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Juliana Borges

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.

#DefendaOLivro

Segundo o Ministro da Economia, livro é “artigo de luxo”. Luxo é quem consegue, com esforço, ler no ônibus, no caminho do trabalho para a faculdade

Por Da Redação
13 ago 2020, 21h30
Mulher
Professora foi a primeira mulher em 55 anos, de existência da organização  (|Reprodução/Getty Images)
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Nas discussões da reforma tributária, que acontecem no Congresso Nacional a partir de projeto enviado pelo Governo Federal, uma taxação chama a atenção: a dos livros. Hoje, isento, o produto passaria a ser taxado em 12%. A isenção de imposto sobre o livro acontece desde o final da década de 1940, corroborado pela Constituição de 1988, que chamamos de Constituição Cidadã por um simples motivo: a aprovação de mecanismos que garantiam direitos fundamentais para o pleno, ou o mais próximo disso, exercício da cidadania.

Essa proposta é um ataque e não mera casualidade ou alguém de bom mocismo tentando resolver questões econômicas na agenda brasileira. Economia não é, não pode ser, nem nunca foi só sobre números. Inclusive, é muito mais sobre Política. E isso, qualquer economista decente sabe. Assim, guiado por uma política, as propostas em velho economiquês caduco, sobre déficits, superávits, ajustes fiscais, BILHÃO, milhões, vão ganhando forma e fazendo com que a maioria da população, por não entender muito de uma linguagem de distinção – e, portanto de segregação – , não se aproprie do debate. E atacar o livro vai ganhando outros contornos.

O livro é uma das tecnologias mais geniais desenvolvidas pela humanidade. O modo como o conhecemos hoje ganhou forma já no século XV. A partir da prensa móvel desenvolvida por Johann Gutenberg, o livro ganhou o mundo, porque sua produção ficou mais barata. Mas, a história com ele é mais antiga. Nós sempre registramos histórias e pensamentos. O intelectual Antonio Candido dizia que a literatura era um direito, porque uma “manifestação universal de todos os homens em todos os tempos” e que não se trata de “uma experiência inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, como acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração. Isto significa que ela tem papel formador da personalidade, mas não segundo as convenções; seria antes, segundo a força indiscriminada e poderosa da própria realidade. Por isso, nas mãos do leitor, o livro pode ser fator de perturbação e mesmo de risco”. Ao falar sobre isso, Antonio Candido não viria a desenvolver uma pensamento de periculosidade do livro, pelo contrário. O que o crítico anunciava é que, justamente pelo seu potencial de promover transformações nos indivíduos que tem contato com o livro e a literatura é que essas precisavam ser compreendidas como um direito universal, assim como entendemos que todos devam ter acesso a água, alimentação, saúde, emprego, moradia, lazer…

A história do livro é antiga conosco. Desde os povos suméricos, no uso de barro e pedra para cunhar as efabulações e conteúdos cotidianos; aos egípcios e o uso do papiro – sempre bom lembrar da Biblioteca de Alexandria, maior do mundo antigo com seus mais de 700 mil livros e que, infelizmente, sofreu um incêndio de imensa proporção. Aos indianos, que usavam as folhas das palmeiras para compilar escritos; os astecas e os maias, que faziam livros da entrecasca de árvores; aos romanos e suas páginas de pergaminhos (invenção de Pérgamo, na Ásia menor), compilados em códex (invenção grega). O livro mais antigo a que temos conhecimento é o da “Epopeia de Gilgamesh”, da Mesopotâmia (atual região do Iraque), com excertos em tábuas encontradas que datam do século XX, só que antes de Cristo (ou da Era Comum, como preferirem). Esse livro, inclusive, ganhou tradução, direto do acádio, em 2017, pelo professor de estudos clássicos Jacyntho Lins Brandão, baseado na versão do poeta Sin-léqi-unnínni, que data de XIII a.C.

