Uma indústria etarista
Está na hora de olharmos criticamente o tipo de conteúdo de beleza que estamos consumindo e propagando por aí
Estava eu perdida rolando o feed, sem perceber quanto tempo gastei arrastando para cima e me perguntando o que eu estava mesmo fazendo ali, quando me veio um estalo. Um tutorial de contorno labial me fez pensar sobre etarismo na beleza. Pois é, a gente nunca descansa. Era de uma marca gringa que estava vendendo batom e lápis de boca para fazermos igual em casa. Para supresa de zero pessoas, a demonstração era em uma boca jovem, carnuda, sem um vinco sequer.
Fiquei olhando para o vídeo e pensando que era muita cara de pau das marcas seguir essa narrativa. Pensei na gigantesca marca de beleza de Kylie Jenner, vendendo batons como seu produto principal. Mas, veja, ela fez modificações em seus lábios para deixá-los maiores. É tipo dizer “meus batons vão te dar o mesmo efeito, mas só se você fizer um preenchimento antes” — que ironia, rimos muito.
Me acompanhe no raciocínio: passamos os últimos dez anos questionando essas mesmas marcas sobre inclusão; as consumidoras ficaram mais atentas e passaram a exigir campanhas de produto com modelos além da brancaloira-de-olhos-verdes-e-16-anos. Nada contra, não é sobre isso. O que estava errado era o fato dela ser a única modelo de beleza presente em 99% das imagens publicitárias. Cadê as outras, cadê a diversidade?
O lado bom da internet foi justamente trazer pluralidade de rostos e corpos que a revista de moda não permitia antes, era o momento de finalmente derrubar o padrão de beleza ou, pelo menos, ameaçá-lo a ponto de poder enxergar outro horizonte. Mas sabe o que acontece após algum avanço? Uma boa resposta patriarcal.
As redes sociais nunca tiveram tantas receitas de emagrecimento, indicações de procedimentos estéticos como a salvação para a autoestima, posts e trends estaristas, e milhões (milhões!) de tutoriais e campanhas com pessoas jovens, até para vender maquiagem para mulheres 40+.
Marcas gringas que, no Brasil, são para públicos de maior poder aquisitivo, usam as nepobabies como musas. Será que as empresas não se ligaram que, por aqui, a média de idade é de 33,48 anos (pela primeira vez, 55% da população está acima dos 30 anos). Uma coisa é certa: por conta do avanço da medicina, melhorias no saneamento das cidades e diminuição na taxa de fecundidade, a única tendência para se apegar firmemente é o envelhecimento da população.
A projeção é que, em 2030, o Brasil terá a quinta maior população idosa do mundo. E o que as marcas as marcas de beleza internacionais e nacionais estão fazendo a respeito? Revestindo seus produtos de tons pastel e contratando porta-vozes mais e mais jovens. Escuto agências e departamentos de marketing falarem em rebranding, desesperadas para terem alguma relevância no meio de um mercado em que todo mundo parece estar gritando que está errado envelhecer.
Conta aí no seu feed quantas são as modelos 40, 50, 60, 70+? E não estou nem falando de vender skincare para nós — mas já que toquei nesse assunto: nessa hora, parecem que se lembram de nós e do nosso poder de compra. Daí, lá vem a cara de pau de novo: vendem cremes em anúncios recheados de imagens de peles retocadas no computador. Senhoras grisalhas sorridentes quase sem linhas de expressão em imagens que eu nunca sei se são de cuidados ou daqueles anúncios de tratamentos para ajudar a aumentar a libido do casal sênior.
Só que, se a gente não pressionar essas marcas, o baile vai seguir tocando uma música de dancinha de TikTok. Ao menos que você queira passar o resto da sua existência acreditando que pode parar o tempo e ser jovem para sempre, numa busca interminável por um padrão opressor e indisponível, é melhor começarmos a lutar para que essas marcas nos dêem um lugar ao sol.
Comentar no post ajuda. Mandar e-mail para o SAC, ligar, deixar sugestões, qualquer coisa que sinalize seu desconforto com a repetição de um visual TÃO naturalizado que parece ser o único. Deixa eu contar para vocês: não é. Existe beleza (e maquiagem) para mulheres de todas as idades — o que não quer dizer um tutorial que transforma uma mulher de 70 anos em uma de 50. Talvez, esse tipo de imagem, de conteúdo e de tutorial, não se aplique à nossa vida real. Então, ao trabalho, senhoras. Só nós podemos abrir essa picadinha para as próximas gerações, é nossa hora!