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Os truques e ingredientes do melhor pão biológico do mundo

José Carlos Santos, líder da equipe portuguesa e autor do pão premiado em 2023, nos contou os segredos da sua padaria

Por Ana Claudia Paixão
28 fev 2023, 09h59

José Carlos Santos vive em Covilhã, na Serra da Estrela, em Portugal. A pequena cidade tem menos de 50 mil habitantes e, como ele mesmo comenta, fica mais próxima da Espanha do que da capital, Lisboa. A distância nunca foi problema para o padeiro, que hoje comanda o negócio da família, a tradicional Padaria Dias – fundada pelo seu pai.

José Carlos nunca pensou pequeno: vivendo no ponto mais alto de seu país, gosta de viajar, se desafiar e ampliar horizontes. Em Portugal, os produtos da padaria são famosos, mas agora têm também projeção internacional.

Em janeiro de 2023, um pão biológico e nutricional criado por ele – feito apenas de fermento natural – foi eleito o Melhor Pão Biológico e Nutricional do Mundo pela tradicional competição global da panificação, a Sigep – The Dolce World Expo.

“Com 52 anos, fui o padeiro mais velho do concurso, ou seja, todos os outros padeiros tinham idade quase para serem meus filhos”

José Carlos Santos
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A Sigep é como se fosse a “Copa do Mundo” da gastronomia, elegendo a cada ano o melhor gelato artesanal, a pastelaria, a padaria e o café entre os participantes vindos de todo o mundo. É também um evento que apresenta tecnologias e maquinaria para panificação, pastelaria e confeitaria, sendo muito conceituado.

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Ao lado de colegas portugueses, cada um com sua especialidade, José Carlos ficou com a padaria, vencendo competidores vindos da Itália, Holanda, Espanha, México, Peru, China, Israel e Croácia, em uma prova que durou mais de nove horas e demandou concentração e energia.

“Na próxima, vou melhor preparado”, promete. “Vou estar mais equiparado às outras equipes fortes”. Sinal de bicampeão?

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Confira a entrevista na íntegra:

CLAUDIA COZINHA: A Padaria Dias é ultra premiada em Portugal, como começou sua história?
José Carlos: A nossa ligação com o mundo do pão começou logo desde pequenino, porque pai foi o primeiro padeiro da família (não tínhamos tradição antes dele). Quando veio para Covilhã, conheceu minha mãe, se casou e se estabeleceu aqui. Meu pai começou a trabalhar com construção civil, até que surgiu a primeira vaga numa padaria, e foi evoluindo… Ele trabalhava quase 14 horas por dia e meu irmão e eu tínhamos que levar o almoço para ele. Adorávamos ver como era o trabalho dele, mexendo a farinha… Tinha uns carrinhos muito engraçados para isso, e nós achávamos que era uma brincadeira. Ao “brincar” fomos aprendendo a fazer os pães.

E quando a brincadeira virou algo mais sério?
Meu irmão, quatro anos mais velho do que eu, foi reprovado um ano na escola e meu pai ficou triste. Então, o levou para a padaria para trabalhar nas férias sem ganhar nada, só de castigo [risos]. Mas eu sabia que, para nós, aquilo não era um castigo, era diversão. Eu disse ao meu pai: “Também quero ir”. Antes disso, quando ainda era mais novo, já pedia a ele, dizia: “Olha, se tu não me levas [para o trabalho], eu choro toda a noite e não deixo a mãe dormir”. Funcionava! [risos]

Quando fundou a Padaria Dias?
Anos depois, não queria estudar e o meu pai decidiu montar a Padaria Dias, por volta dos anos 1980. Ou seja, faz quase 40 anos! Trabalho desde os 13. Claro que é assim na nossa cidade e no país. É um país pequeno, mas cada zona tem seus tipos de pão e suas tradições. Somos pequenos, mas faz diferença. O mapa de Portugal é capaz de ter mais de 2.030 tipos de pão diferentes, cada um de cada região.

E como o negócio cresceu?
Começamos com uma loja no centro da cidade, com poucos funcionários. E depois foi crescendo até que, por volta do ano 2000, não tinha por onde crescer. Surgiu a possibilidade de construirmos uma fábrica nova, que é onde eu estou agora, ou seja, estamos aqui há 23 anos. As coisas foram evoluindo, pelo menos em termos de condições, para fazer o melhor produto. Estamos a 10 km da cidade e não é fácil viajar 20 km para comprar pão. Ninguém vai cobrir essa distância apenas para isso. Ou é muito barato, ou muito bom. As pessoas vão lá porque gostam.

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E é muito bom, né?
Até foi bom no início. Mas era o nosso “pior-melhor” pão.

Como assim?
Digo pior porque era o que tinha, não havia outro. Nós fazíamos dois tipos de pão, no máximo.

E o que mudou?
Minha teimosia. Foi eu sair da minha cidade e ir à procura de conhecimento, de coisas novas. Fui, inclusive, algumas vezes ao Brasil também. Meu pai sempre foi contra, queria que estivesse sempre presente. Ainda hoje – ele tem 80 anos – não gosta que eu saia daqui.

Nem o sucesso mudou isso?
Não [risos], mas há 7 anos, se perguntar ao Google qual a melhor pão natural de Portugal, ele diz que é a Padaria Dias. E, desde janeiro, ele diz que o melhor pão nutricional e biológico do mundo também é da Padaria Dias.

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Voltando às suas viagens no Brasil, o que você acha dos pães brasileiros?
É um papo seco, de carcaça, o pão francês. No norte do Brasil o chamam de careca. O brasileiro gosta de um pão fofinho para comer enquanto toma café com leite e põe manteiga e já está feliz, sabe? O Brasil já tem padeiros bons, já faz bons pães bons. Depende de formação.

E o que faz um pão ser bom?
É um pão que respeita o processo de fabricação, que respeita ter boas matérias-primas e que respeita, sobretudo, o tempo que demanda para ficar pronto. O tempo de fazer o pão faz parte de sua receita, aliás, é um dos principais ingredientes.

Como decidiu participar das competições?
Começamos a participar de concursos sem querer ganhar nada exatamente, era mais uma desculpa para ter um fim de semana diferente. Como os concursos não eram na minha cidade, afinal ficamos longe de Lisboa, Porto ou Coimbra e trabalhávamos de domingo a domingo, sem folga, era uma chance de ter um fim de semana diferente, passear na praia, essas coisas. Meu irmão me questionava: “Carlos, o que é que vais fazer? Quem ganha são sempre os mesmos de Lisboa, aquelas pastelarias famosas. Perde-se tempo, gastas dinheiro e não ganhas nada”.

A Padaria Dias, de Portugal, tem o melhor pão biológico do mundo
José Carlos Santos (à esquerda) e a equipe da Padaria Dias durante a competição mundial (| Foto: Padaria Dias/Divulgação)

Quando começaram a vencer?
Em 2017, quando conseguimos o terceiro lugar de um bolo que chamamos de “escangalhado”. Foi o nosso primeiro prêmio e vi que poderia melhorar nossos produtos. Vendo os bolos da concorrência, dos outros colegas, pudemos alterar alguns pontos e fazer dos nossos bolos competitivos. Todos os nossos produtos são bons e me atrevo a dizer que, em Portugal, a concorrência é difícil. Temos muitas referências e mais de 100 prêmios.

E o impacto de vencer o Sigep?
Foi minha primeira vez, não sabia da realidade de um concurso como esse, que é muito exigente, um concurso de nove horas e mundial. Eu era o padeiro mais velho concurso, ou seja, todos os outros padeiros tinham idade quase para serem meus filhos. Pode ser que eu venha a participar mais uma vez e, se isso acontecer, estarei melhor preparado. Nos faltou um apoio quanto aos utensílios que as pessoas levam, por exemplo. Os outros levaram os deles, nós trabalhamos com os que a organização forneceu. Foi a maior canseira da minha vida. [risos] Mas não me importo. Se der, vou conseguir melhorar mais.

Mas do que está falando? Já estrearam ganhando!
Sim, o prêmio de melhor pão nutricional e biológico do mundo, mas havia outros prêmios, como a melhor apresentação. O que ganhamos é importante, mas podemos mais. O nosso era lindo sozinho, mas ao lado da apresentação da China – que ganhou – a nossa parecia infantil. É uma diferença abismal. Tínhamos que entregar 20 produtos em oito horas e tínhamos um ponto de fermentação natural.

Qual o fator essencial para ter ganho?
As farinhas antigas, que têm um sabor único. A receita que ganhou o prêmio leva batata-doce assada no forno com sementes de abóbora, resultando o pão Rosa Negra. [O nome do pão vencedor é inspirado num local de mesmo nome da Serra da Estrela, que fica entre Covilhã e a Espanha]

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A Serra da Estrela é uma zona pobre, as receitas não são maçadas com água, mas com uma infusão de ervas que se encontram no alto da Serra da Estrela. Seria como a aguardente brasileira, que é clara, mas no caso a água fica amarela, como uísque, e tem várias propriedades nutricionais, assim como diuréticas. E foi com essa água que comecei a fazer o pão, acrescentando centeio, maçã, produtos que são cultivados lá em cima, na aldeia mais alta de Portugal. O centeio fica um ano na terra, é semado e colhido apenas 12 meses depois. Portanto, não há nada igual ao pão da Serra da Estrela, especialmente no valor nutricional e de casca.

A demanda aumentou?
Se estivéssemos em Lisboa ou Coimbra talvez tivéssemos um boom [risos]. O Rosa Negra é artesanal, tem quatro pétalas de massa fininha e crocante, pinceladas com azeite. Não tem entrega rápida e tem que ser consumido no dia. [Apenas para registro, o Rosa Negra sai por três euros a unidade, cerca de R$ 16,50]

E o que faz um pão “ser bom”?
Ninguém consegue fazer um pão igual ao teu ou o meu. As tuas mãos vão ser diferentes das minhas, sabe? Desde a água que você faz o pão, tudo é diferente. E o tempo. É o principal ingrediente dos pães.

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