA: o que o público pode esperar da Badsista tanto para 2022 quanto para 2023?
Badsista: estou preparando os remixes do meu álbum de estreia. Vou aproveitar meu capital social para chamar gente que eu adoro, de todo o globo. Também estou envolvida no show da Jup do Bairro no Lollapalooza, vou tocar guitarra e fazer backing vocals. Comecei a produzir o disco da Jup e planejar o próximo álbum da Brisa Flow. Adoro pegar um projeto e fazer ele do início ao fim. Tenho outro trabalho com o Mc Thayk, que é mais ‘popzão’, trap. Todas essas pessoas me chamaram para produzir e pensar o som com elas, e isso é muito massa. Tem turnê pela Europa, outra nos Estados Unidos. E estou clamando a Ásia com todas as forças que eu tenho dentro de mim. Não vai passar do ano que vem, estamos em negociação. E vou para a Colômbia pela primeira vez também.