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Será que está na hora de você pedir demissão?

Movimento 'Great Resignation' está fazendo com que pessoas questionem as atuais condições de trabalho

Por Kalel Adolfo
1 mar 2022, 09h00
Confira a história de mulheres que pediram demissão para encontrar a si mesmas.
Confira a história de mulheres que pediram demissão para encontrar a si mesmas.  (CPerona (Getty Images)/Reprodução)
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Acordar cedo todos os dias, enfrentar o trânsito para chegar ao escritório e ser confrontado com condições de trabalho exaustivas: se este modelo de rotina já incomodava em um mundo pré-pandêmico, agora, ele é insustentável para uma parcela considerável da população. É deste cansaço frente às estruturas corporativas tradicionais que nasce o movimento Great Resignation – ou a “Grande Renúncia”, em tradução livre. O psicólogo e professor americano Anthony Klotz batizou o fenômeno após notar um assustador crescimento nos pedidos de demissão entre os norte-americanos. O mais curioso? Boa parte dos indivíduos que estão abandonando os seus cargos não possuem planos para trabalhar em outras empresas. Ou seja, muitos estão se aventurando no desconhecido.

Juntando isso ao fato de que agora a Síndrome de Burnout é considerada uma doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é possível ter um panorama muito claro: as pessoas não aguentam mais viver para trabalhar. A epifania coletiva veio à tona graças ao período de quarentena que, ao nos manter isolados, fez com que todos experimentassem a introspecção e um questionamento constante da realidade. Será que estamos vivendo de forma autêntica e fel a quem somos ou só somos apenas prisioneiros de um sistema arcaico?

Todas essas perguntas geraram consequências externas, como mostram os dados do Bureau of Labor Statistics (Escritório de Estatísticas de Trabalho): mais de 20 milhões de americanos pediram as contas até outubro de 2021. E a tendência não se restringe aos Estados Unidos. A empresa de RH SD revelou, através de uma pesquisa com 5.000 participantes, que locais como a Alemanha, Reino Unido, Holanda e França estão batendo recordes de pedidos de demissão relacionados à Covid-19. Já na China, um movimento semelhante intitulado “Tang Ping” também vem conquistando espaço entre os cidadãos. Claro que, nessa onda, especialistas e pesquisadores sociopolíticos já estudam a possibilidade dessa corrente chegar ao Brasil.

Será que a “Grande Renúncia” fará as empresas progredirem a favor de seus funcionários? É possível que nós, brasileiros, tenhamos o privilégio de abandonar o mercado corporativo atual e encontrar alternativas de sustento que contemplem o nosso bem-estar? É complexo visualizar tais conquistas em um país que, além de lidar com questões primárias como a fome, passa por uma grave crise econômica. Mesmo assim, há mulheres que estão participando desta revolução global.

A seguir, você lerá a história de quatro profissionais brasileiras que, ao abrirem mão de cargos vistos como brilhantes, encontraram algo ainda mais valioso: uma conexão verdadeira consigo mesmas.

Luanda Vieira

Jornalista, influenciadora digital, ex-editora de beleza e wellness

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Luanda Vieira, influenciadora digital e jornalista.
Luanda Vieira, influenciadora digital e jornalista. (Luanda Vieira/Acervo pessoal)

Trabalhar com moda é um sonho que Luanda carregava desde a infância. “Minha mãe comprava revistas para mim, eu colecionava todas que fossem possíveis”, revela. Consequentemente, ela se matriculou na faculdade de jornalismo. “Eu não queria fazer moda, mas queria falar sobre o assunto que eu amo.”

Ela brinca que, por ser capricorniana, seria impossível abandonar essa missão: “Se eu tenho uma meta, preciso conquistar. Essa era a Luanda até o ano passado. Meu lema era realizar as coisas, custe o que custar. Porém, o que me custou, na verdade, foi a saúde mental”.

Tudo começou quando ela entrou para a equipe de comunicação corporativa de uma editora. “Não era o que eu queria, mas por ser um local que trabalhava com revistas, poderia render frutos. Só precisava abrir as portas certas”, explica. Após grandes obstáculos – que incluíram até mesmo uma demissão inesperada –, Luanda entrou para uma revista feminina. Ali, finalmente estava trabalhando com algo pelo qual lutou durante anos. “Não tem como eu falar sobre o meu esforço e garra sem falar de raça. Eu pensava que não podia falhar nem demonstrar fraquezas. Precisava sempre estar impecável. A longo prazo, isso mexeu com a minha cabeça de forma surreal. Mas até o seu corpo dar sinais, você nem consegue parar para pensar nisso”, conta.

“Eu queria ser editora de moda aos trinta. Com 29, faltando um mês para o meu aniversário, fui promovida a esse cargo.” Entretanto, a rápida ascensão profissional, acoplada à pandemia e ao movimento Black Lives Matter, fez com que o desgaste mental se tornasse uma questão iminente.

Antes de sofrer com a Síndrome de Burnout, Luanda ainda utilizou o restante das suas energias para comandar a editoria de beleza e wellness de outra publicação. “Chegou um momento em que eu abria o WhatsApp e começava a passar mal. Eu pedia folga porque não conseguia funcionar até o fim da semana. Tive crises de ansiedade assustadoras. Aguentei isso por três meses, até que meu corpo não pôde mais suportar”, diz. Abandonar um sonho foi devastador. Porém, ela decidiu abrir mão desse cargo tão almejado para ser dona da própria vida. “Hoje em dia, eu sou influencer, freelancer e ofereço consultorias para marcas. Tudo com ajuda da minha namorada e agente, Stephanie. Isso me dá forças para cuidar do meu emocional.”

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Se Luanda voltaria para o mundo corporativo? Sim, mas com uma condição: “Caso eu tivesse um poder de decisão tão forte a ponto de mudar essa estrutura atual, eu retornaria. Se não for para promover mudanças, não quero”, pontua.

Mariana Holanda

Psicóloga, professora de saúde mental e desenvolvimento humano, e ex-diretora de saúde mental e diversidade

Mariana Holanda, psicóloga, professora de saúde mental e desenvolvimento humano.
Mariana Holanda, psicóloga, professora de saúde mental e desenvolvimento humano. (Mariana Holanda/Acervo pessoal)

Em junho de 2020, uma das maiores produtoras de bebidas do mundo surpreendeu ao nomear a psicóloga Mariana Holanda como a primeira diretora de saúde mental e diversidade na história da companhia. “Eu virei uma subcelebridade coorporativa”, brinca. Contudo, em meio a um período de esperança e desejo por mudanças estruturais significativas, a profissional já sofria um silencioso esgotamento. Por mais que ela tentasse amenizar os sintomas – chegando a se afastar das atividades profissionais por quinze dias – a pandemia veio e potencializou as reflexões acerca da rotina.

Para evitar consequências irreversíveis, precisou pedir a demissão de um cargo que, ironicamente, visava melhorar a qualidade de vida dos funcionários. “Eu encaro que me curei emocionalmente no ano passado. E isso só foi possível realizando muitas mudanças na minha vida, incluindo aceitar que o meu ciclo na empresa havia terminado. Eu não estava preparada para o palco que recebi como primeira diretora de saúde mental lá”, explica.

O que deu forças para ela sustentar a decisão foi conhecer outros profissionais que estavam dispostos a mudar a cultura dentro das empresas. “O meu incômodo diante das corporações é a falta de aprofundamento ao tratar pautas urgentes. Cansei de fazer treinamentos e não ver ninguém colocando a mão na massa”, esclarece. “No momento em que consegui quebrar o meu ciclo de saúde mental e me transformar na protagonista da minha vida, percebi que a responsabilidade estava comigo e mais meia dúzia.

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Não há um movimento tão forte em prol da saúde mental como há a favor do business. Quer melhorar o psicológico da sua galera? Reveja o workflow. Se cinco pessoas fizerem o trabalho de dez, não há aplicativo, treinamento ou meditação que mude as consequências”, conclui.

Aline Castro

Jornalista, palestrante e desenvolvedora de programas de saúde emocional nas empresas

Aline Castro, jornalista e desenvolvedora de programas de saúde emocional nas empresas
Aline Castro, jornalista e desenvolvedora de programas de saúde emocional nas empresas (Aline Castro/Acervo pessoal)

Apesar de ter tido uma infância simples e conservadora no interior do Paraná, Aline sempre teve um desejo intenso de desbravar o mundo. Essa ambição fez com que ela conquistasse, aos 16 anos, uma bolsa de intercâmbio na Alemanha. A expansão de mentalidade e o contato com outras culturas fez com que ela ingressasse nas faculdades de Jornalismo e Relações Públicas.

“Voltei para o Brasil querendo fazer algo relacionado ao mundo e às viagens. Em pouco tempo, trabalhei em grandes emissoras. Logo em seguida, passei em um concurso de correspondentes e consegui unir as duas formações. Conquistei o meu maior objetivo de maneira veloz.” Para quem via de fora, sua vida parecia um filme: além de morar em outros países, como a Itália, ela cobriu dezenas de eventos mundo afora.

Porém, algo parecia desencaixado: “Na época eu não sabia que o meu maior valor é a liberdade. Eu morava no Rio, precisava visitar meu marido em São Paulo ou a minha família no Paraná. Mas, frequentemente, surgia uma pauta de última hora e eu precisava cancelar os planos. Essa era a minha rotina”, conta. Foi nesse momento que ela começou a se questionar do trabalho. “Isso aconteceu há 12 anos, mas tem tudo a ver com o Great Resignation. As coisas estavam certas por fora, mas não por dentro”. Esta foi a primeira vez em que Aline precisou se afastar de um emprego tradicional.

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Desde então, ela continuou atuando como comunicadora, mas canalizou os esforços para o comportamento humano, realizando cursos de psicanálise e neurociência. Os estudos a transformaram em uma das professoras mais prestigiadas de uma tradicional instituição de ensino superior privada e dona de uma empresa de comunicação organizacional. Pouco antes do início da pandemia, porém, Aline percebeu que estava revivendo a rotina alucinada: “Dava aulas em 11 MBAs, trabalhava com as principais empresas do país e viajava quatro vezes por semana. Acabei me distanciando de quem sou”, diz.

É aí que o corpo começa a dar pequenos sinais, até o momento em que o burnout chega. Eu tive uma crise na sala de minha casa.” Para Aline, o esgotamento acontece por acreditarmos em uma ilusão do que é socialmente defInido como sucesso. “Não somos máquinas, precisamos respeitar os nossos ciclos e sair desse transe coletivo”, pontua. “Hoje, ser bem-sucedida, para mim, é acordar sem despertador, deixar o meu corpo descansar, dançar… Falo ‘não’ para lugares, pessoas e trabalhos que não sinto conexão. Cada ‘não’ que eu digo para fora é um ‘sim’ para mim”, reflete.

Raíra Venturieri

Estrategista de redes sociais e freelancer

Raíra Venturieri foi diagnosticada com lúpus em um dos momentos mais estressantes de sua vida profissional.
Raíra Venturieri foi diagnosticada com lúpus em um dos momentos mais estressantes de sua vida profissional. (Raíra Venturieri/Acervo pessoal)

Desde 2013, Raíra Venturieri trabalha de forma autônoma, criando conteúdos para marcas. Contudo, após o nascimento de sua filha, Nina, a profissional viu a necessidade de estabilizar a rotina corporativa e aumentar a renda. E foi exatamente isso que ela fez: em outubro do ano passado, passou a trabalhar como estrategista de mídias sociais de uma companhia brasileira que realiza publicações sobre finanças e investimentos.

“Eu queria transicionar para uma carreira diferente, ganhar mais, ter um apartamento maior. Parece que, à medida que envelhecemos, tendemos a cair facilmente neste caminho”, explica. Mas, quando menos percebeu, ela já estava lidando com os desafios da maternidade, a exaustão de um emprego CLT e a manutenção de sua empresa freelancer. “Era muita exigência e, por eu ter um cargo sênior, estava trabalhando bastante. Mesmo quando eu chegava em casa para cuidar da minha bebê, precisava continuar trabalhando”, disse.

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Em questão de meses, Raíra passou a ficar doente com frequência, sentir dores e dormir mal. Ao investigar, acabou sendo diagnosticada com lúpus, doença autoimune em que as células de defesa do organismo passam a atacar órgãos e estruturas saudáveis do corpo. “Ela está relacionada ao estilo de vida da pessoa e, quase sempre, é engatilhada por estresse constante. Para mim, foi um chacoalhão. Percebi que não estava seguindo o melhor caminho para mim”, declara.

Sobre o movimento de Great Resignation, ela se declara feliz em saber que existe esse questionamento coletivo. “Não sou apenas eu pensando em outras possibilidades de emprego. Se  tenho a oportunidade de construir uma carreira estando perto da minha filha, preciso abraçar isso. Preciso viver muito por ela. Se todo mundo que tem esse privilégio levantar e falar o que pode ser diferente, talvez vejamos alguma mudança”, conclui. O que não falta é conteúdo para reflexão!

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