Com o livro, podemos acessar outros mundos, outras culturas e histórias, podem sentir com o outro, nos ver em personagens, efabular, refletir, nos modificar. Inegável que uma ferramenta das mais poderosas e que, mesmo com tantas mudanças históricas, segue firme ao nosso lado. Mas, esse percurso sempre teve tentativas de interrupção e de censuras. Se não acabando com o livro enquanto forma, mas tentando cercear o tipo de mensagem nele inscrita. No romance Fahrenheit 451 (1953), de Ray Bradbury, apresenta-se para nós um futuro distópico (será?) em que o livro e o pensamento crítico são proibidos. Os bombeiros da história são, em verdade, os responsáveis por queimar os livros encontrados, que entram em combustão a uma temperatura de 451 graus fahrenheit (daí, o nome). Certo que o autor apresentou sua perspectiva de que o livro apresenta uma crítica a TV como ferramenta que causa o desinteresse no livro, mas também é verdade que quando o livro ganha forma e o mundo, as perspectivas sobre ele também ganham possibilidades. E pensar nesse livro para falar das dificuldades que podem ser criadas para que o livro seja acessado é inevitável. Não conto o que acontece, porque, claro, quero que você o leia.

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Em nosso país, 1/3 da população afirma nunca ter comprado um livro. Como já disse aqui em outras oportunidades, segundo a leitura Retratos da leitura no Brasil, a média de leitura do brasileiro é de 4 livros ao ano, sendo que apenas 2 são lidos do início ao fim. Na mesma pesquisa, 44% da população disse não ler, além desse 1/3 que citei acima. Com esse cenário, o que precisamos é de facilitações no acesso ao livro. Mais do que isso: precisamos de uma forte e séria proposta de incentivo a leitura e de acesso ao livro. Desde 2006, diversas organizações, com a participação ativa da cadeia produtiva do livro, têm formulado propostas sérias pela Política Nacional do Livro e da Leitura, instituída pelos Ministérios da Cultura (Gilberto Gil) e Educação (Fernando Haddad) de então. Os principais eixos são: democratização do acesso, fomento à leitura e à formação de mediadores, desenvolvimento da economia e valorização do livro.

Segundo o Ministro da Economia, livro é “artigo de luxo”, dizendo que o imposto poderia ser investido no aumento do Bolsa Família. O argumento, em verdade, tenta colocar áreas em rota de colisão, quando são, em verdade, complementares. Por que não taxamos grandes fortunas? Por que não taxamos helicópteros? Luxo é quem consegue, com esforço, ler no ônibus, no caminho do trabalho para a faculdade ou quem vai trabalhar de helicóptero? Em recente artigo publicado na Folha de São Paulo, o editor Luiz Schwarcz apresentou números interessantes para quem acha que livro é artigo de luxo ou de gente rica: na última bienal do livro do Rio de Janeiro, que mobilizou mais de 600 mil pessoas, a maior parte do público era de jovens que compõem a classe C e disse “Na FLUP (Festa Literária das Periferias) os dados são mais ainda eloquentes: do público total do evento, 97% se declaram leitores frequentes, 51% têm entre 10 e 29 anos, 72% são de não brancos e 68% pertencem às classes C, D e E!”.

Caso seja aprovada a tributação, o que teremos são mais dificuldades de acesso ao livro porque o produto se encarecerá e todo o processo que temos visto, com todas as dificuldades, de termos a cada ano mais brasileiros lendo irá pelo ralo. O mercado editorial, que já está em crise, será mais atingido ainda – a pandemia já trouxe efeitos bem pesados.

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Não citei Antonio Cândido por acaso. Dos seus importantes legados foi a formulação de apresentar literatura e livro como direitos básicos essenciais. Não como um direito que vira programa assistencial do governo, como resposta do Ministro da Economia. Mas como um direito que deve ser exercido com autonomia, como um direito que proporciona reflexão e cidadania. Esse ataque ao livro não está desconectado dos ataques à portaria que recomendava a adoção de políticas afirmativas nos cursos de pós-graduação do país, assim como não está desconectado dos ataques a todas as áreas da Cultura como uma política que pretende esvaziar e destruir qualquer possibilidade de crítica. O que temos aprendido com a pandemia é que ciência, produção de conhecimento crítico e cultura são fundamentais. Afinal, o que tem te entretido em casa nesses tempos?

Um ataque ao livro não é um ataque apenas aos que já leem, mas um ataque e uma política de interdição da possibilidade de que outros leiam e, portanto, possam acessar um direito. E vamos aceitar perder mais direitos?

Se envolva nessa! Compartilhe a hashtag #DefendaOLivro, fale para as pessoas porque você ama ler, a literatura, o livro. E se você ainda não lê, aproveite para começar! Vamos?

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