‘Veja Como Eles Correm’ atualiza o gênero criado por Agatha Christie
Filme de suspense que entrou em cartaz no final de 2022 é uma das surpresas do ano
Sempre que uma série ou filme usa a fórmula do “quem matou” volto à fonte principal e insuperável: Agatha Christie. A rainha do crime, cuja vida ela mesma roteirizou com eventos dramáticos, é considerada a romancista mais bem-sucedida de todos os tempos.
Traduzida para mais de 100 idiomas, já vendeu mais de quatro bilhões de cópias ao redor do mundo, com 56 anos de carreira mais de 80 livros e 19 peças. É imbatível mesmo 70 anos depois de ter tomado Londres como uma tempestade e batido recordes incríveis. Isso mesmo, a peça A Ratoeira (The Mousetrap) estreou nos palcos londrinos em 1952 está em cartaz até hoje. Isso mesmo, são sete décadas de absoluto sucesso.
E Veja Como Eles Correm é uma revisitação bem-humorada e inteligente da obra que – pasmem – contratualmente impede que seja filmada. Vamos lá e prometo, mantendo o juramento de quem viu A Ratoeira e Veja Como Eles Correm: não darei spoilers.
Inteligente, curioso e divertido, Veja Como Eles Correm traz Saiorse Ronan e Sam Rockwell como os detetives que tem que solucionar os crimes que ocorrem nos bastidores da peça A Ratoeira, o que faz da trama uma metalinguagem absolutamente superior às outras produções do gênero. Sim, estou falando de Glass Onion: Um Mistério Knives Out e da minha favorita, The White Lotus.
Como é de fato um verdadeiro “clássico Agatha Christie”, que se especializou em histórias simples e reviravoltas mirabolantes, o filme nos leva para uma Londres dos anos 1950, com 10 suspeitos, dois detetives (um desinteressado e uma iniciante) e assassinatos esquisitos, que farão sentido no final das contas.
Quando pode, o diretor Tom George aproveita para brincadeiras para inserir pessoas e fatos verdadeiros (por exemplo, A Ratoeira é inspirado em um crime real, os atores do elenco são mesmo os que trabalharam na peça, incluindo um jovem Richard Attenborough) e também satirizar a eterna curiosidade mórbida do público sobre crimes o famoso “quem matou”, que em inglês é “whodunit” (who’s done it).
Mantendo propositalmente o clima de excessivo drama de tramas de suspense, o que resta é rir e se divertir. E evitar se apressar para descobrir a verdade. Antes de passar para alguns spoilers, Fica aqui a reforçada sugestão de ver o filme, disponibilizado no Star+ e se deixar levar. É um dos presentes de 2022!
Algumas curiosidades que podem dar dicas, mas juro que não são spoilers:
- A peça teatral A Ratoeira (The Mousetrap) estreou no Theatre Royal, em Nottingham, em 6 de outubro de 1952 e é hoje a peça mais antiga do mundo ainda em produção.
- O elenco original trazia Sir Richard Attenborough e sua esposa, Sheila Sim. Sir Attenborough mais tarde ganhou o Oscar como diretor por Ghandi e seguiu trabalhando como ator, com participação inclusive em Jurassic Park.
- Há mesmo uma cláusula contratual que impede que a peça seja filmada antes de seis meses depois de sua última apresentação. Uma adaptação para o cinema chegou a ser anunciada em 1959, mas o filme nunca foi feito porque, como sabemos, 70 anos depois, a peça continua em cartaz em Londres.
- Assim como é mencionado no filme, A Ratoeira é inspirada em um crime real que chocou o Reino Unido nos anos 1940s. O menino Dennis O’Neill, de apenas 12 anos, foi violentamente espancado até a morte por seu pai adotivo, Reginald Gough, que foi condenado a seis anos de prisão por homicídio culposo.
- Os nomes das personagens fictícias são brincadeiras com amigos do diretor. O inspetor Stoppard é uma referência ao diretor e dramaturgo Tom Sttopard, que escreveu Rosencrantz and Guildenstern Are Dead e também The Real Inspector Hound, uma paródia de A Ratoeira.
- A policial Stalker é a tradução de “perseguidora”, que é um dos talentos dela.
- O mordomo Fellowes é uma alusão ao roteirista Julian Fellowes, de Downton Abbey e The Gilded Age. É que Julian fez sucesso e foi indicado ao Oscar pelo filme Assassinato em Gosford Park, de 2001, que usa a fórmula “quem matou?” (whodunit) e também foi quem adaptou para o cinema a obra de Agatha Christie, A Casa Torta, em 2017.
- Já o diretor Leo Köpernick tem um sobrenome que apenas os britânicos entenderiam. É que ele é uma composição de duas gírias: Copper (policial) e Nick (para prender/apreender um suspeito).
- Há várias referências de livros ou personagens do universo de Agatha Christie, fique ligado!
Assista ao trailer de Veja Como Eles Correm: