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LinkedIn tóxico? Mulheres reclamam de assédio, fake news e ambiente machista

Criado para estimular o networking profissional, o LinkedIn ganhou enorme popularidade no Brasil. Contudo, comportamentos tóxicos minam a experiência

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
25 Maio 2021, 10h00
foto em preto e branco dos olhos de um homem com intervenções de ilustração amarelas
 (CSA Images/Getty Images)
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m scroll pelo feed do LinkedIn levará você a um post de alguém pedindo ajuda para encontrar uma oportunidade de trabalho. Dois cliques para curtir a publicação, um compartilhamento ou uma indicação: é isso que a pessoa solicita, atos que impulsionam o engajamento e fazem com que a mensagem chegue a mais lugares.

Às vezes, as histórias emocionantes rendem milhares de comentários com links para vagas e até gente pedindo o currículo para inclusão imediata em um processo seletivo. Nada mais vitorioso num cenário como o atual brasileiro, com acima de 13 milhões de desempregados. A situação se reflete na rede, confirmada pelo crescimento das faixinhas verdes de “open to work” (aberto para trabalhar) sobre as fotos de quem procura emprego.

Sob essa perspectiva, é reconfortante o poder do LinkedIn, rede criada em 2003 nos Estados Unidos e lançada em 2010 em português. Em novembro de 2020, o número de usuários brasileiros alcançava 46 milhões de pessoas e a produção de conteúdo havia crescido 50% de março de 2019 a março de 2020.

Com a proposta de aumentar o networking, nesses casos, o LinkedIn realiza com maestria sua missão e se torna mais uma ferramenta profissional durante a pandemia, após a mudança extrema para o mundo virtual. Contudo, assim como em outras redes sociais, ele é um reflexo da sociedade como um todo, tanto nas partes positivas como nas negativas.

Não são poucos os posts exaltando a meritocracia, usando imagens e informações falsas e criando histórias fantásticas sobre demissões transformadoras. Mas o que acontece de mais tóxico no LinkedIn, segundo as mulheres, são os casos de assédio. Mensagens inadequadas, comentários sexistas e até perseguições e ameaças são relatados por elas.

A seguir, refletimos sobre o que é prejudicial para a saúde mental na rede e também compartilhamos as experiências de algumas profissionais que a utilizam. É importante dizer que mudar a situação depende da colaboração do usuário e da ferramenta, portanto, além de cobrar o LinkedIn, é preciso que façamos a nossa parte.

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ilustração retrô de mulher sem olhos
(CSA Images/Getty Images)

Você não é bem-vindo

A gente já sabe que a internet deixa as pessoas mais corajosas para falar o que quiserem sem medo das consequências. Somado a isso está o fato de estarmos em uma sociedade machista, em que o homem é criado para dizer o que pensa, especialmente para as mulheres. A combinação resulta em assédio através de comentários e mensagens, especialmente as que não aparecem publicamente.

Se nas direct messages do Instagram e do Facebook isso já era comum, não é de se estranhar que também ocorra no LinkedIn, mesmo a rede sendo profissional. O comportamento é, na verdade, a repetição virtual do comentário sobre a aparência e o corpo feito na rua, no transporte público e, por que não, o assédio no trabalho. Recentemente, com a conversa mais aberta sobre o tema, tem sido exigido posicionamento das empresas. O LinkedIn, em muitos dos casos relatados nessa matéria, reagiu com rapidez, acolhendo a vítima e instruindo-a.

A rede recomenda a denúncia de qualquer comportamento inadequado. Em todas as ferramentas da plataforma (mensagens privadas ou posts) há um meio de acusar assédio. “Mantemos um trabalho contínuo para garantir conversas seguras e construtivas dentro do ambiente”, fala Ana Claudia Plihal, executiva de soluções de talentos da rede.

