Envelhecer é uma rebeldia
O que antes era o fim de uma vida, hoje é só a metade do caminho, o que nos possibilita reescrever nossa jornada
Minha mãe é uma mulher fantástica. E ela cavou com colher de sobremesa o seu próprio caminho. Criada com enxoval pronto, cursou até a oitava série, abandonou os estudos para casar, foi mãe aos 17 e mudou-se para a cidade grande. Montou lavanderia, foi mãe de novo, fundou uma empresa de máquinas agrícolas. Enquanto se via entre impostos e tratores, ela decidiu voltar a estudar. Fez supletivo, faculdade, pós-graduação. Tornou-se cosmetologista e, hoje, além de administrar o Liceu, nossa escola de beleza, dá aulas e treinamentos, e é consultora de fórmulas para uma grande empresa. Ela reformulou tudo nos últimos 20 anos.
Gosto de falar dela quando o assunto é futuro. No começo do século 20, a estimativa de vida da mulher era de 33 anos. Nem na menopausa dávamos conta de chegar. De 1960 para 2018, com a compilação de dados globais, a estimativa passou de 48 anos para 75,5. É um salto enorme num curto espaço de tempo se pensarmos na história do planeta. Porém, enquanto tecnologia e ciência propiciaram esse avanço, pouco evoluímos na nossa humanidade.
Veja, essa mesma mulher fantástica, que assumiu os cabelos grisalhos e foi a primeira entre as irmãs a falar abertamente de menopausa, foi alvo de piadinhas de um grupo de meninas no metrô a caminho do trabalho. As estudantes riam enquanto comentavam o fato de uma senhora como ela usar franja. Sim, isso que você leu, franja de cabelo. A única coisa que elas esqueceram é que essa geração de mulheres ativas e potentes, que está ressignificando o que é ser mulher com 50, 60, 70, 80 anos, está correndo para que moças e crianças como a minha filha possam andar tranquilamente quando forem mulheres adultas. Ou seja, elas poderão fazer outras escolhas que não só envelhecer invisíveis no vestido de florzinha e sapatos ortopédicos.
Se isso não é um exercício de futuro, não sei o que é. Tão necessário e importante como o das feministas da década de 60 e 70 que falaram abertamente sobre interseccionalidade, violência e direitos reprodutivos para que o #MeToo pudesse acontecer.
Enquanto lutamos para envelhecer como quisermos, é preciso retomar as narrativas do que significa menopausa, linhas de expressão, rugas, reposição hormonal, sexo, gravidez, corpo, cabelo e, sim, até franja. O que antes era o fim de uma vida, hoje é só a metade do caminho, o que nos possibilita reescrever e refazer nossa jornada, a qualquer momento. O tempo, antes, era o grande empecilho. Agora, o vilão é a opinião alheia. “Velha demais para batom vermelho, para decote, para renda, para gozar, para ser mãe de novo, para mudar de carreira, para namorar.”
E para as moças do metrô, resta Gloria Steinem: “De um modo geral, as mulheres tornam-se mais radicais à medida que envelhecem. O padrão é que as mulheres são conservadoras quando são jovens. É quando há mais pressão sobre nós para nos conformarmos, quando somos potenciais carregadoras de filhos e objetos sexuais. E perdemos poder quando envelhecemos. O que é uma experiência muito radicalizadora”.
Envelhecer é radical. Não aceitaremos nada menos do que isso, senhoras.