Desistir: uma força que poucas pessoas têm a coragem de usar
Será que a nossa dificuldade de estabelecer limites nasce da nossa dificuldade de ouvir os limites do outro?
– Desculpe, não consigo. Não tenho como fazer isso que você está me pedindo.
Foi assim que terminei uma conversa com uma pessoa ao telefone na última semana antes de escrever esta coluna. A minha sensação foi de um quase choro, o coração pedindo pausa “peloamordedeus”! Sem me dar conta, mais uma vez, lá estou eu fazendo mais do que consigo. Criando minhas próprias prisões externas (e internas) para depois me sentir sem tempo, sem liberdade e com vontade de jogar tudo para o alto.
Fico me perguntando o quanto a nossa dificuldade em falar não tem a ver com a nossa dificuldade de ouvir “nãos”.
Este questionamento me fez sugerir um exercício dividido em duas partes para os participantes do UnboxingMe – a jornada de Exploressência que idealizei em 2018 e que venho realizando desde então. Primeira parte: escreva o que você ouve quando alguém te diz não?
Antes de contar a segunda parte do exercício, quero compartilhar com vocês algumas respostas do nosso grupo que representam a opinião da maioria: “Quando alguém me diz não, me sinto excluída.”
“Eu sinto rejeição.”
“Sinto que não sou importante, que a pessoa não tem tempo para mim.”
“Eu não gosto de ouvir não porque me sinto desvalorizada.”
Agora vem a segunda parte do exercício:
O que você diz quando você diz não?
Talvez antes de ler as respostas do nosso grupo, você queira refletir a respeito. Pare alguns instantes, respire e se pergunte novamente: o que você quer dizer, o que você precisa informar, quando você diz não para alguém?
Neste caso, a maioria foi unânime: “quando digo não, estou apenas estabelecendo meus limites.”
E aí vem a minha dúvida maior: será que a nossa dificuldade de estabelecer limites nasce da nossa dificuldade de ouvir os limites do outro? Ou será que a dificuldade de ouvir os limites do outro nasce da nossa dificuldade de estabelecer os nossos próprios limites?
O que eu posso dizer para vocês é: eu tenho as duas dificuldades.
Mas quero compartilhar um ensinamento precioso que recebi do Wagner Aires, meu professor de Tai Chi Chuan, no último retiro organizado pela minha empresa, a Soul.Me.
Trabalhamos no retiro algumas das energias fundamentais desta incrível arte marcial. A primeira delas foi PAN – a energia da expansão. Como o Wagner diz: “Pan está em tudo, mas nem tudo está em pan. Tudo tem potencial de expansão, mas nem tudo está expandindo”. Pan delimita nosso espaço sagrado, aquele que sentimos invadido, por exemplo, quando somos criança e alguém aperta a nossa bochecha com um pequeno beliscão, e já adultos, quando alguém nos dá um abraço que não queremos receber, ou manda uma mensagem de WhatsApp e, se não respondemos logo, cobra na sequência.
Como preservar nosso espaço sagrado? Como manter a nossa energia sem deixar que o outro nos invada?
No retiro fizemos um exercício em dupla no qual cada um tinha que reconhecer a energia do outro – e a sua própria – com um toque sutil entre os punhos das mãos. Ficávamos frente a frente, um pé mais adiante e o outro atrás. Através do movimento do peso corporal de um pé para o outro, a mão avançava e o outro precisava recuar. Recuar para não deixar que o outro nos invada. Recuar não significa abandonar a expansão, mas preservá-la.
Desistir não é sinônimo de fraqueza, mas de uma força que poucas pessoas têm a coragem de usar.
Na maioria das vezes, seguir adiante é mais fácil porque é o que todo mundo espera de você, inclusive você mesma. Desistir é uma potência que exige contato com a sua verdade. Desisto para me respeitar. Desisto porque cheguei ao limite. Desisto para preservar meu espaço sagrado. Cada uma de nós tem inúmeras chances de desistir na vida. E quero dar meu apoio a todas as que já desistiram de um caminho para seguir a trilha sagrada dos chamados do coração.
Quem desiste, ensina sobre autorrespeito e aprende mais facilmente a respeitar o limite dos outros.