Ela ressalta uma pesquisa conduzida em 2020 em parceria com a consultoria Think Eva. A iniciativa traçou o cenário do assédio sexual em ambientes profissionais on e offline. “A partir dos resultados desse estudo, implementamos diversas medidas proativas e reativas que empregam uma combinação de tecnologia, experiência humana e revisão de políticas para proteger usuários de casos de assédio, abuso e outros comportamentos não profissionais”, acrescenta Ana Claudia, ressaltando um lembrete constante que o usuário recebe lembrando-o que a plataforma é para temáticas relacionadas a trabalho.

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Além disso, através de inteligência artificial, o LinkedIn identifica quando uma mensagem possui conteúdo ofensivo e dispara um alerta ao usuário antes que ele a abra. A pessoa pode escolher nem ler e dispensar diretamente.

Um usuário denunciado por uma ação que viola a política da plataforma recebe um aviso explicando o motivo de uma postagem sua ser removida ou do perfil ser tirado do ar. Ao mesmo tempo, a vítima tem feedback da ação tomada pela empresa. Espera-se que, dessa forma, fique ainda mais clara uma lição que já deveria ter sido aprendida: assédio não deve acontecer em nenhum lugar e com ninguém.

“No último ano, abri minha própria empresa, então o LinkedIn virou uma ferramenta importante de contatos e de alcance de novos clientes. Não demorei para notar que a maioria dos convites de amizade é de homens. No começo, aceitava, achando que era prospecção de trabalhos. Depois, entendi que não é bem por aí. Uma vez, um homem me adicionou no LinkedIn, depois no meu Instagram profissional e, em seguida, no pessoal. Aí pegou meu número de trabalho e adicionou no WhatsApp. Eu mandei uma mensagem perguntando se ele estava em busca do meu serviço profissional. A resposta: “Quero conhecer você por Zoom”. Com cuidado, para que ele não tivesse como fazer um print que queimasse minha imagem nas redes, respondi que o LinkedIn era para interações profissionais e que eu não estava procurando namorado, mas que, se estivesse, existem outras redes para isso. Vinte dias depois, ele me ligou! Disse que queria me fazer uma proposta profissional, mas era mentira. Eu acho que ele estava tentando se redimir da aproximação anterior. Eu disse para ele que esse tipo de abordagem mais assustava do que conquistava. Quando desliguei, postei no LinkedIn sobre o ocorrido. E sigo postando toda vez que um homem tem uma atitude dessas na rede. Só assim eles entenderão que não temos medo e que não vamos ficar quietas. Quem sabe assim o assédio diminui.”

Mayumi Iamaguti, tradutora

 

 

ilustração retrô de homem de terno segurando copo de bebida
(CSA Images/Getty Images)

“Uso o LinkedIn com frequência desde 2018, fazendo publicações de 2 a 3 vezes por semana. Sou empreendedora e sei que a rede é fundamental para fechar negócios. Mas ela também é um reflexo do que vemos na vida real quando o ambiente é majoritariamente masculino. É como uma grande Faria Lima. Há muitos homens que não aceitam recusas, não compreendem limites, mas também existem aqueles que fazem uma abordagem, recebem uma negativa e param. Tive diversos casos de assédio. No mais grave deles, um profissional importante da área da tecnologia me abordou, conversamos e, numa reunião presencial, ele tentou pegar na minha mão. Delicadamente, me esquivei. Com medo que ele pudesse prejudicar minha carreira, fui evitando contato, não respondia nada. Enquanto isso, ele me mandava fotos de mulheres peladas pelo WhatsApp. No vácuo, ele se tornou agressivo, deixava comentários negativos nos meus posts, discordava de mim, me expunha. Depois de um tempo, perdi a paciência e bloqueei. Ele fez um post falando que tinha dó dos meus clientes, porque eu não era capaz de conversar com pessoas que divergiam da minha opinião. Quando perguntavam quem era nos comentários, ele dizia que responderia por inbox. Como ele não citou meu nome ou o da minha empresa, não consegui processá-lo. Naquela época, cogitei sair da rede, mas recebi muito apoio para continuar. Um tempo depois, quando sofri outro assédio, recorri oficialmente ao LinkedIn e eles bloquearam o perfil do sujeito. Estão agindo rapidamente para acabar com esse comportamento machista.”

Julia*, fundadora de uma empresa de relações públicas
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ilustração retrô de escritório
(CSA Images/Getty Images)

“A gente vê todos os dias muitas coisas erradas na rede. Agora, com o aumento dos posts sobre demissão e pedidos de ajuda para encontrar outra vaga, cresceu o número de casos em que as pessoas copiam o relato emocionante de alguém e repostam como se fosse delas. Já vi isso gerar muita briga nos comentários, um pessoal denunciando. Mas o que mais me incomoda ainda é o assédio, especialmente de homens de fora do Brasil. Uma vez, um profissional estrangeiro com perfil interessante no setor em que trabalho me adicionou. Nós tínhamos 26 amigos em comum, inclusive a minha prima, então aceitei o pedido e iniciamos uma conversa. Ele começou perguntando sobre mim, mas o papo rapidamente desandou. Ele me chamou de baby, perguntou a cor da minha pele. Quando eu falei que não era aceitável esse comportamento, ele tentou se justificar falando que chamava as sobrinhas de baby. Fiquei tão frustrada, porque achei que era uma oportunidade real de expandir minha atuação profissional. Foi uma perda de tempo. Antes de desfazer a conexão, eu disse que ele não deveria falar com nenhuma mulher dessa forma.”

Débora Bonfá, gerente de produtos

 

 

ilustração retrô de sapato masculino
(CSA Images/Getty Images)

 

“Muitos dos projetos que iniciei na área da diversidade foram por causa do LinkedIn. Eu via que a rede era para homens brancos. E toda vez que tentava levantar uma discussão, vinha algum cara falar que coisas que não faziam o menor sentido. Os ataques são comuns, a maioria de cunho machista. Já teve até gente falando que eu deveria voltar para a barriga da minha mãe. Essas falas mais agressivas geralmente são de homens. Quando mulheres entram na dicussão, elas normalmente só concordam com um comentário feito por um homem. Ao mesmo tempo que as mulheres não brigam, elas também não se posicionam publicamente. Recebo muitos inbox delas falando que pensam o mesmo que eu, mas que não se declaram publicamente porque o chefe está na rede e ele não receberia bem aquela opinião. Por inbox também chegam as maiores ofensas. Se eu começo a ler a mensagem e vejo que é xingamento, já bloqueio. Antes, eu entrava na briga, mas não dou mais conta. Se um post meu começa a juntar muito comentário preconceituoso, publico outra coisa em cima pra nem ler o anterior. Se não, fica muito tóxico, a saúde mental não aguenta. Quando fui Top Voices, meu perfil foi derrubado cinco ou seis vezes em um ano por causa de denúncias em massa. Mas me recuso a sair, porque é importante meu papel aumentando a representatividade de mulheres lésbicas e falando sobre diversidade sem ficar em cima do muro.”

Maira Reis, fundadora da Camaleão, solução de diversidade LGBTQIA para empresas

 

 

ilustração retrô de mão de mulher com anel gigante de diamantes
(CSA Images/Getty Images)
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“Era 11 da noite e eu estava na cama mexendo no celular quando chegou a notificação de uma mensagem no LinkedIn. Curiosa, fui olhar quem era. A mensagem me chamava de linda e pedia meu número caso eu fosse solteira. Ainda falava: ‘Se for casada, esquece, não quero problema’. Fiquei tão irritada, porque, basicamente, o que o cara falava era que outro homem ele respeitaria, mas não a mim. Respondi que aquela era uma rede profissional e que era triste passar por uma situação assim em pleno 2021. Eu não estou procurando emprego, mas me coloquei no lugar de quem está. Imagina a frustração de abrir a mensagem e ver aquilo! Quando dividi o print nas redes, muita gente me entendeu. Ao mesmo tempo, teve quem respondeu que o homem estava sendo gentil. Na verdade, é um reflexo do que as mulheres sofrem no dia a dia. Pior que depois que publiquei sobre o ocorrido, cresceu muito o número de homens me seguindo no Instagram. E eles vão direto nas fotos de biquíni para curtir. Eu ainda ouvi: ‘Seu perfil é aberto, então você dá liberdade’. Isso é um absurdo. Eu tenho que fechar minhas redes porque os homens não sabem se comportar? Com pessoas que estão dispostas a ouvir, eu converso, explico o lado da mulher. Mas tem muito homem que não quer saber. Ouvi de um deles que ele também sofre com assédio. Dias depois, numa reunião, o presidente da minha empresa, que me segue no LinkedIn, me parabenizou publicamente pela atitude. Ele tem uma filha mais nova e disse que espera que ela seja corajosa como eu. Fico pensando que é preciso de coragem duas vezes:
pra expor e pra lidar com o resultado.”

Isabella Toledo, coordenadora de costumer experience

As fics

Na internet, o termo fic é usado para descrever histórias criadas por usuários das plataformas. No LinkedIn, são comuns aquelas que descrevem fatos surreais. Gente que achou um currículo no chão, contratou a pessoa e agora ela é CEO de uma superempresa. Há ainda jovens meninas pobres que viraram grandes líderes por causa de sua resiliência.

Algumas dessas histórias são, em parte, verdade, mas usadas como base para um discurso meritocrático que chega a ser absurdo perante a desigualdade brasileira. Um exemplo: a foto de um homem com deficiência – sem uma perna e usando muletas – entregador de aplicativos de delivery ilustrava um post sobre o grande diferencial de uma pessoa ser a boa vontade para trabalhar. E que aquilo teria rendido a ele um carro e a criação de uma vaquinha de auxílio financeiro após a foto viralizar.

A situação real é uma pessoa com diversas necessidades, tendo que se expor a condições nada adequadas de trabalho para conseguir alimentar a si mesmo e a família. Há quem tente, nos comentários, alertar para as falhas no texto, mas o estouro do número de likes em postagens que recorrem ao emocional derrubam qualquer tentativa de racionalidade e empatia.

No mesmo caminho, há aquelas postagens transformando a demissão em um processo engrandecedor. Claro que há histórias de quem se viu sem emprego antes de abrir um negócio – especialmente mães nos primeiros anos dos filhos –, mas não é verdade que a demissão é sempre bem-vinda e uma experiência de aprendizado, especialmente na crise em que vivemos.

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ilustração retrô de escritório antigo
(CSA Images/Getty Images)

Melhores e mais raros são os posts que contam a realidade por trás da demissão: é um soco no ego que leva algum tempo para ser superado, mesmo que fosse esperada, e deixa a maioria numa situação de instabilidade e incerteza. Contudo, o que nos diz o fato do primeiro tipo de post ser mais popular do que o segundo? Os baixos da carreira, pequenos fracassos ou passos para trás, se tornam fraquezas.

A ideia de se mostrar sempre produtiva e vencedora, apesar de surreal, é vendida como mais tentadora para garantir a entrada em processos seletivos e contratações. Na mesma linha de raciocínio aparecem posts com vagas de emprego que pedem que as pessoas sejam fora da caixa, disruptivas, capazes de transformar pedra bruta em arte, dispostas a fazer parte de um projeto revolucionário. Dessa forma, tirando da prioridade a formação profissional e o domínio de idiomas, o processo se torna absolutamente subjetivo.

Fora a parte das fake news, nos outros casos, a plataforma pouco tem como interferir. São textos opinativos e que não desrespeitam outras pessoas. Passa a ser responsabilidade do usuário, portanto, o conteúdo que é postado. E isso requer reflexão constante sobre como algo que escrevemos pode afetar a saúde mental do outro. Tem a ver com se colocar no lugar das mulheres, que já estão em desvantagem no mercado de trabalho, e compreender como a rede e a realidade podem ser menos tóxicas.

ilustração retrô de homem de terno segurando copo de bebida
(CSA Images/Getty Images)

O que falta para termos mais mulheres eleitas na política

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